Como a tecnologia deve pautar as decisões de M&A em 2024?

Após um ano “mais lento” no mundo das fusões e aquisições, há indícios de que o mercado de M&A terá um 2024 de expansão. É o que pontam relatórios como o “Do stand by ao infinito”, elaborado pela LLYC em colaboração com a iDeals e a M&A Community. A pesquisa ouviu profissionais do setor de diversos países, inclusive o Brasil. Há outro mapeamento recente, da Latitud, plataforma de inovação que apoia investidores na América Latina, que também aponta nessa direção: 90% dos entrevistados dizem que 2024 será melhor.

Compartilho desse otimismo, mas com cautela. Podemos dizer que há mais estabilidade na economia brasileira e uma certa desvalorização dos ativos do país, que estão em um ponto de compra mais atraente. Este é um fator importante, com a queda da taxa de juros, uma tendência em todo mundo, que ajudará a fomentar o apetite ao risco por parte dos investidores. Todos esses aspectos criam um cenário favorável ao mercado de M&A, porém, nunca é demais lembrar de uma certa tendência brasileira para uma economia fadada ao voo raso, de curta duração.

De qualquer maneira, seja você um otimista cauteloso ou não, uma pergunta serve de título para este artigo e para todo planejamento de negócio: como a tecnologia se insere nesse contexto e deve pautar as estratégias de M&A em um ano de mercado potencialmente aquecido?

A tese de investimentos

Fundos que investem em compra de empresas e organizações que crescem de forma inorgânica elaboram as chamadas teses de investimentos, que são o conjunto de dados e argumentos para justificar um aporte financeiro — etapa fundamental no processo de decisão.

Potencial de vendas, sinergia, diversidade geográfica, número de clientes e escalabilidade estão entre os fatores que tradicionalmente impactam as teses, mas agora precisam somar mais um, igualmente fundamental: não há como pensar numa tese de investimento para um M&A sem considerar a tecnologia, que está disseminada por todas as áreas de uma empresa.

Há alguns anos, a análise da arquitetura tecnológica de uma empresa ficava em segundo plano no estudo de viabilidade de um M&A. Eventualmente, tornava-se preocupação após a aquisição, quando o líder de TI era, então, designado para o cargo. Esta dinâmica não funciona atualmente, quando existe uma dependência crescente do negócio em relação a soluções sofisticadas e abrangentes – e um gigantesco ecossistema de fornecedores e profissionais diversos que fazem a empresa girar.

Uma aquisição realizada sem a devida análise dos componentes tecnológicos requererá, muito provavelmente, um custo não medido ou não identificado, que tende a postergar os resultados da tese. É por isso que avaliar a arquitetura tecnológica das empresas tornou-se um ponto crítico do processo de M&A e pode tanto viabilizar uma negociação, quanto retirá-la da mesa. Esta etapa, conhecida como due diligence e bastante demandada pelos clientes da Lozinsky Consultoria, avalia os aspectos elementares da organização, mapeando os riscos envolvidos no acordo.

Nesses casos, analisamos os custos de tecnologia embutidos na potencial aquisição, e também aqueles que ela deveria realizar — independentemente da aquisição — para manter-se operacionalmente qualificada (o que pode afetar, inclusive, o valuation do negócio), e garantir a continuidade das atividades de forma satisfatória. Além disso, há que se determinar os custos e investimentos que precisarão ser realizados em tecnologia por conta da nova dimensão e complexidade que a aquisição vai gerar — pode ser necessário, então, ampliar a infraestrutura, atualizar versões de sistemas, sofisticar os componentes de segurança, entre outros esforços.

Foi assim, por exemplo, com uma organização que buscava a aquisição de um e-commerce para ampliar o seu alcance em termos de mercado e acelerar a sua transformação digital: fomos contratados para avaliar se a plataforma de e-commerce da companhia a ser adquirida era seguro, quais eram os riscos de fraude e até mesmo se a tecnologia existente tinha capacidade de escala, a fim de suportar o crescimento futuro do negócio. Ou seja, boa parte da decisão sobre a aquisição se resumia à tecnologia.

Outro setor que está bastante ativo no mercado de M&A é o financeiro. E há uma explicação para esse aquecimento. Várias empresas que, originalmente, não prestavam serviços financeiros viram a oportunidade de atuar nesse segmento também, já que o cliente final dessas organizações buscavam, de qualquer maneira, grandes financiamentos e empréstimos com instituições terceiras. Com a maior desregulamentação do mercado financeiro, novos players resolveram se aventurar no fornecimento de crédito e na intermediação de negócios para captar parte desse ganho — empresas que foram incorporadas a grupos empresariais não financeiros.

Algumas dessas movimentações deram certo; outras, nem tanto. Mas o mercado percebeu que precisa mais do que estratégias orgânicas para crescer, não somente no sentido de geração de receitas, mas de impulsionar a inovação. E o setor financeiro é pura tecnologia: as fintechs possuem ofertas basicamente tecnológicas, 100% digitais, via aplicativo no celular, com reconhecimento facial e de voz, e por aí vai.

Essas empresas inovadoras são fortes candidatas a serem incorporadas, ainda que transitem por uma fase de amadurecimento e consolidação — um estudo recente da Associação Brasileira de Fintechs diz que apenas 35% delas já atingiram o breakeven, e mais da metade (52%) prevê alcançar esse marco em até dois anos.

O negócio foi fechado. E então?

O processo de M&A foi concluído e dele surge um novo grupo ou conglomerado. E agora? Nova empresa, novos desafios, diversas demandas tecnológicas. A fusão entre empresas tende a criar resultados maiores que a simples soma dessas companhias individualmente — e a tecnologia, que antes atendia os negócios individualmente de forma satisfatória, pode não ser mais suficiente após a aquisição. Organizações que passam pela etapa de due diligence e consideram essa realidade na tese de M&A estão mais preparadas para o desafio (e os custos) que vem pela frente.

Outra coisa importante é entender como uma aquisição específica contribui para o todo. Considere um M&A que envolva a compra de duas empresas, por exemplo, sendo que uma delas opera com tecnologia obsoleta, enquanto outra investiu e possui soluções mais modernas e aderentes ao negócio. A saída pode ser a realização de um rollout, introduzindo tecnologias da empresa que está melhor posicionada na que possui um ambiente defasado. Algumas vezes, essa é a principal razão para a aquisição do negócio, e deveria estar prevista na tese de investimentos.

Essa ocupação da maior parte (se não de todos) os espaços de uma empresa pelas soluções de tecnologia impacta significativamente na avaliação do “como” crescer inorganicamente: cada vez mais os cases de M&A vão depender de boas análises sobre a arquitetura tecnológica das potenciais aquisições e seu impacto nos negócios — atuais e futuros. Isso poderá fazer a diferença entre o sucesso ou o fracasso da tese de investimentos.

artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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