Como contornar o déficit de mão de obra qualificada?

Há algumas razões para tal dificuldade que se perpetua em todo o mercado, e superá-las passa, necessariamente, pela responsabilidade das lideranças em desenvolver talentos

*Por Sergio Lozinsky

O déficit de profissionais qualificados é uma realidade. Até 2025, teremos cerca de 53 mil vagas não preenchidas apenas na TI, no Brasil. E não se trata de algo exclusivo das áreas de tecnologia: o problema afeta desde o back office até os departamentos essenciais da operação.  A verdade é que vivemos uma crise de qualidade de trabalho, e há diversas as razões para isso. 

A mais relevante delas, a meu ver, é a dificuldade de atrair e reter talentos. Muitas vezes, profissionais qualificados deixam as organizações porque se cansam de responder a uma gestão incompetente, ou mesmo de atuar dentro de uma cultura ineficiente. E, para ter eficiência, uma empresa precisa dispor de um certo número de talentos em diversas posições e em todas as áreas. Na gestão, em especial, eles são imprescindíveis, pois a eles caberá administrar os processos de modo a assegurar que os demais profissionais tenham um desempenho satisfatório.

Em tempos de escassez de mão de obra qualificada, parece uma ironia que tantos talentos sejam desperdiçados, relegados a posições onde não conseguem se desenvolver. Há alguns anos, em um dos meus projetos de consultoria, vivenciei um caso que me marcou, quando uma menor aprendiz mostrava maior entendimento da TI do que quase todos os funcionários do setor. Um talento absolutamente subestimado e, infelizmente, não foi o único caso que encontrei ao longo da minha trajetória.

Para meu alívio, soube que aquela profissional conseguiu descobrir e aproveitar oportunidades para se desenvolver, e hoje atua em cargo de gestão de TI em uma operação internacional de uma grande empresa no exterior. Mas a história dela é uma exceção. A regra é vermos talentos serem desperdiçados por falta de visão – ou de interesse – de seus líderes.

Um problema de base

Outro grande causador do déficit de mão de obra adequada é o modelo de educação adotado em nosso País, que não é voltado a formar profissionais preparados para o mercado, aumentar produtividade e trazer competitividade. Na maioria dos casos, nossas universidades não fazem mais do que “cumprir tabela” – entregar um diploma que não representa muito em termos profissionais.

O resultado disso não é nenhuma surpresa: a formação defasada dos profissionais mais jovens não atende as necessidades e expectativas do mercado de trabalho. Os recrutadores, por sua vez, não levam isso em conta quando estão contratando – quando muito, atribuem valor ao fato de o candidato ter estudado nessa ou naquela instituição de ensino. Porém, essa é uma “avaliação” que considera apenas a fama ou a “percepção de marca” da universidade em questão,  sem levar em conta o que realmente fez parte da grade curricular.

As universidades, via de regra, têm se mostrado incapazes de acompanhar a evolução das necessidades de mercado, e isso é especialmente evidente em tecnologia. Historicamente, a academia sempre mostrou algum grau de defasagem em relação às transformações de mercado, mas nunca na grandeza que tem ocorrido atualmente. Vale dizer que isso não parece ser um fenômeno unicamente brasileiro, pois pesquisas recentes nos Estados Unidos indicaram a decepção de algumas corporações com a contratação de pessoal recém formado.

O resultado são profissionais com teorias de gestão defasadas, distantes de como as coisas funcionam – ou deveriam funcionar.

Dados que indicam que a universidade não consegue entregar uma formação condizente com os desafios do presente integram a 3ª edição do estudo “Jornada CIO – da realização pessoal à transformação de negócios”, realizado pela Lozinsky Consultoria. Na pesquisa, constatamos que, para 80% dos líderes de TI entrevistados, os eventos setoriais (fóruns, workshops e conferências) são a principal fonte de atualização profissional em suas carreiras. Cursos de longa duração, por sua vez, corresponderam a apenas 8% das respostas, mostrando que extensões universitárias, pós-graduações e outros cursos do tipo não são percebidos como relevantes na busca por se manter atualizado.

