Em terra de déficit de profissionais de TI, o modelo híbrido de trabalho é problema ou solução?

A tecnologia pode até ser a área de atuação mais valorizada no futuro próximo, mas isso não quer dizer que quem atua no ramo terá um caminho fácil pela frente. O desenvolvimento de uma carreira de TI numa era de pouco trabalho presencial oferece uma série de desafios e obstáculos

por Aldir Rocha

Inicialmente saudado como uma bem-vinda revolução, o trabalho remoto vem mostrando alguns senões desde que foi adotado em larga escala, graças à pandemia do coronavírus. Mesmo os mais entusiasmados arautos do formato já consideram o modelo híbrido, mesclando atuação presencial e à distância, como mais recomendável. Porém, nem mesmo esse modelo está isento de reservas.

E como fica a situação do profissional de TI em meio a esse cenário ainda embrionário e cheio de incertezas? Esse é o tema da primeira entrevista da série 5 provocações sobre o futuro do trabalho, que a Lozinsky Consultoria publicará ao longo do ano. O sócio-consultor Aldir Rocha é o responsável por responder a essas provocações no episódio de estreia.

“Tenho desenvolvido uma rotina para poder separar o dia a dia da minha vida profissional da vida doméstica. Antes da pandemia, muito do meu dia acontecia no deslocamento do lar para o trabalho, era ali que eu fazia tanto o planejamento quanto o fechamento das minhas atividades. Tive que me reambientar, criar uma nova maneira de lidar com isso tudo. Eu ganhei produtividade em alguns momentos, mas em outros acabei perdendo momentos de reflexão e de desconexão. O meu dia cresce de trabalho, invade meu período de lazer, diminui meu tempo de almoço, e as coisas começam a ficar confusas. Estamos sendo muito demandados, e os dias ficaram maiores. Já as opções de lazer diminuíram. Todos nós estamos tendo de desbravar uma nova rotina”, reconhece o consultor.. 

Unido a experiência e a visão de mercado com a vivência pessoal, Aldir entrega respostas que desafiam o senso comum e o entusiasmo quanto ao home office. Confira a entrevista na íntegra.

Se você tivesse hoje uma posição de profissional pleno ou sênior no universo de TI, o que te deixaria mais incomodado nos modelos híbrido ou remoto?

O distanciamento das pessoas é um ponto muito preocupante. O dia a dia, em si, traz uma série de desafios a serem resolvidos pela TI, inclusive questões de negócios que precisam ser discutidas fora desse ambiente encaixotado das salas de teleconferência. Elas costumam ter uma janela rígida, de uma hora, e com pauta clara. Não existe o momento do café, do encontro espontâneo no qual se quebra a rigidez e se humaniza a relação. Tenho minhas dúvidas se a gente tem que aprender a conviver com essa realidade onde não há esse contato. O modelo híbrido é o caminho mais razoável. Trabalhar 100% remoto não é bom nem para quem está distante, tampouco para a saúde coletiva da organização.

As relações entre uma equipe nova, que nunca se encontrou presencialmente, podem ser tão boas ou mesmo melhores do que as das equipes que já experimentaram a convivência presencial antes?

Sempre vai ter uma perda. Relações humanas requerem o toque, o olho no olho. É por isso que você não almoça por videoconferência com ninguém. As pausas que você tem presencialmente não acontecem em aplicativos de comunicação. E happy hour virtual é um esforço de sobrevivência em meio aos tempos que vivemos. Os vínculos são construídos quando você transcende a vida profissional. Senão, a relação se limita a uma troca financeira.

O profissional de TI sempre precisou ser curioso e gostar do novo. Porém, na última década, o “novo” apareceu em velocidade muito maior, especialmente nos últimos dois anos. Falando em termos práticos, o que esse profissional deve fazer para lutar contra o sentimento de estar defasado? E, por outro lado, como impedir que ele se torne uma pilha de ansiedade? Esse meio termo é possível?

A difusão dessa premissa que existe uma enormidade de tecnologias e temos que ser uma parabólica para captar tudo é irreal. Não vai acontecer tudo. Na TI, você tem que ter a capacidade de minerar: enxergar as tecnologias e ver como elas são aderentes ao objetivo profissional que você tem. É preciso olhar a tecnologia para encontrar nela o que você precisa, e não o contrário. Se você começa a procurar a tecnologia apenas por ela mesma, ela se torna uma bugiganga, um penduricalho que não sabe onde pendurar. No fundo, não é isso que resolve. O enunciado do problema é maior que as ferramentas para achar a solução. A ferramenta é uma consequência do seu entendimento sobre o enunciado. 

Qual é o futuro que um profissional de TI pode esperar hoje? Se a tecnologia é tão essencial quanto têm afirmado os especialistas em negócios, o profissional da área também é tratado como essencial? Em quais segmentos da TI ele pode esperar maior chance de crescimento? E qual corre o risco de se ver subvalorizada ou em terreno mais espinhoso?

Tem trabalho para todo mundo, mas é preciso entender onde cada perfil se encaixa. Em algumas áreas, a tecnologia está em ebulição e se faz mais necessária, como é o caso da Saúde. Mas há uma série de questões a serem resolvidas. A imersão de um profissional de TI na saúde é bem diferente daquela que é necessária em áreas onde a presença da tecnologia é mais resolvida, como o setor bancário ou o varejo. Em certos segmentos, há muitas demandas para a TI, e é preciso avaliar de que tipo de demanda estamos falando: as soluções ficam cada vez mais robustas, e algumas precisam de uma expertise mais técnica, enquanto outras requerem mais pessoas capazes de interpretar como aquilo pode ser usado dentro do negócio. Onde você quer se situar? Conheço profissionais brilhantes que transitam muito bem em temas como ciência de dados e programação de baixo nível. Porém, quando saem daquele mundo para uma aplicação mais prática no âmbito de negócios, se veem deslocados. Isso não é um problema em si, mas esse profissional precisa achar seu espaço, e não é dentro da estratégia, por exemplo.

Sem as nuances presentes na convivência pessoal, como o profissional de TI pode provar o seu valor no modelo híbrido?

A gente nunca vai excluir a dimensão humana de qualquer convivência. Vejo como temerário o movimento de algumas empresas, que entregaram seus prédios e garantiram que vão atuar 100% em home office. Como fica o sentimento de pertencimento nesses casos? Sou incrédulo em relação a construção de qualquer indicador que meça a produtividade do home office. Esse ano de pandemia nos forçou a atuar dessa forma, mas tenho certeza que praticamente ninguém está confortável. Claro que alguns perfis podem preferir a solidão do trabalho, mas nem todos são assim e no âmbito de negócios, de implantação de projetos, é bem diferente. Existem problemas de convivência e de falta de proximidade que poderiam ter sido evitados com um café. É tudo muito novo para termos respostas, mas, seja como for, o ser humano é um animal gregário, que só avançou no processo civilizatório quando começou a viver em grupo. Isso significa estar junto, não se limita ao processo tecnicista de receber uma encomenda e entregar. 

 

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artigo assinado por

Aldir Rocha

Sócio-consultor
Lidera equipes de TI há mais de 20 anos. Especialista em desenvolver diagnósticos e soluções eficazes com foco na geração de negócios para as empresas.
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