Nunca foi tão complicado trabalhar em TI. Uma pergunta recorrente em meus clientes, em especial, confirma essa realidade: por que os projetos de tecnologia não são entregues no prazo definido, com o custo estimado e a qualidade esperada?
No papel de consultor, eu me deparo com esse questionamento com frequência – e não é simples respondê-lo. Muitas vezes, não há uma resposta única para ele. O certo é que o embrião de boa parte dos problemas é instalado na organização antes mesmo do início da execução dos projetos, quando aspectos sensíveis – sejam eles de negócio, técnicos ou de equipe – não são pensados ou aprofundados no momento adequado. Ao longo do trabalho, esses gargalos anunciados agregam complexidade, que é percebida pela empresa como ineficiência de quem está desenvolvendo o projeto. Mas, na prática, isso não é totalmente verdade.
Eu costumo conectar todas as possíveis causas de insucesso a um fato: as pessoas subestimam o alto nível de complexidade dos projetos de TI.
De acordo com a pesquisa “Antes da TI, a Estratégia”, realizada pela IT Mídia e com a qual contribuo como consultor convidado, mais da metade dos CIOs das mil maiores empresas no Brasil indicam que um dos desafios da TI é desenvolver com sucesso projetos complexos com impacto no negócio. Esse é um ótimo indicador, pois pressupõe a maturidade das organizações – afinal, o objetivo é gerar impacto, não necessariamente implementar tecnologias digitais ou disruptivas. Só que, por trás desse número, existem diversas conversas mal resolvidas.
Vamos, então, sair da superfície e esmiuçar os fatores que nos levam a subestimar a complexidade dos projetos, bem como agravá-la:
1. Abrangência e impacto da cadeia de valor
As empresas se tornaram organismos complexos, em que clientes, fornecedores e acionistas atuam como extensões do negócio, gerando impacto dentro e fora das paredes da organização. E essa cadeia de valor aumenta a complexidade. Para implementar projetos de tecnologia que afetam os clientes, por exemplo, é preciso, antes de tudo, conversar com o público para testar ideias e verdadeiramente entender: o outro lado está interessado na iniciativa da empresa? Não se surpreenda se descobrir que o cliente não corresponde ao seu entusiasmo.
O grau de terceirização dos negócios também gera complicações. Quando a organização tem a operação de TI na mão de um terceiro, movimentos importantes na arquitetura de sistemas, por exemplo, podem produzir novas exigências, como custos não previstos ou uma mobilização que o fornecedor não tenha o timing para atender. Podem, também, demandar aspectos não previstos em contrato. E a capacidade de prever e gerenciar essas variáveis é uma via cheia de instabilidades.
2. Pressa
Não podemos negligenciar os impactos dos stakeholders no negócio. Ponto. Mas as maiores complexidades costumam mesmo estar dentro de casa. E geralmente elas nascem na fase de planejamento.
Quando há certa pressão para estruturar objetivos, escopo e abordagem dos trabalhos, seja para aproveitar janelas de orçamento, reuniões de diretoria para aprovação de projetos, datas por algum motivo pré-definidas ou o entusiasmo da empresa, a pressa se torna tempo perdido. Você pode descobrir que concentrou atenção na área que será beneficiada diretamente pelo projeto, mas que ele demanda a reestruturação de outras partes da empresa. Ou então perceberá que a iniciativa depende de informações que são coletadas por áreas que não necessariamente patrocinam o projeto.
Em resumo, os aspectos não investigados oportunamente irão, uma hora, aparecer. E será em péssima hora, acredite.
3. Jornada de projeto
As áreas de TI sofrem com alguma frequência de um problema quase irônico: elas não conseguem usar todo o budget aprovado para o ano.
Há pouco tempo, começamos um trabalho em uma empresa que mal havia conseguido entregar metade do orçamento definido para 2017. Ao final daquele ano, a TI da empresa já previa que, em 2018, também não iria atingir um resultado brilhante em termos de entrega. Essa tragédia não poderia se repetir. E não se repetiu. A organização entregou quase o total do orçamento planejado.
Como foi possível reverter o cenário previsto? A resposta me leva a mais uma explicação de como as empresas subestimam a complexidade dos projetos. Na verdade, trata-se de um desdobramento do tópico anterior.
Apresentamos um desenho do que seria uma jornada de projeto baseada nas melhores práticas, com o apontamento dos aspectos críticos em cada etapa. Então, olhamos a fundo como a empresa conduzia a jornada dela. O diagnóstico? Ela pulava etapas importantes ou deixava para avaliar tardiamente fases que precisam ser compreendidas e desenvolvidas antes, em tempo de planejamento. E, aqui, eu falo da fragilidade que a governança de TI muitas vezes apresenta, simplificando demais (e em alguns casos banalizando) a aprovação das prioridades de investimento em tecnologia.
