*Por Ricardo Stucchi
Mais do que uma função ou uma prática do universo corporativo, a mentoria pressupõe um vínculo de confiança – e provavelmente não há nada mais valioso do que isso nas relações profissionais. Exige o compromisso pessoal com o desenvolvimento de outra pessoa, que busca nos aconselhamentos de seu mentor referências para construir seu próprio caminho. E, embora essa relação dependa mais da iniciativa espontânea e pessoal (de ambas as partes) do que de uma política interna específica, a mentoria pode fortalecer e impulsionar a perenidade da própria organização.
Para que essa relação se estabeleça, é essencial que o mentor e mentorado tenham consciência de seu papel. É fundamental que os profissionais sintam-se confortáveis e estimulados a desempenhar essa função. Se a mentoria for encarada como um fardo – simplesmente uma tarefa a mais no meio de um longo elenco de obrigações – não vai funcionar.
Quando existe resistência, não há política corporativa ou boa vontade do RH que faça milagre. Não à toa, a maior parte das boas mentorias se dá de forma voluntária: afinal, mentor e mentorado precisam acreditar que a relação entre eles é importante e necessária. E quando esse vínculo se estabelece de forma sólida, os resultados são bons para ambas as partes, e também para a própria empresa. Mas vamos examinar cada elemento dessa relação separadamente.
Ele é alguém que consegue fazer as provocações certas, de forma que o mentorado se desenvolva na carreira desejada. Está disposto a ouvir seus anseios, bem como ter discussões francas sobre caminhos que podem ser trilhados na área escolhida, tendo o cuidado de dosar o estímulo ao crescimento e à curiosidade com o ajuste de expectativas fantasiosas. Essa transferência de conhecimento requer uma bagagem prática robusta na área em questão, por isso a mentoria se diferencia fundamentalmente do coaching, que não necessariamente apresenta essa especificidade.
Além da relevância desse tema para o mundo corporativo, tenho uma ligação especial com ele. Por isso, faço mentoria de forma voluntária com alguns alunos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que têm interesse em construir carreira como consultores. É um processo constante de entender as expectativas e as aflições de cada mentorado, para poder então compartilhar situações que vivenciei em minha trajetória. Travo com eles diálogos que os aproximam da realidade da profissão, abrindo espaço para debates que não aconteceriam numa aula convencional.
Trata-se de uma combinação de troca de ideias, provocações para ver as situações sob diferentes ângulos, inspiração e aconselhamento.
A principal tarefa de um mentorado é também a sua principal qualidade: ser capaz de fazer boas perguntas. Isso implica em se abrir sobre o que ele está vivenciando, trazendo as dificuldades e as expectativas que vêm a reboque. A depender do nível de senioridade, as primeiras sessões podem até entrar em algumas obviedades e lugares comuns, mas aos poucos deve evoluir para questões além disso.
Cabe aqui uma ressalva importante: o papel de mentorado não é restrito a quem está se iniciando em uma profissão. Ele pode se dar em qualquer momento de uma carreira corporativa, com o apoio de mentores que já vivenciaram a fase de desenvolvimento em questão, e mesmo transições de carreira que o mentorado almeja.
O interesse de um aprendiz é decisivo para a qualidade da mentoria. E assim como acontece com os mentores, não importa se é um universitário cumprindo um requisito para sua graduação ou um executivo aspirando a um posto mais elevado. É papel dele estimular o mentor, mostrando real interesse no objetivo do processo, e também sua disposição para ser questionado em suas crenças consolidadas.
Por “crenças consolidadas” não me refiro apenas às ilusões que alguns graduandos podem ter a respeito de uma carreira. Profissionais há muito tempo no mercado também podem ter consolidado uma perspectiva engessada acerca de sua área ou função, e a mentoria é um ambiente propício para dissolver ideias pré-concebidas.
A mentoria pode ocorrer na empresa, no meio acadêmico ou mesmo como uma atividade realizada fora desses ambientes. Independentemente disso, o mais importante é que se estabeleça um nível de confiança entre as partes.
Tomemos como exemplo o ambiente empresarial. Pode, sim, haver algum tipo de receio do mentorado em se abrir, já que ele tende a proteger suas inseguranças e fragilidades a respeito de seu próprio desempenho ou do funcionamento da organização. Porém, se há um vínculo de confiança com o mentor, isso pode ser totalmente superado.
Já em um ambiente desassociado de uma empresa, a orientação acontece com menos amarras. Algo semelhante se passa também quando a mentoria faz parte de um processo consultivo. Em ambos os casos, os resultados são ainda mais valiosos quando estão vinculados a um projeto – algo com início, meio e fim, de complexidade relevante e, portanto, com várias oportunidades de aprendizado.
Isso é algo que também já experimentei como mentor – em algumas ocasiões, de maneira formal, e em outras de forma totalmente orgânica, como uma evolução natural dos vínculos criados no dia a dia. Na enorme maioria desses casos, mantive (e mantenho) uma relação de amizade e confiança com essas pessoas ao longo de anos. Como eu disse no início, essa é uma das coisas mais valiosas que processos desse tipo podem motivar.
Acredito que há diversos benefícios da mentoria para as carreiras dos envolvidos e para os negócios, mas levo muito em consideração o ganho de natureza humana. A relação de confiança, o aprendizado, a troca, a realização presente no ensino, a amizade – todos são benefícios decorrentes de uma mentoria bem-feita, e são inestimáveis.