“Estamos à beira de uma revolução tecnológica que irá alterar fundamentalmente
a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.”
Klaus Martin Schwab
Fundador do Fórum Econômico Mundial, Klaus Martin Schwab pronunciou em 2016 a frase que abre este artigo, em Davos (Suíça), quando definiu ao mundo o conceito da quarta revolução industrial. Que a sociedade vivenciaria consequências jamais experimentadas antes, isso já era um fato. Outra constatação é de que as mudanças estão essencialmente atreladas à adoção de tecnologias percebidas como “disruptivas”, como Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial, realidade aumentada, blockchain… a lista é extensa – e cresce a uma velocidade bem maior do que a da capacidade de incorporação dessas ferramentas às rotinas das empresas.
Os números da pesquisa “Antes da TI, a Estratégia” embasam esse pensamento: em mais de 40% das organizações ouvidas (e estamos falando das mil maiores empresas do Brasil), não há investimentos previstos em nenhuma das tecnologias que mencionei.
A pergunta fica engasgada: mas por quê?
Há algumas possíveis explicações. Para começar, uma razão conhecida e esperada: a economia brasileira não anda lá muito estável nos últimos anos. Essa base frágil faz com que os executivos se preocupem mais em manter suas empresas produtivas e lucrativas do que em fazer novos investimentos – em geral, elevados quando o assunto é TI. Além disso, para a maioria das corporações, as tecnologias “disruptivas” são direcionadas à experiência do cliente final (o consumidor) – e é justamente o consumo o item mais prejudicado pela crise econômica. Somente em 2019, a intenção de compra das famílias brasileiras caiu três vezes consecutivas, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), com recuo de 1,7% no índice em maio, data mais recente de medição.
A instabilidade econômica é, portanto, a explicação mais imediata para que a “disrupção” ainda não tenha alcançado o mercado brasileiro de forma mais ampla. Mas a resposta ao nosso questionamento também pode estar em um fator mais cômodo: em alguns setores, como o de commodities, a falta de urgência para a transformação é proporcional à baixa concorrência de mercado. E se os executivos tendem a aprender mais pela dor que pela razão, a aceleração do ciclo de adoção de novas tecnologias ocorrerá somente quando se sentirem ameaçados.
O crescente movimento de fusões e aquisições também adia a “disrupção”. Alguns segmentos, como o de Saúde, por exemplo, sentem mais a força desse movimento. E quando a empresa atravessa um processo de M&A, os investimentos e projetos ficam congelados até que seja possível entender a configuração da nova organização que se forma.
A lista continua: um fator externo que merece destaque é que muitos fornecedores brasileiros não estão totalmente preparados para lidar com tecnologias inovadoras e, portanto, há o temor de quem compra essas soluções de não ter as suas expectativas atendidas, seja na implementação, seja na manutenção das soluções.
Já da porta para dentro, as empresas enfrentam uma limitação crucial: muitos executivos não compreenderam o que é necessário fazer, na prática, para transformar seus negócios. Eles acabam por esperar da TI esse estímulo, de forma a que ela seja o motor do incentivo à inovação. Mas é preciso ir além desse pensamento. O desafio pertence ao negócio e deve ser tratado como tal.
Os executivos devem discutir de forma objetiva e estratégica as tecnologias existentes e seus impactos para o contexto de cada negócio. Afinal, cobrar a inovação da TI é uma coisa; conduzir ativamente a mudança, utilizando o apoio da área de tecnologia para isso, é outra. E se a TI estiver ocupada demais com a implementação de sistemas, adequações regulatórias ou outros incidentes relativos à operação da companhia, dificilmente conseguirá acumular o esforço da inovação.
Além de inserir a inovação no lugar ao qual ela pertence, as lideranças precisam acompanhar o que ocorre para além dos muros da empresa. Observar o mercado não significa apenas mapear o seu concorrente direto. Lembro aqui de um certo debate em que um executivo de uma instituição de Saúde se admirava com o exemplo do colega que participava da mesma mesa, um líder do segmento bancário. Ele disse que a cada vez que o executivo disponibilizava uma facilidade para o cliente do banco – que certamente também era ou poderia ser cliente das unidades de Saúde (paciente do hospital ou do laboratório) – a mesma facilidade passaria a ser esperada pelo seu cliente. Inovar, portanto, é perceber que existe um mundo inteiro de referências e oportunidades além do seu próprio setor.
Por último, tenho observado empresas sólidas, com anos de mercado, construir hubs de incentivo a startups, ou mesmo adquirir startups de tecnologia, buscando apoio de quem tem a inovação “na veia”. É também uma forma de pensar o que ainda não existe no mercado e endereçar desafios específicos de transformação do negócio.
A dúvida não é se alcançaremos a quarta revolução industrial de Klaus Schwab, e sim quanto tempo ainda perderemos até chegar lá.
Texto originalmente publicado na plataforma IT Trend, da IT Mídia, voltada a conteúdos analíticos sobre negócios, TI e transformação digital.