Os profissionais de TI se habituam ao clima de cobrança e pressão desde cedo. Afinal, as organizações sempre encararam a área de tecnologia como a responsável pela manutenção da infraestrutura existente, pelo suporte aos usuários e, consequentemente, pelo bom andamento das operações. Ao sinal de qualquer pane ou parada do sistema, o anúncio é imediato: “chama o pessoal de TI” – ou, em outras palavras, “chama aquele pessoal ali, que está me impedindo de executar o meu trabalho e é o culpado de todos os problemas”. Apesar da tensão natural da profissão, nada se compara aos questionamentos que fazemos hoje, discutindo não só o papel estratégico da área, como também a transformação do perfil de seu principal líder: o CIO.
Recolhidos em seus clãs, os profissionais de tecnologia viveram, por muito tempo, em um bloco apartado da organização. E esse comportamento tem uma razão: na maior parte das empresas, a TI exige um envolvimento profundo com temas que as pessoas não entendem, com os quais não lidam e pelos quais não têm interesse, desde o nível mais operacional até o mais estratégico. A área de TI carrega todo o ônus de fazer com que a tecnologia cumpra o seu papel. E apesar dos desafios inerentes à atividade, a TI prende não só pela dor, mas pelo prazer. Acaba proporcionando ao líder um poder e uma autonomia que poucos departamentos têm, pelo menos quando as coisas vão bem. Sobre a “caixa preta” da TI, quase ninguém pode palpitar. Como consequência, poucos são os executivos de TI que se consideram capazes ou dispostos a cruzar fronteiras para outros desafios profissionais. Predomina a percepção de que talvez não seja nada simples realizar essa mudança, ou que seja mesmo impossível deixar esse mundo.
Trago essa reflexão tendo a chancela dos resultados do estudo “Antes da TI, a Estratégia”, realizado desde 2011 pela IT Mídia e com o qual colaboro, colocando a serviço desse levantamento o conhecimento adquirido em anos de experiência com a Lozinsky Consultoria. Na pesquisa, quando questionados sobre o futuro de suas carreiras, mais de 70% dos CIOs dizem que pretendem se manter na área, seja subindo degraus na hierarquia, assumindo desafios em outra empresa ou somente ocupando a mesma função por mais alguns anos.
Qual a sua expectativa em termos de próximos passos na carreira?
Manter-se como CIO é um plano genuíno, mas para um profissional de nível executivo, prender-se a áreas e processos pode limitar a realização de planos mais ousados de carreira. O que está em jogo, no final das contas, é o futuro de nossas carreiras diante da mudança de percepção em relação às posições executivas em geral. Aspirar ser um CIO no contexto mais convencional, que é o de sustentar a operação e desenvolver novos sistemas, pode ser legítimo do ponto de vista do que o profissional deseja, porém arriscado da perspectiva do que o mercado poderá oferecer a ele daqui a alguns anos. E é nesse ponto que existe uma preocupação.
Por um lado, as empresas que priorizam o viés de crescimento muitas vezes percebem uma lacuna da TI no acompanhamento das discussões de negócio. Encontram uma TI resistente, inflexível, antiquada. No fim, quando ocorrem as movimentações empresariais, uma das trocas executivas mais comuns é a do CIO. As organizações, muitas vezes, preferem um perfil mais arrojado, ou que será melhor aceito pelos pares, ou que efetivamente será mais inovador, já que a maioria dos negócios esperam que a inovação venha da TI, e não de outras áreas. Do outro lado do mercado, há companhias mais conservadoras, que valorizam a estabilidade, enfrentam menor concorrência e até optam por um CIO “puramente TI”. E se as operações vão bem assim, que seja. Há lugar para ambos os perfis. Só não sejamos ingênuos: na atual dinâmica de mercado, o perfil mais integrado ao negócio, que navega melhor entre tecnologia e business, começa a levar vantagem.
Não por acaso, mais de 40% dos CIOs dizem que o relacionamento com o mercado é o principal ponto de desenvolvimento de suas carreiras. Um exemplo de que os profissionais entenderam a importância do networking é a atitude de colaboração – eu acompanho alguns grupos de Whatsapp em que eles compartilham experiências e dificuldades do dia a dia: “aconteceu um problema aqui, alguém pode me ajudar?”, ou “preciso demitir um colaborador, alguém pode absorvê-lo?”, e ainda “alguém tem um contato no fabricante X que irá me atender bem?” são alguns dos assuntos que permeiam as conversas. Se antes o CIO era o cara mais isolado, dono de um lugar da empresa que ninguém gosta de colocar a mão, ele encontrou, assim, seus interlocutores. E como são unidos!
Esse dado da pesquisa mostra que os líderes de TI valorizam o relacionamento porque a vida deles melhora assim. Mas não é só isso – ou não deveria ser. O maior foco de atenção no desenvolvimento da carreira desses profissionais passa por habilidades de negociação e comunicação, em conhecer melhor a cadeia de valor do negócio em que trabalham, integrar melhor os fornecedores e, muito importante, formar interlocutores internos à altura da sua ambição.
Quais habilidades pessoais você considera que necessita desenvolver para melhorar o seu posicionamento na empresa e no mercado?
Não há outro caminho: a carreira do CIO está intimamente ligada à qualidade do time que ele monta. Muitos líderes possuem bons times técnicos, porém pouca gente que consegue representar a TI junto ao negócio. Mesmo que o desejo do executivo seja continuar na posição de CIO, obtendo somente um crescimento hierárquico dentro da área, ainda assim precisa de uma equipe com uma série de qualificações: entendimento dos processos da empresa, gestão de contratos com terceiros, conhecimento sobre inovações tecnológicas para navegar em novas ideias, percepção de quais projetos fazem sentido quando integrados em uma arquitetura que suporta o negócio, entre outras. Se não tiver um time preparado, mais cedo ou mais tarde, será visto como alguém incapaz de entregar a TI que o negócio precisa. Vejo isso acontecer o tempo todo.
No fim, o “pessoal da TI” saiu da caverna. E essa mudança pressupõe o compartilhamento da decisão, a capacidade de diálogo e convencimento, a aventura por territórios expandidos. Esse pode não parecer, a princípio, um caminho de prestígio. Mas, se reduzirmos a ambição profissional e o crescimento à essência do trabalho, hierarquia não se trata de privilégios ou poder, mas sim de compromisso, dedicação e uma enorme responsabilidade.
Texto originalmente publicado na plataforma IT Trend, da IT Mídia, voltada a conteúdos analíticos sobre negócios, TI e transformação digital.