*Por Ricardo Stucchi
Desde que o estudo Jornada CIO começou a ser realizado pela Lozinsky Consultoria, em 2019, a relação com fornecedores é objeto de queixas por parte dos líderes de TI. Quando perguntados sobre as atividades que lhes tomam mais tempo e não agregam valor, a maioria aponta a alternativa “reuniões com fornecedores que estão mais interessados em vender do que, de fato, apoiar a empresa em seu crescimento”. Na edição mais recente da pesquisa, 52,3% cravaram essa opção e, nos anos anteriores, o percentual se manteve entre 50% e 58% do universo pesquisado.
A constância dessa insatisfação mostra que os fornecedores têm, sim, uma importante lição de casa a ser feita quanto à sua atuação. Em minha experiência recente, tenho percebido nos fornecedores uma vontade legítima de não se restringirem ao papel de meros vendedores. Eles querem entender o negócio de fato e se desvincular da pecha de “empurradores de produto”. Essa é uma competência que ainda precisa ser desenvolvida – falta realizar um trabalho de estudar o cliente com profundidade para oferecer soluções de real valor – mas que tem dado seus primeiros passos.
No entanto, também existem aprendizados com os quais os líderes de TI estão em débito. Com frequência, falta habilidade para direcionar o fornecedor quanto às reais necessidades da empresa, e também existe um desconhecimento não só sobre o que o mercado oferece, mas como a TI pode tirar máximo proveito das soluções adquiridas.
A verdade é que a relação entre clientes e fornecedores é uma relação entre pessoas, mais do que entre empresas. É claro que custo, logística e aspectos técnicos sempre trazem peso a esse relacionamento, mas a interação entre os indivíduos envolvidos é o fator determinante para uma troca mais benéfica, capaz de se transformar em uma autêntica parceria.
Cabe a ressalva que mesmo a mais frutífera parceria não é necessariamente sinônimo de perenidade. Ambos os lados sabem que essa relação é, por natureza, temporária. Pode ser de curto ou de longo prazo, mas é tácito que existe um ciclo de vida, que vai ser quebrado em algum momento por novas ofertas de serviços, concorrências, até mesmo por políticas de compliance que recomendam gerenciamento de riscos a partir de troca ou diversificação de fornecedores.
E isso pode ser bastante saudável. A questão aqui não é exatamente como fazer essa relação durar mais, e sim como ser mais proveitosa enquanto ela existir. Se, como costuma ser o caso, o fornecedor não encontra acesso ao CIO, ele fatalmente vai bater na porta do negócio. E, na maioria das vezes, vai encontrar mais interesse. O responsável pelo negócio pode ter uma ideia mais clara dos problemas que precisam ser resolvidos e até mesmo já ter pesquisado soluções que o atendam, levando melhores condições para dialogar.
Normalmente, o negócio dá essa abertura a um fornecedor como consequência da falta de um bom diálogo com sua própria TI – e, muitas vezes, por consequência da conduta dessa mesma TI, que historicamente alega falta de tempo, desconhecimento do problema, entre outras justificativas. Some isso ao fato de que os CIOs nem sempre sabem com precisão o que realmente querem, e nem sempre têm disposição para receber fornecedores em prospecção. Temos, assim, as condições perfeitas para que a área de tecnologia se ausente de uma relação da qual ela deveria estar à frente.
Os bons fornecedores de tecnologia estão antenados sobre as tecnologias mais eficientes, as opções da concorrência e a tendência para a qual o mercado está apontando. Mais que isso, eles têm seus produtos para oferecer e estão constantemente pensando em como adequá-los às necessidades do cliente. E, principalmente, têm interesse que o comprador use ao máximo os recursos da solução que adquiriu.
Sim, porque esse é possivelmente o maior desperdício que ocorre na aquisição de soluções: um pouco como aquele consumidor que compra o celular mais sofisticado e não explora nenhum dos recursos que ele oferece, muitas empresas investem em soluções state-of-the-art, mas não vão além dos usos mais superficiais.
O fornecedor é o maior interessado em fazer com que seu cliente explore o potencial da solução ao máximo, já que isso impacta a satisfação na extensão dos contratos existentes e até na abertura de novos.
Frequentemente, a própria TI não tem abertura para que essa exploração seja realizada, e acaba negligenciando um projeto depois que ele é incorporado ao dia a dia. Para dar um exemplo prático, vou recorrer ao tema mais evidente (e inescapável) do momento, a inteligência artificial. Muitas empresas a adotaram e… pararam ali mesmo, sem obter algum ganho real de eficiência. Já testemunhei casos em que o CIO se sentia pressionado a adotar alguma solução de IA e, ao investigar mais atentamente, descobriu que já tinha isso dentro de casa, só não tinha colocado em operação. Ou seja, a pressa para atender ao hype era tanta que ele sequer se deu conta que poderia fazer isso sem partir do zero.
Situações desse tipo não são exclusivas da IA: acontece com segurança da informação, infraestrutura, integração, enfim, em qualquer aspecto da arquitetura de TI.
Como se vê, gestão de fornecedores é um processo que vai muito além de análise de custos e manutenção de contratos. É evidente que esses aspectos são importantes, mas espera-se mais que isso de um líder de tecnologia. Tampouco faz sentido sustentar a mentalidade de que reunir-se com fornecedores é “perder tempo”. Quando se sabe avaliar quem são os seus fornecedores críticos e como tirar proveito deles, essas reuniões são investimento de tempo para obter bons resultados.
Não estou falando aqui em ter confiança cega em um fornecedor, muito menos em querer extrair do parceiro entregas que não estão determinadas no contrato. O meu ponto é que, fazendo as lições de casa que cabem a cada um, fornecedores e TI podem obter frutos muito melhores uns dos outros, seja no curto ou no longo prazo. Quando isso acontece, mesmo uma simples demonstração de solução pode servir como uma “aula” sobre uma nova tecnologia.