A TI cresce nas empresas, mas, sem mudança de cultura, aspectos como a adequação à LGPD ou a implementação de metodologia ágil no departamento desafiam lideranças
Por Sergio Lozinsky
“Não vá por onde o caminho te leva. Em vez disso, vá por onde não há caminho e deixe uma trilha.”
Ralph Waldo Emerson, escritor, filósofo e poeta norte-americano
A TI é uma locomotiva em velocidade crescente em todos os principais segmentos de negócio, tomando a posição de pilar de crescimento e longevidade das organizações. Para discutir a tecnologia como personagem principal da transformação das empresas, ocorreu entre os dias 14 e 18 de agosto a 11ª edição do IT Forum+, na Praia do Forte, na Bahia, que reuniu os líderes de TI das empresas “ranqueadas” entre 501 e 1.000 na economia brasileira. Todos os presentes – e outros mais deste grupo – responderam ao Estudo “Antes da TI, a Estratégia”, em sua 9ª edição.
E os números comprovam: 71% dos líderes dessas empresas têm perspectivas de manter ou aumentar o investimento em tecnologia nos próximos 12 meses. É uma constatação que se repete ao longo dos nove anos de realização da pesquisa – um reflexo do papel cada vez mais evidente da TI na estratégia de negócios.
Ao mesmo tempo, a TI passa por transições que são estimuladas justamente pela escalada de importância da área. O estudo mostra que o departamento de tecnologia, antes posicionado como uma gerência dentro das organizações, passou a ocupar lugar de diretoria em muitos casos – o que as aproxima de uma hierarquia já existente nas 500 maiores empresas do Brasil. Além disso, o CIO – ou cargo equivalente à liderança de TI – está mais jovem, tanto em termos de idade, quanto de tempo de casa. O que isso quer dizer? Bem, não se trata apenas da aposentadoria dos CIOs da velha guarda; as empresas querem um perfil que responda aos anseios por inovação.
A discussão sobre a jornada do CIO e o futuro dessa carreira ganha ainda mais expressão e sentido quando atrelada aos desafios de alta complexidade vividos pelas organizações de hoje. E foi sobre essas preocupações que os CIOs presentes no IT Forum+ debateram. A seguir, trago alguns pensamentos gerados em quatro grandes focos de conteúdo – e o que o estudo “Antes da TI” tem a mostrar sobre eles.
1- Adequação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
Embora o tema já esteja na agenda das lideranças presentes no evento, a maioria ainda terá de explorar mais profundamente a questão, principalmente para entender os impactos em processos, sistemas e organização como um todo. Há uma aparente visão de que o assunto deve ser resolvido pelo jurídico ou pela TI, ou pelos dois em conjunto, enquanto os demais departamentos ficam apartados da discussão. E esse é um perigoso equívoco. O desafio da adequação à LGPD pertence a toda a organização, mas também começa e acaba na TI. Afinal, ela é responsável pela revisão de processos, adequação de sistemas e garantia da segurança da informação – passos cruciais para entrar em conformidade com o marco regulatório.
Na pesquisa “Antes da TI, a Estratégia”, apenas 18% dos líderes ouvidos, aproximadamente, acreditam que as tecnologias de cibersegurança e privacidade dos dados vão impactar os negócios, em detrimento de inovações em automação operacional, robótica e big data. Uma possível explicação para esse baixo percentual é que as respostas foram colhidas antes que a LGPD repercutisse no mercado com a força que merece. Uma outra leitura desse número passa pelo alerta que faço há bastante tempo: as empresas tendem a superestimar a sua capacidade de manter os dados em segurança.
Leia mais: LGPD na Saúde: se você ainda tem dúvidas, precisa encontrar já as respostas
2 – A corrida da metodologia ágil
As conversas evidenciam: a fama da metodologia ágil cresce em proporção muito acima da maturidade das organizações para aplicar essa abordagem no desenvolvimento de soluções de TI. Falta investimento em capacitação das equipes para atuar nesse modelo, além de controles de qualidade que assegurem uma visão comum dos objetivos. É preciso, ainda, aplicar um conjunto de ferramentas que efetivamente contribuam para obter a produtividade esperada com a mudança para o ágil. Caso contrário, teremos apenas uma TI que atua com um sistema em cascata disfarçado de ágil, dando novos nomes a antigos processos.
E o “Antes da TI, a Estratégia” também tem um dado que expressa a dificuldade de migrar para modelos mais inovadores de trabalho: apenas 22% dos executivos ouvidos consideram que a empresa na qual atuam é inovadora por natureza, enquanto 32% destacam alguma dificuldade para mudanças e quase 41% afirmam que as transformações ocorrem de forma gradual.
Leia mais: Por que metodologia ágil não é resposta para tudo – mas o mindset, sim
3 – Contratação de serviços de outsourcing de TI
Com a TI assumindo seu papel na estratégia dos negócios em quase 50% das companhias listadas nesta edição da pesquisa, é natural que ela recupere a autoridade sobre a contratação de serviços e produtos de tecnologia, parcialmente perdida nos últimos anos para a área de compras/suprimentos – o que nem sempre gerou bons resultados. Embora essa transferência de responsabilidade apoie-se em questões de compliance, experiências de mercado provam que é possível respeitar a essência das boas práticas sem delegar exageradamente o processo para outra área.
O protagonismo da TI na seleção e negociação dos contratos de terceirização de serviços se mantém, portanto, fundamental para a tomada de boas decisões de compra.
Leia mais: 9 maneiras de subestimar a complexidade dos projetos de TI
4 – Desenvolver-se como CIO da Sociedade 5.0
Nesse aspecto, a discussão do IT Forum+ se cruza com os dados mais recentes da pesquisa “Antes da TI, a Estratégia”, já que a capacidade de estabelecer networking se destaca como habilidade fundamental do līder da TI. Os CIOs percebem e reconhecem a constante troca de experiências com pares como recurso valioso na tomada de decisões, no desenvolvimento do aprendizado e, ainda, na recolocação no mercado. De acordo com o estudo, essa capacidade fica à frente, inclusive, do bom relacionamento com os executivos do próprio negócio.
Mas aqui cabe um alerta: com tanta informação sobre tecnologia circulando entre os executivos do negócio, a TI precisa se esforçar para estar um passo à frente. Se o board perguntar ao CIO se ele adota a metodologia ágil, por exemplo, já é tarde demais. Antecipar-se em abordar temas como esse mostra que a TI está conectada aos anseios de uma nova era para as empresas.
Leia mais: Espelho, espelho meu: o que um bom benchmark pode fazer pelo negócio e a TI
Diante desses desafios complexos tanto para a TI, quanto para o negócio, deixo para reflexão um último número da pesquisa – dado que se repete ao longo dos nove anos de realização do levantamento: para mais da metade das organizações, a dificuldade de mudar a cultura ainda é o principal entrave para o crescimento da TI.
Você reconhece esses desafios no seu atual momento de carreira e de atuação na empresa em que trabalha hoje?