Quem precisa de plano de sucessão?

A “passagem de bastão” é altamente complexa, e não apenas na alta liderança: é preciso repensar o processo sucessório também na média gerência

*Por Sergio Lozinsky

Sucessão é uma palavra mais associada a empresas familiares, mas o fato é que todas as empresas deveriam se ocupar do tema. Ele passa por vários níveis, não apenas o topo, e deve ser discutido levando-se em conta não apenas critérios políticos, mas principalmente habilidades pessoais, conhecimentos técnicos e projeções de futuro. Ou seja: é o tipo de desafio resolvido caso a caso, o que gera uma entre as muitas razões pelas quais o assunto não é tratado como deveria.

A resposta direta à pergunta do título – quem precisa de plano de sucessão? – é simples: todas as empresas precisam.  Ainda assim, sua abordagem quase nunca acontece de forma direta, pois esbarra em tabus. O mais óbvio deles é a noção de que um líder que fala em buscar sucessores irá deixar a empresa, ou está em vias de ser demitido. Esse tabu nem sempre corresponde à realidade, mas é um mito tão arraigado na cultura empresarial que fica difícil ignorá-lo.

Porém, esse é apenas um dos complicadores para estabelecer um bom processo sucessório. Há outros nós que se interpõem no caminho. A boa notícia é que todos eles podem ser desatados.

Questões de época

Estabelecer a sucessão sempre foi uma tarefa complexa, e as particularidades de hoje não são diferentes das do passado. O que muda – bastante — em relação a tempos anteriores é o cenário.

Nas empresas familiares, antes era praticamente certo que o bastão seria passado para alguém da geração seguinte da família, e não raramente um ou mais integrantes da família eram preparados para essa tarefa. Isso não implicava em tudo transcorrendo às mil maravilhas – sempre havia espaço para escolhas equivocadas ou para o processo ser sabotado por disputas familiares. Apesar disso, a premissa da sucessão familiar era uma constante.

Hoje as gerações mais jovens não se sentem mais tão atraídas pela ideia de assumir o comando dos negócios familiares. Há uma diversidade de oportunidades que muitas vezes atrai esses herdeiros para outros caminhos. Além disso, fusões e aquisições frequentemente colocam membros da família em papéis de acionistas ou conselheiros, tirando-os da linha sucessória da liderança.

Já no mundo corporativo “não-familiar”, a rotatividade de posições é mais alta do que jamais foi. Falta tempo para preparar novos líderes e, em alguns casos, falta interesse, visto que a alta gestão está mais preocupada em tratar a empresa como um ativo próprio, e não como um negócio perene.

Esse ponto é crucial e merece ser examinado de perto.

O fim das carreiras longas

O crescimento exponencial da compra e venda de empresas é um fator de alto impacto em muitos aspectos do universo corporativo. O negócio deixa de ser percebido como uma instituição de longo prazo para se tornar um ativo financeiro. E essa mudança de mentalidade tem efeitos bastante perceptíveis na questão da sucessão.

Se o objetivo é estabelecer uma valuation em um determinado período de tempo, mudanças de longo prazo ficam em segundo plano. Nesse contexto, investir por 10 ou 15 anos na formação de líderes nos quadros internos praticamente perde sua razão de ser. A alta liderança, por sua vez, se vê atraída por um cenário que oferece oportunidades de enriquecimento rápido, graças a bônus milionários presentes nas transações que envolvem investimentos de private equity, abertura de IPO ou uma fusão e aquisição.

Esse aspecto, por sua vez, colabora também para a alta rotatividade de posições de chefia. 

Curiosamente, as empresas familiares têm melhores práticas que as demais nessa área, pois via de regra entendem a empresa como um patrimônio – material e imaterial. Porém, é uma sucessão que, nos escalões mais altos, leva literalmente décadas para acontecer, nem sempre no melhor timing possível.

Com isso, o mercado está cada vez mais formando um outro tipo de líder, voltado a aumentar o valor de mercado da empresa e, depois, deixá-la. Isso não é necessariamente ruim, pois sempre existe a possibilidade que ele consiga elevar a organização a um novo degrau sem aliená-la de seu propósito. Basta cuidar para que sua agenda pessoal não se sobreponha ao negócio.

Uma mudança estratégica

Todo esse novo contexto em que a sucessão ocorre é parte de um cenário de mudanças amplas no mundo do trabalho. O funcionário de carreira, que fica a vida toda em uma empresa, é uma espécie cada vez mais difícil de encontrar. Raros são os profissionais que permanecem mais de uma década na mesma companhia, o que também tem efeitos sobre as linhas sucessórias, especialmente na média gerência.

A eficiência operacional é indispensável para o sucesso empresarial. Por isso, preocupar-se com bons líderes “no meio” é importante mesmo para as organizações que buscam turbinar seu valuation em detrimento da longevidade.

Afinal, é preciso manter a capacidade de seguir executando estratégias de curto prazo que tragam resultados, e isso requer uma equipe capaz. Portanto, reter talentos e colocá-los em um caminho que possa se tornar uma linha sucessória não é algo dispensável. Mas, se contratar talentos já é desafiador, retê-los é uma missão ainda mais trabalhosa.

A verdade é que não existe uma única maneira de trabalhar tal questão. Às vezes, é necessário trazer um diamante já lapidado pelo mercado (e pagando preço de diamante, vale dizer); em outras, será o caso de lapidar um talento dentro de casa. Tudo vai depender de uma miríade de fatores: a região onde a empresa está inserida, seu segmento, o quão avançada ela é dentro do setor que atua, etc. Se a posição é crítica, é essencial ter mais de uma opção na linha sucessória, e então manter proximidade com os profissionais selecionados para avaliar se eles estão satisfeitos.

Seja como for, esse é um tema que precisa ser endereçado de forma estratégica e pragmática, ou pode se abrir um buraco impossível de ser remediado no futuro. O tema é tão emblemático quanto controverso, mas precisa estar em pauta como um item constante da agenda estratégica da empresa – como todo aspecto sensível em qualidade de gestão.

artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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