A omnicanalidade está consolidada no varejo. Está mesmo?

*Por Wagner Marques

 

Nos últimos anos, as companhias empreenderam uma verdadeira corrida para habilitar o omnichannel em seus negócios. Tanto foi investido, e com tamanha intensidade, que seria razoável supor que o desafio finalmente foi superado. Mas não foi o caso: ainda há um problema para o qual muitas empresas ainda não estão se atentando, que é oferecer a omnicanalidade real, ou seja, uma que esteja presente em todas as etapas da cadeia de valor.

 

A transformação digital do varejo, nesses últimos anos, foi empreendida de forma um tanto superficial, uma motivação quase toda concentrada nos canais de venda. Só que o cliente faz mais que clicar no botão “comprar”: ele deseja uma experiência mais completa com o produto, precisa de atendimento pré e pós-venda, tem que acompanhar a entrega da mercadoria, entre outras necessidades. Além disso, hoje há questões que não existiam quando as empresas começaram a se transformar digitalmente – enquanto os hábitos de consumo online já estão bem estabelecidos, uma revitalização da importância das lojas físicas segue em curso. 

 

Além disso, o aumento dos custos da cadeia de suprimentos e a diminuição do poder de compra do consumidor ajudaram a estabelecer um cenário altamente competitivo e um tanto inóspito, agravado pelo despreparo do modelo logístico das empresas em relação à omnicanalidade.

 

O relatório “Tendências do Varejo – 2024”, da Opinion Box, traz alguns dados interessantes. Segundo ele, 71% dos consumidores têm por hábito  pesquisar o produto na loja física para depois comprar na internet, enquanto 58% pesquisam na internet e concluem o negócio no presencial. Ou seja: a enorme maioria do público usa dois canais antes de efetivamente concluir a compra, sendo que 77% dos entrevistados gostaria que ambos estivessem integrados. O universo da pesquisa foi de mais de 2 mil entrevistados e abrangeu todo o território nacional.

 

Juntos, mas separados

A verdade é que a maioria das marcas não oferece uma integração omnicanal. Há empresas que têm a opção de “clique e retire”, mas não conseguem gerir seus estoques de forma inteligente e tecnológica para garantir que o produto estará disponível, frustrando o cliente que vai buscá-lo. Há aquelas com grandes lojas online onde a logística é inteira ou majoritariamente manual, comprometendo os prazos de entrega e encarecendo o frete. Ou seja, os canais são omni, mas o modelo logístico, não.

 

Já varejos B2B, que costumam trabalhar no sistema order to make (ou seja, a produção começa a partir do pedido), raramente encontram empresas que oferecem um acompanhamento de todas as etapas do pedido. Em algumas, o único canal para saber o andamento da logística e, principalmente, da produção é… o telefone! Diante disso, como é possível dizer que a questão da omnicanalidade está resolvida?

 

Se algumas áreas estão mais deficientes que outras, isso é porque muitas empresas desconhecem a jornada do cliente. Como não conhecem o comportamento de compra dos próprios consumidores, criam uma jornada baseada não nas necessidades destes, e sim naquilo que a gestão prioriza – e que nem sempre está conectado com aquilo que o público busca. Por isso existem tantos “rabichos” e pontas soltas nessa “quase” omnicanalidade.

 

Se é omnicanal, tem que ser social

O óbvio já está feito: oferecer o mesmo produto na loja online e na física. Porém, as nuances de cada meio não estão contempladas, assim como não são considerados outros comportamentos em diferentes canais. No já citado estudo da Opinion Box, vemos que muitos clientes compram em lives de mídias sociais: 48% já o fizeram no Instagram, 33% no Facebook, 20% no YouTube e 10% no TikTok.

 

Segmentos como vestuário, acessórios, decoração e livros, por exemplo, encontram capilaridade nos eventos das redes sociais, ou mesmo em seus marketplaces.  Mas há muitos players desses setores que não estão presentes nesses meios. O resultado é uma experiência subaproveitada. Se uma sintonia fina não ocorrer entre esses múltiplos canais, surgirá um abismo entre a organização e seus consumidores, e quanto mais tarde a empresa se der conta disso, mais difícil será tapar o buraco. 

 

Fazer com que esses canais sejam integrados é uma decisão executiva. Se não estiver presente na estratégia da empresa, a omnicanalidade continuará sendo vivenciada de forma ineficiente e incompleta.

 

A TI deve participar dessa transformação, mas ela tem alguns desafios particulares.  Um deles — talvez o maior – está na integração da infraestrutura. As arquiteturas de sistemas do varejo tendem a ser muito mais pulverizadas que as de outros setores, chegando a ter múltiplos ERPs operando ao mesmo tempo com diversos outros sistemas complementares. Como empregar um modelo de logística integrada onde os sistemas não se comunicam? Muitas TIs sequer conhecem o seu ambiente tecnológico por completo.

 

Outro desafio é entender o impacto do modelo de omnicanalidade para as operações da empresa, do ponto de vista da tecnologia. Sem esse entendimento, ela não vai conseguir reagir, muito menos se planejar, para responder às necessidades de forma consistente. 

A primeira lição de casa, claro, tem que ser mapear a cadeia de valor e a arquitetura de sistemas que a suporta. Entendendo os próprios processos e o ambiente onde eles estão inseridos, é possível compreender o impacto que a estratégia omnicanal terá sobre o modelo implementado. Ou seja:: não basta apenas saber onde se quer chegar – é preciso um olhar atento e uma atenção persistente aos detalhes do caminho

 

A omnicanalidade não tem a ver necessariamente com o número de canais ofertados, e sim com a experiência do cliente em cada um deles, integrada a todos os aspectos de sua jornada,

da compra à entrega e ao pós venda. Além disso, os canais não podem ser olhados separadamente, porque o próprio consumidor tem hábitos “mistos”.  Esse entendimento passou batido por boa parte do varejo nos últimos anos, e é compreensível, já que muitos sequer estavam prontos para o digital quando a pandemia veio e nos obrigou a mudar nossos  hábitos. Mas a tormenta passou – vez tempo. Portanto, é preciso refinar os esforços feitos até aqui no varejo omnichannel, alcançando seu verdadeiro potencial.

artigo assinado por

Wagner Marques

Sócio-consultor
Trabalha em projetos de transformação organizacional e TI, desdobrando estratégias e processos de negócio em arquiteturas tecnológicas inteligentes que alavanquem os resultados das organizações.
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