A era do desencanto

Atribui-se, ainda, uma responsabilidade “geracional” por essa crise do trabalho.  Um estudo do FGV-Ibre, divulgado em abril de 2024, mostrou que houve 734.943 pedidos de demissão voluntária, o maior número desde 2020. Além disso, a permanência média de jovens de 18 a 24 anos em um emprego é de meros nove meses, conforme apontam relatórios de clima e engajamento. Já uma pesquisa da Intelligent.com nos Estados Unidos mostrou que 60% dos gestores daquele país demitiram recém-formados da Geração Z nos últimos meses, listando falta de motivação, profissionalismo e habilidades de comunicação como as razões para tanto. 

Existem, sim, alguns componentes culturais da Geração Z que podem causar choques geracionais, mas atribuo esse cenário mais ao zeitgeist (o “espírito da época em que vivemos”) do que a uma questão etária.

Vivemos um momento de desencanto, em que boa parte dos profissionais – e não somente os mais jovens – se vê desiludida diante de conceitos que já foram importantes, como “carreira” e “fazer diferença”. E quem são os responsáveis por isso? As próprias empresas, por terem sustentado discursos vazios ao longo de décadas.

Quantas vezes não vimos empresas levantando bandeiras que garantiam que “nosso diferencial são as pessoas”, mas, na prática, não desenvolviam seus talentos? A estrutura organizacional viciada de algumas organizações costuma privilegiar relações pessoais em detrimento da qualidade de trabalho, para citar apenas uma das contradições éticas comuns a esse universo. Não à toa, 50% dos líderes de TI brasileiros apontaram “gestão e engajamento de equipes” como uma qualificação essencial para a carreira nos próximos anos, conforme a já citada 3ª edição da “Jornada CIO” . 

Recusar-se ao incompetente

A dificuldade de acompanhar a sofisticação que as tecnologias trazem para a operação de uma empresa nasce na educação e se perpetua até os cargos mais altos, incluindo C-levels e acionistas. Vimos empresas que relutaram em aderir ao WhatsApp, por exemplo, mesmo com a ferramenta se disseminando entre a população como um todo. Enquanto se decidiam, vendedores começaram a se relacionar com o mercado por meio desse aplicativo – para atender à necessidade e conveniência de seus clientes – em vez de usarem os sistemas e plataformas da organização. Como resultado, esses clientes passaram a “pertencer” ao vendedor, e não à empresa.

A incompetência é cúmplice do déficit de mão de obra adequada, e só será sanada quando as empresas entenderem que o talento bem desenvolvido é o que leva à eficiência. Como dizia o sábio Millôr Fernandes, “O erro da natureza é a incompetência não doer”. Nesse sentido, as lideranças precisam se responsabilizar mais: devem se envolver com a atração e retenção de talentos, privilegiar o crescimento e a lucratividade do negócio, e parar de trabalhar apenas em prol da manutenção de sua posição.

artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
Veja mais artigos do consultor
compartilhe este artigo
Redes sociais Lozinsky Redes sociais Lozinsky

Qual o seu problema
de negócio complexo?

Conheça os desafios que motivam a transformação do seu negócio. E saiba como resolve-los,
nossos cases
Outros artigos
Estratégia e gestão de TI
https://lozinskyconsultoria.com.br/wp-content/uploads/2023/01/fabio.png

Empresas familiares estão especialmente vulneráveis a ameaças de segurança da informação?

Nas organizações onde “tradição” e laços de família podem se sobrepor aos protocolos, os resultad...

Leia o artigo
Carreira e Jornada CIO
https://lozinskyconsultoria.com.br/wp-content/uploads/2023/01/ricardo.png

Coisas que eu gostaria que tivessem me contado no início da minha carreira em TI

Se eu soubesse o que sei hoje, teria feito algo diferente no passado? Parece um questionamento se...

Leia o artigo
Carreira e Jornada CIO
https://lozinskyconsultoria.com.br/wp-content/uploads/2023/01/sergio.png

Como contornar o déficit de mão de obra qualificada?

Há algumas razões para tal dificuldade que se perpetua em todo o mercado, e superá-las passa, nec...

Leia o artigo
mais artigos