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4. Visão parcial dos impactos do projeto
Em determinado momento da minha carreira, trabalhei em uma consultoria de estratégia de negócios. Eu era recém-chegado e a minha entrada na sociedade como líder de TI havia causado certo desconforto entre vários profissionais da empresa, em função de ter admitido um perfil diferente, com forte background em TI. Na primeira reunião, disse ao grupo: “Estou há 30 anos nesse mercado – o de consultoria – e eu sempre chego nos projetos depois que vocês já elaboraram os planos estratégicos. E eu descobri que eles nunca são implementados”.
Todos ficaram chocados. Perguntaram se eu estava sugerindo que os planejamentos feitos por eles eram ruins. Eu disse que não. Eram excelentes, mas ninguém havia perguntado lá na ponta, no chão da fábrica, se a estratégia materializar-se e desdobrar-se de forma prática. Ninguém havia questionado o vendedor que percorre o país sobre suas dificuldades reais. Ninguém havia sentado para conversar com o sujeito que faz o centro de distribuição rodar. E essas situações específicas adicionam complexidade ao plano.
Por isso, envolva as áreas de negócio e as pessoas que realmente vivem aquela operação. Um plano de negócio não se materializa apenas no nível da gestão.
5. Executivo que não sabe dizer ‘não’
Quando a empresa realiza muitos projetos ao mesmo tempo, isso pode indicar um problema: o gestor de TI não sabe dizer ‘não’. E quando ele só diz ‘sim’, geralmente compromete a qualidade das iniciativas.
Outra constatação que essa situação revela é: realizar inúmeros projetos de TI simultaneamente impacta a arquitetura de sistemas da empresa de maneira mais complicada do que ela imagina. Estamos trabalhando em uma organização que possui no roadmap, atualmente, 150 projetos para executar. É muito … vale a pena analisar, revisar e confirmar a capacidade de executar tamanho portfólio.
6. Transformação digital
A pressão exercida pela era da informação é um elemento adicional de complexidade. Afinal, as soluções possuem, agora, um caráter digital, que deve promover mobilidade, melhor experiência do cliente, uso de aplicativos, acesso omnichannel, entre outros objetivos bastante sofisticados. A novidade pressupõe que não temos, ainda, o domínio completo de mercado sobre a aplicação dessas tecnologias e os efeitos que elas provocam.
A transformação digital adicionou uma complexidade imponderável: até agora, ninguém desenhou, efetivamente, uma empresa inteiramente digital. Nesse contexto, surgem os modismos, que me levam ao próximo item.
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7. Agilidade acima de tudo
A beleza da mentalidade ágil é a possibilidade de testar rapidamente algumas ideias. As empresas se cobram: quando vamos adotar o ágil? Nas reuniões de board, os executivos questionam: nós estamos sendo ágeis? Talvez eles não saibam definir o que é, mas se sentem pressionados a mostrar que estão antenados com os conceitos e ferramentais mais modernos em desenvolvimento de projetos.
Para corresponder a essa expectativa ilusória, a TI acaba cedendo à pressão. Só que essa metodologia não faz sentido em todos os projetos. Às vezes, o mais eficaz é optar pela velha fórmula waterfall (de cascata) para realmente ter certeza dos impactos.
8. Sofisticação técnica
Outro elemento de complexidade é pura e profundamente técnico: as empresas subestimam as dificuldades para construção da solução, especialmente quando misturam o legado com novas tecnologias. Essa questão é esquecida durante a aprovação do projeto porque as pessoas que poderiam efetivamente comentá-la ainda não foram ouvidas – justamente por serem técnicas.
Hoje, existe uma complexidade técnica adicional – a adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). As normas são rígidas e as penalidades, severas. Chegam a extrapolar o país, dependendo das relações da empresa. Em geral, as organizações ainda não desenvolveram experiência e conhecimento suficientes sobre o tema – mas eles precisam estar presentes em qualquer projeto importante, desde o início.
9. Executivos delegam a responsabilidade
Muitas vezes, os executivos de negócio entendem que, uma vez que a ideia está compreendida e aprovada, ela passa a ser um problema de TI. Colocam-se, então, na posição de cobradores do resultado, e não de cocriadores e corresponsáveis. Entendem que a função deles está cumprida. Como os projetos mais complexos normalmente têm ciclo longo, os líderes supõem que não precisam acompanhá-los de perto. Podem se envolver novamente quando os projetos estiverem mais próximos da conclusão.
Novamente, esses executivos subestimam a necessidade de manter a comunicação sobre os projetos de TI que suportam o negócio. Essa questão tem relação direta com a maneira como se estabelece a governança de TI dentro das empresas. E a TI, sozinha, nem sempre tem trânsito e liberdade para cobrá-los de sua participação.
Quando os executivos se ausentam e delegam a responsabilidade, a equipe de do projeto questiona o real impacto do que está fazendo. Ao perceber a distância da liderança do negócio, entende que o projeto não é tão relevante. E então começa a pensar: o que tenho que fazer para entregar logo esse trabalho?
E então, você reconhece alguns desses elementos de complexidade?