Por que é tão difícil dar (e receber) feedback?
Mais do que realizar uma avaliação de desempenho, o feedback é uma ferramenta que ajuda a nortear o caminho dos profissionais, das equipes e até da própria empresa. Mas a realidade está longe do que poderíamos chamar de “boas práticas”.
*Por Ricardo Stucchi
O feedback é valorizado no discurso e negligenciado na prática. A afirmação é dura, mas não leviana: o tema é bastante falado, mas o cotidiano acaba soterrando-o debaixo de algo que, na maioria das vezes, não passa de política de méritos.
É muito difícil dar um feedback de qualidade – isto é, sem julgamentos e sem a influência de preferências pessoais. É preciso um grande nível de autoconhecimento para não descarregar os próprios ressentimentos no outro. Além disso, existem as expectativas atreladas ao reconhecimento: se o feedback é positivo, mas não é possível dar um aumento ou qualquer outra recompensa, a frustração não será inevitável?
“Dinheiro que é bom, nada”. Se você nunca ouviu essa frase em um contexto empresarial, é porque nunca trabalhou em uma empresa. Claro que a validação da qualidade do trabalho é importante, mas pressupor que ela basta por si só é uma conclusão ingênua, idealizada. Todo mundo, sem exceção, espera alguma espécie de recompensa pelo bom desempenho – se não financeira, de alguma outra espécie. E quando ela não é possível, o gestor muitas vezes se inibe em dar uma avaliação mais positiva, mesmo o avaliado sendo merecedor dela, justamente para evitar tal frustração.
O contrário também é verdadeiro: o gestor está insatisfeito com uma pessoa da equipe, mas depende dela e não pode correr o risco de desagradá-la seriamente. Esse é um cenário comum na tecnologia, onde há dependência de colaboradores por diversas razões, seja por habilidades técnicas específicas, pelo conhecimento de um legado que ninguém mais domina, entre outras questões. Para não perder essa pessoa, dá-se a ela uma avaliação que não condiz com a realidade.
Como consultor e como gestor, vi diversos casos desse tipo: a pessoa com mau (ou péssimo) comportamento é poupada do que seria uma avaliação justa, recebendo um feedback distorcido que perpetua o ciclo de toxicidade no trabalho.
Comunicação de duas vias
Seria um alívio poder dizer que os elementos que eu trouxe até aqui são os únicos complicadores de um bom processo de feedback. Mas o problema é mais profundo, e suas raízes estão na nossa habilidade de nos comunicarmos – ou na falta dela.
Muitas pessoas não sabem se expressar com clareza. Provavelmente um número igual tampouco sabe interpretar o que ouve e lê. Nem vou me alongar no fato de que 27,6% da população adulta do país mostra analfabetismo funcional, segundo levantamentos do Plano Nacional de Educação (PNE). Prefiro que o leitor apenas se concentre na quantidade de vezes que lidou com problemas sérios que começaram com alguém se justificando que “não foi isso que eu quis dizer”.
Comunicação é composta sempre de um emissor e um receptor, e os ruídos que podem acontecer entre esses dois elementos são tantos que há uma ciência dedicada ao estudo deles. Por isso, é sempre um grande desafio garantir que o feedback seja claro e compreendido. Ainda assim, há maneiras de aprimorar esse processo e torná-lo menos propenso a atritos. Destaco aqui as que considero as três mais valiosas:
1 – Instrumente-se
Preparar as pessoas para algo requer, sempre, transferência de conhecimento. Por isso, é preciso treinar os responsáveis por dar feedback, independentemente do tamanho da empresa. Existem diversos fornecedores especializados em oferecer esse tipo de capacitação, com diferentes formatos de curso, e a escolha acertada de um bom parceiro do tipo pode representar um importante acelerador da qualidade do processo.
2 – Não se limite a indicadores
Muitas organizações estabelecem KPIs e/ou métricas na elaboração de feedbacks. Escalas de competências, por exemplo, podem ser uma referência valiosa, desde que não sejam a única. Não basta ter dados, é preciso saber interpretá-los, colocá-los em contexto, e saber identificar nuances e variáveis dos resultados.
Os elementos quantitativos podem e devem contar na avaliação dos colaboradores, mas precisam estar em harmonia com as leituras quantitativas.
3 – Tome cuidado com a escala
Em tese, as avaliações 360o são mais justas, já que envolvem um número maior de avaliadores. Mas em empresas grandes, elas podem perder a referência do que seria uma escala razoável. Imagine uma situação onde você, como gestor, tem 12 pessoas na equipe, quatro ou cinco pares, um superior, e eventualmente o chefe do seu chefe. Se o processo é mal conduzido, ele pode se tornar oneroso em tempo, e até perder em qualidade.
Não me entenda mal: a avalição 360 é uma ferramenta com méritos, mas ela precisa ser adotada com parcimônia e bom senso, ou se tornará uma fonte de problemas. Pior: sua qualidade pode sucumbir porque o dia a dia vai se sobrepor aos ciclos do processo.
Uma proposta mais radical
As dicas e reflexões apresentadas sugerem alguns caminhos que podem ser experimentados para aprimorar o objeto de nossa discussão aqui. Mas talvez seja preciso cavar mais fundo e repensar os modelos que temos adotado, pois o que mais vemos na atualidade são avaliações de desempenho sendo entendidas como feedback.
Avaliar o desempenho é uma parte da tarefa, mas o feedback envolve uma sensibilidade mais refinada, que permite ajudar o colaborador a se orientar em sua carreira dentro da empresa, e, principalmente, trazer crescimento e melhoria para ele e para a equipe. Tal sensibilidade não é uma habilidade inata das pessoas: é algo que precisa ser ensinado, praticado, vivenciado e aprimorado.
Ou seja, é preciso pensar menos no feedback como uma ferramenta e mais como uma cultura. Como ferramenta, ele sempre será ineficaz em algum grau, pois não é possível excluir completamente todas as variáveis que o elemento humano traz em suas relações interpessoais: vaidades entrarão no processo, erros serão cometidos, a tolerância será empregada onde deveria haver rigor. Mas a criação de uma cultura de feedback tem muita força para atenuar esses comportamentos, e poderia assegurar resultados mais benéficos para a empresa e para os colaboradores.
Se é utópico pensar que todos os líderes serão sempre sinceros e desinteressados ao dar feedback, pelo menos é possível criar um ambiente onde isso é incentivado e estabelecido como um ideal.