Muito além da decisão de fazer ou não home office, o momento exige levar em consideração todas as implicações técnicas e humanas da escolha
Por Ricardo Stucchi
“Aqueles que não conseguem mudar de ideia não conseguem mudar coisa alguma.”
George Bernard Shaw, dramaturgo irlandês
A pandemia da Covid-19 – ou coronavírus, nome mais popular da doença – não é preocupação exclusiva do setor de Saúde. Na tentativa de conter a velocidade da disseminação do vírus, negócios de diversos segmentos já precisam se adaptar a uma nova realidade. Em meio à crise, ao menos uma questão impacta diretamente a gestão de TI: como viabilizar o trabalho remoto de funcionários?
Com raríssimas exceções (principalmente no setor da Saúde e de alimentação), a medida é mandatória: as pessoas precisam ficar em casa. E essa conduta pode romper muitos paradigmas, levando a mudanças de atitude que antes não seriam sequer imagináveis. Por exemplo, se algumas empresas já abriam a possibilidade de trabalho remoto para alguns cargos, áreas, em regime de rodízio ou esporádicos, agora a discussão se trata de como levar o operacional para esse modelo.
Nesta semana conversei com um cliente que me disse “estar se adaptando ao home office”. Mas o ponto não é apenas a adaptação, e sim o aprendizado. A cultura do trabalho remoto ainda é restrita e recente. Há empresas mais bem preparadas, enquanto outras estão “correndo atrás”, tentando encontrar soluções que não tenham alto custo, como é o caso de uma compra ou aluguel emergencial de computadores.
A liderança de TI deve estar envolvida em todas essas decisões de forma estratégica. Sua primeira missão é garantir a viabilidade técnica do modelo remoto, com equipamentos suficientes e conexão de internet adequada. Empresas que oferecem aluguel de notebooks já avisaram que não têm mais máquinas disponíveis – a demanda foi muito maior do que o mercado podia atender. Esta reportagem mostra o quanto esse setor foi acionado – e o quanto está deficitário.
Mesmo quem tinha hardware suficiente se deparou com outros desafios. Como garantir que a equipe mantenha as operações integradas? Nessa hora, as empresas que investiram em projetos de automação e gestão por indicadores estão mais preparadas. Entram em cena soluções como ferramentas de colaboração, de comunicação de prontidão, de workflow. Elas não são meros acessórios: são necessárias para que se tenha mais transparência, para saber o que está parado, para que as informações não se percam em meio a confusas e ineficientes trocas de e-mails.
Não podemos esquecer que algumas funções não requerem apenas um notebook. Há trabalhos que demandam o uso constante de uma impressora, por exemplo – periférico que já não é comum em nossas casas. Impressoras podem ser emprestadas ou alugadas, mas a visita de um técnico para instalar e configurar não é a melhor alternativa em tempos de isolamento social.
Também é preciso lembrar que nem todos os colaboradores podem ter uma conexão de qualidade em casa. O marco regulatório brasileiro isenta as operadoras de entregarem 100% da banda contratada. Com o “piso” para a taxa de transmissão imediata em 40% do valor contratado, a condição operacional tem o risco de se tornar deficiente, principalmente para operações de grandes trocas de dados, como videoconferências. Muitas empresas poderão providenciar serviços de 4G como solução ou contingência para os colaboradores neste momento.
Há, ainda, as questões de segurança da informação. Uma VPN nesse momento faz toda a diferença, mas não dá para deixar de lado um antivírus confiável, algo que muitos não têm em seus computadores pessoais. Não é difícil imaginar que muitas empresas terão de fazer uma revisão das políticas de acesso remoto.
Mas as maiores fragilidades de segurança estão relacionadas ao aspecto humano. As informações vazam porque pessoas assim permitiram, voluntária ou involuntariamente. Se a empresa não está preparada para enfrentar essas ocorrências, as fragilidades serão expostas. Não será de uma hora para outra que os colaboradores irão se conscientizar; no entanto, uma vez aberta a possibilidade de trabalhar remotamente, deve haver um movimento imediato de educação das equipes.
As empresas que não estavam preparadas para lidar com a exigência atual dependem, agora, da agilidade de aprendizado e prática das recomendações, evoluindo dia a dia. Isso, claro, se der ao tema o devido acompanhamento, com uma gestão presente e eficiente. Quem já estava mais preparado, por sua vez, não pode se sentir totalmente seguro: a situação pode se estender por mais tempo que o previsto, e já é preciso se planejar para outros desdobramentos – alguns que, talvez, nem tenhamos enxergado ainda.
E se você é daqueles que diz que não pode autorizar home office porque “a equipe não funciona sem supervisão”, cuidado. Isso expõe um problema de gestão anterior à necessidade do trabalho remoto. Se a equipe não é autônoma, dificilmente a “culpa” está no trabalho feito em casa.
Todas essas questões levam em consideração apenas o modelo remoto e a reorganização do fluxo de trabalho principalmente nos trabalhos feitos essencialmente nos escritórios. Muitas soluções são possíveis, mas a interação pessoal não deve ser totalmente substituída, e em alguns casos, nem deve.
A maioria de nós não está “se adaptando”, portanto, mas sim aprendendo. Com tantas lições, é provável que alguns tabus caiam – como aquele que diz que certos segmentos “não podem” trabalhar em home office. Vamos também descobrir se as configurações adotadas poderão representar perda ou ganho de produtividade. Isso durante um período em que as receitas tendem a diminuir. Precisamos desenvolver a gestão de TI que esse momento requer – uma gestão segura, atenta e capaz. E só conseguiremos se estivermos abertos a esse aprendizado.
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