Somente 21% dos respondentes da pesquisa “Jornada do CIO” têm entre as principais preocupações formar sucessores – e esse comportamento é um risco para a transformação dos negócios
Por Sergio Lozinsky
“Liderança e aprendizagem são indispensáveis um ao outro”
John F. Kennedy, 35° presidente dos Estados Unidos
Quando cursei engenharia de sistemas na PUC do Rio de Janeiro, tive uma oportunidade rara para a época e, também, para os dias de hoje: aprendi contabilidade, economia, estatística, entre outras disciplinas que me deram uma formação mais abrangente, que potencializa os conhecimentos sobre a própria tecnologia. Portanto, quando vejo a limitação dos talentos da área às habilidades fundamentalmente técnicas, eu não só entendo a visão que muitos profissionais construíram sobre si mesmos (a de excelentes técnicos), como percebo que essa referência poderia – e deveria – ser diferente.
A tecnologia não evolui sozinha – ela leva junto os profissionais de TI, de todas as camadas da hierarquia e estágios de desenvolvimento. A bagagem adquirida nos bancos universitários, que geralmente estão restritos a ensinar tecnologia pura, não mais satisfaz os desafios complexos do mercado atual, e se torna até mesmo um entrave para a formação de lideranças capazes de impulsionar a transformação dos negócios.
Essa é uma discussão que impacta profundamente os planos de crescimento – pessoais e corporativos. São perspectivas indissociáveis.
É o caso de uma fusão recente que acompanhei entre duas empresas. Testaram ambos os CIOs para a nova companhia, mas nenhum funcionou. Optaram, então, por promover um profissional que tinha um excelente desempenho técnico. E já dá para imaginar o que aconteceu: ele fugia dos assuntos de negócio, da relação com o board e de tudo que ultrapassasse os limites do aquário da TI.
Não há nenhuma surpresa nesse exemplo: o profissional técnico, em geral, tem dificuldade de lidar com aspectos básicos para o crescimento sustentável de um negócio, como gerenciamento de processos, inteligência de dados e inovação. Afinal, essa não é a base de sua formação. Está muito ocupado em garantir que a infraestrutura de TI funcione sem percalços, o que deixa pouco tempo para atuar de forma estratégica.
A prática dita os dados: 36% dos CIOs ouvidos pela pesquisa “Jornada do CIO: da realização pessoal à transformação de negócios”, realizada pela Lozinsky Consultoria, disseram ter assumido a posição pelo reconhecimento de que possuem todas as habilidades necessárias. Em uma análise mais profunda, no entanto, podemos perceber que parte deles são executivos com até 30 anos na posição, reconhecidos internamente por fazer um bom trabalho, mantendo a TI estável.
Esses CIOs não necessariamente desenvolveram a transformação e, o mais preocupante, ainda não formaram pessoas para sucedê-los.
A formação das lideranças de TI não se restringe, portanto, a um gargalo da área – ela é uma âncora do próprio negócio. A “Jornada do CIO” mostrou também que somente 21% dos executivos de TI têm entre as principais preocupações a formação de sucessores, quando esta deveria ser uma prioridade. E a capacidade de unir tecnologia aos anseios dos negócios não deve se concentrar no CIO. Ela deve permear o time de forma a criar equipes multidisciplinares.
Nesse contexto, um caminho (ainda) pouco explorado pelas empresas é a busca por perfis de múltiplas formações para atuar em tecnologia. Já pensou? Engenheiros, psicólogos, arquitetos, especialistas em marketing e RH…todos convivendo e colaborando em um departamento de TI? Acha improvável? Pois esses agentes acumulam habilidades necessárias para lidar com o negócio. Essa já é a opção de muitas consultorias que atuam em TI, por sinal, que valorizam capacidade lógica, curiosidade, vontade de aprender e uma visão holística que os cursos de TI mais técnicos não costumam incentivar. E como esses profissionais vão entender o mínimo de tecnologia para atuar nesse campo? Bem, reconheço que não é simples, mas o número de casos de sucesso pressupõe que vale a pena tentar.
No fim das contas, o que as empresas buscam são talentos, e não importa de onde eles vêm. Podemos pensar: o board está preparado para ouvir que deve procurar um CIO fora da TI? Talvez não. Mas eles podem ser convencidos por isso quando perceberem o benefício deter profissionais que, diante de um conselho, conseguem entender e descrever melhor as dores do negócio, ainda que dependam de um time ou de terceiros com o conhecimento técnico para identificar ou desenvolver as soluções que resolvam aquele problema. É nesse momento em que o especialista em TI se levanta e faz o seu papel. Essa troca também é parte do que chamamos de transformação digital.
Formar lideranças, portanto, exige um trabalho bem fundamentado de identificação de perfis com potencial. Pode ser que o profissional que se dará melhor na TI esteja hoje no financeiro ou em operações,- por que não? Descobrir esses talentos depende de mudar a perspectiva sobre o conjunto de perfis que uma área de TI precisará ter para suportar a estratégia e as operações do negócio. Depende, também, de saber identificar quem são os profissionais que “bateram no teto”, por exemplo aquele gerente de sistemas que responde direto para o CIO e que não vai – ou não quer – assumir muito mais que as responsabilidades já acumuladas.
Esse não é o sucessor. O sucessor é aquele que ainda está longe de “bater no teto”. Ele depende de oportunidade e incentivo para crescer. E, assim, fazer crescer com ele o negócio.
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