“As pessoas detestam mudanças, ainda
que isso tenha sido a única coisa
responsável pelo progresso”
– Charles Kettering
Medir o nível de maturidade da TI geralmente requer lidar com algum grau de subjetividade. No entanto, há indicadores que fornecem pistas claras do estágio de envolvimento da área com o negócio. E ainda que essa discussão persista em nosso setor há muitos anos, temos motivos para insistir na reflexão: a TI está realmente cumprindo o seu papel estratégico?
O estudo “Antes da TI, a Estratégia”, nos fornece algumas evidências dessa questão. De acordo com dados recém-atualizados, a TI desempenha um papel estratégico em 57% das maiores empresas do Brasil, enquanto 34% delas reconhecem que vivem um estágio de transição – ou seja, estão construindo os pilares de governança, organização, processos e estratégia. A leitura de que praticamente 90% do público-alvo da pesquisa conquistou seu espaço no negócio, ou está a caminho disso, faz sentido, pois falamos de um grupo de empresas que há muito tempo investem consistentemente em tecnologia. O ponto é: estamos seguros dessa autoavaliação?
O erro de interpretação pode ser fatal para a TI. Então, como entender se a área está efetivamente cumprindo o seu papel estratégico?
O principal indicador está relacionado à estabilidade da arquitetura tecnológica – se ela passa por um processo evolutivo estável, sem rupturas ou emergências, quer dizer que a TI pode concentrar seus esforços e recursos no futuro e, portanto, nas inovações necessárias para o negócio. Do contrário, se a rotina da TI é atribulada em função de instabilidades na arquitetura atual, a área provavelmente vive a transição. Nesse caso, até pode existir a preocupação com o futuro, mas o operacional ainda cria amarras.
Ambos os lados, negócio e TI, precisam ter consciência dos desafios durante o momento de transição, no sentido de equilibrar a balança que comporta, de um lado, o tratamento do legado; do outro, o novo. Constata-se aqui o paradoxo que persegue a TI enquanto ela se transforma: ter suficiência para executar muito bem o dia a dia e, com isso, também pensar de forma estratégica e realizar uma transição mais rápida.
Outra reflexão importante nessa jornada passa por possíveis ameaças. Por isso, perguntamos às mil maiores empresas do Brasil quais são os fatores internos de risco para implementação da estratégia de TI nos próximos 12 meses. Pela primeira vez, introduzimos na questão a alternativa “capacidade da TI insuficiente para desenvolver os projetos e sustentar a operação simultaneamente”. Imediatamente, ela foi indicada por 42% dos respondentes, resultado que apresenta uma nova perspectiva sobre os aspectos que limitam a atuação da TI: restrições financeiras; planejamento inadequado; volume de compromissos acima da capacidade de entrega; habilidades e experiências aquém da complexidade dos projetos, exigindo uma curva de aprendizado mais longa; ou mesmo baixa maturidade de gestão de projetos e processos, que não permite executar a estratégia conforme o planejamento.
A insuficiência da TI pode levar a uma circunstância compreensível, porém problemática: a “shadow IT”. A área de negócio, ao entender que a TI não consegue responder aos desafios, cria por conta própria uma estratégia apartada do plano. De alguma forma, essa conduta tem o patrocínio da empresa, especialmente quando representa uma alternativa para perseguir os resultados. Tive um cliente que me dizia que precisava contar quantas TIs ele tinha. Era um drama vestido de humor.
A independência do negócio em relação à TI não pode passar de uma condição temporária. Pois quando se contrata determinado produto ou serviço que roda basicamente de forma isolada, o impacto dessa ação nas operações da empresa pode até ser irrelevante; o problema surge no momento em que a solução requer integração com outros sistemas de TI. Nesse caso, se não houver um estudo completo sobre a aquisição da tecnologia mais adequada, a conta vai chegar.
Em caráter temporário, uma alternativa é a contratação de perfis de TI que atuem diretamente na área de negócio, suportando ou desenvolvendo a solução. Vale ainda usar o papel de advisor da área de tecnologia para a recomendação de soluções e fornecedores, avaliando também se as possíveis escolhas fazem sentido dentro da arquitetura de sistemas da empresa.
Outro dado que nos ajuda a pensar sobre a efetiva atuação da TI no âmbito estratégico está relacionado ao percentual do orçamento alocado nas áreas de negócio. Na maioria das empresas (56,6%), essa proporção é de 10%; para 15% e 13% delas, até 20% e 40% do orçamento, respectivamente, concentra-se no negócio. Distribuir o budget não é um problema. Porém, se esse montante escapa de uma governança adequada, aí sim cria-se um gargalo.
Não há por onde fugir: tudo acaba voltando para a TI.
Os chamados Chief Digital Officers (CDOs) sentiram isso na pele. Eu me lembro dos tantos debates entre CIOs e CDOs, no auge da fama do líder da transformação digital, sobre qual deles iria sobreviver. À medida que o digital foi se entrelaçando com os negócios, com questões financeiras, fiscais e contábeis, estoque e outras parte da operação da empresa, ficou evidente que a divisão entre TI e digital não era algo tão simples ou mesmo factível, e que, no fim, alguém precisaria integrar todas as pontas. O CDO não iria sobreviver; o gestor de tecnologia, também não – não da mesma maneira. Não o mesmo CIO, e sim aquele capaz de entender o impacto do digital sobre a arquitetura tecnológica do negócio.
De uma ótica bastante realista, o fato de a TI desempenhar um papel estratégico em apenas metade das mil maiores empresas merece atenção. Afinal, a outra metade corre um maior risco de ser atropelada por competidores em que TI e negócio nasceram sem fragmentações. Essas empresas não carregam passado, ou legado.
E então, o que a sua segunda autoavaliação da relação TI-Negócios lhe diz?
Texto originalmente publicado na plataforma IT Trend, da IT Mídia, voltada a conteúdos analíticos sobre negócios, TI e transformação digital.