Metas não cumpridas: o que pode ter dado errado?

Em meio a números cada vez mais ambiciosos, o grau de insucesso aumenta. Mas nem sempre o erro está na operação – a falha pode ter começado já na estratégia

*Por Wagner Marques

A cada ano, a história se repete: quando entra no segundo semestre de seu exercício fiscal, a gestão da empresa coloca as equipes em uma corrida ensandecida atrás das metas que foram estabelecidas no começo do ano – e que estão longe de serem atingidas. A situação, que parecia ter começado sob controle, desemboca então em um deus-nos-acuda que muito rapidamente vira um salve-se-quem-puder. E passado um período de grande estresse, vem a constatação: as metas não foram atingidas. O que deu errado?

Muita coisa. Porém, ao empreender uma engenharia reversa, constatamos que o problema estava na origem: as metas foram definidas não a partir de estudos detalhados e realistas da capacidade da empresa e do contexto onde ela atua, e sim a partir dos desejos de quem está no comando. E, muitas vezes, esses desejos são delírios.

As metas de uma grande empresa devem ser definidas a partir das projeções para seu mercado de atuação, sua capacidade de investimentos, seu histórico recente, conjuntura macroeconômica e outros fatores. Mas, na era atual, o que mais temos visto são objetivos artificialmente estabelecidos para assegurar ou mesmo inflar bônus, gerar resultados a curto prazo que não se sustentam a médio ou longo, e que ignoram a premissa de perenidade da empresa.

Uma verdade inconveniente

Via de regra, as metas acabam sendo fundamentadas em cima de desejos. Sim, existem metodologias para defini-las, e as empresas adotaram várias delas ao longo dos últimos anos.  Mas quantas vezes você não viu o método da vez ser ignorado para que se adotasse o número desejado pela direção?

A “metodologia do momento” são os OKRs (objectives and key results), um conceito desenvolvido por Andrew Grove quando ele era CEO da Intel, e popularizado pela gestão do Google nos últimos dez anos. Resumindo grosseiramente, a ideia por trás deste método é saber aonde se quer chegar, e medir se os resultados parciais estão condizentes com o que é almejado. Em tese, tudo muito racional e apropriado.

Só que há um elemento geralmente ignorado por esse e outros sistemas de metas que existem ou que já foram aplicados: a capacidade instalada.

Ou, como gosta de dizer meu colega e sócio-fundador da Lozinsky Consultoria, Renato Maio, a prontidão organizacional, que é o quanto a empresa está efetivamente preparada para entregar o que foi estabelecido como ideal.

Sem levar essa capacidade em consideração, perdem-se de vista as restrições que podem surgir ao longo do caminho.  E o que entra na conta são justamente elementos que nada têm a ver com a viabilidade da empreitada: a pressão dos acionistas por resultados, o desejo de superar a concorrência “porque sim”, a mera vontade da alta direção. O que deveria ser algo embasado em dados concretos começa a ganhar características de sonho.

Tamanha a imprecisão desse “processo” que, quando a meta é atingida, não se sabe ao certo por quê ela funcionou. Da mesma forma, é inviável saber as causas de um fracasso, quando é esse o caso, porque um universo de rotinas, capacidades e variáveis diversas foi ignorado. O resultado disso tudo é uma gestão à deriva, com equipes tático-operacionais exauridas e desorientadas.

Raciocínio viciado

Essa mentalidade, que estabelece um resultado desejado e exige recursos que nem sempre estão disponíveis para atingi-lo, está bastante estabelecida. Ela se apoia em um modelo mental que ignora os reais problemas da empresa e como eles deveriam ser solucionados, criando um terreno propício para, no longo prazo, acumularem-se uma série de questões não resolvidas. Essa é uma realidade observada especialmente em empresas nas quais fundos de investimento têm participação decisiva na gestão.

Nesse mesmo tipo de gestão, há outra questão que se apresenta com frequência: a ausência de metas longevas e sustentáveis. Se o objetivo é valorizar a empresa para que ela atinja um valuation mais elevado e seja vendida, o curto prazo vira prioridade e ganha protagonismo. Mas metas de longo prazo são essenciais para orientar os rumos e dar mais lastro à saúde financeira do negócio.

Claro que existem exceções em meio a generalizações. Tampouco se pode negar que a pressão desmedida sobre a equipe pode, ainda que por vias tortas, funcionar – afinal, todo mundo quer manter seu emprego, e vai responder ao ser pressionado.

O problema é o custo que vem embutido nessa “filosofia” de gestão: acúmulo de gargalos, custos elevados por falta de planejamento adequado, profissionais que vão além de um limite saudável para atingir os resultados esperados. São efeitos colaterais que, vistos por uma contabilidade mais detalhada e autocrítica, não compensam os resultados obtidos.

Além da gestão

O estabelecimento de metas – e o que advém disso – deveria ser fundado em administração científica: procurar obter os melhores indicadores por meio dos estudos adequados, e basear as decisões a partir da análise minuciosa do que foi levantado. Porém, isso acontece mais como exceção que como regra. No frigir dos ovos, a “fritura” das metas equivocadas acaba sendo melhor explicada pelas ferramentas da psicologia comportamental e pelo estudo de clima e cultura das organizações.

O primeiro ponto a se considerar é justamente a falta de uma visão realista dos fatos. As pessoas têm uma tendência a enxergar o que elas gostariam que fosse verdadeiro, e não aquilo que de fato acontece. O viés de confirmação é algo muito poderoso para quem está à frente do negócio.

Um exemplo clássico: empresas de varejo que definem metas agressivas para a expansão nacional, baseadas apenas no seu desempenho no mercado regional de origem. Ora, se os comportamentos do público podem mudar de uma cidade para outra, o que dizer em diferentes regiões de um país de dimensões continentais como o Brasil? Seria até desnecessário apontar que aquilo que funciona bem nas partes mais abastadas do Sudeste poderia não dar certo em regiões interioranas do Norte. Mas acredite: há muitos gestores que simplesmente não reconhecem esse tipo de cenário.

É possível que a empresa tenha vendido mais em dado trimestre porque os vendedores ficaram até duas da manhã prospectando seus leads? É possível. Mas o problema da falta de um bom funil de vendas vai continuar, e certamente não vai ser resolvido com metas mais agressivas.

As empresas precisam racionalizar suas metas, e o primeiro passo para isso é ter claro todos os elementos que as compõem, saber com precisão aonde se quer chegar e dimensionar corretamente a força motriz necessária para atravessar a jornada. E, evidentemente, as metas precisam ser um resultado de uma estratégia de negócio bem pensada, suportada por processos bem azeitados, por uma tecnologia capaz de garantir uma boa execução do plano e, claro com a devida governança permeando tudo isso.

Em resumo, meta não pode ser apenas sobre onde a empresa quer chegar. Ela precisa ser sobre o melhor resultado que ela pode obter a partir dos recursos que tem. E essa é uma enorme diferença.

artigo assinado por

Wagner Marques

Sócio-consultor
Trabalha em projetos de transformação organizacional e TI, desdobrando estratégias e processos de negócio em arquiteturas tecnológicas inteligentes que alavanquem os resultados das organizações.
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