*Por Renato Maio
Pessoas, processos e sistemas: quantas vezes você já viu esses elementos apresentados como um tripé para apoiar as estratégias de negócios? Por muito tempo a gestão eficiente dos três bastava como o eixo de sustentação de uma empresa. Mas o aumento da complexidade deixou o negócio mais “pesado”, e o tripé começou a arriar.
O quarto elemento que agora se soma são os dados. Ainda que eles sejam, em parte, extraídos e coletados por sistemas, devem ser entendidos como um pilar à parte, já que sua presença abre espaço para muitas variáveis. Eles transcendem a tecnologia e constituem um âmbito próprio.
É preciso lembrar que aquele tripé original foi concebido em uma época onde não existiam inteligência artificial, aprendizado de máquina, computação em nuvem – ou, se existiam, ainda eram embrionários e distantes da realidade corporativa. Não é, portanto, o caso de dizer que o modelo anterior era ineficaz, e sim que ele era aplicável a uma realidade mais limitada.
A literatura acadêmica ainda não consagrou um modelo atualizado, mas já podemos desenhar um esboço. Precisamos lembrar que dados dizem respeito ao conhecimento, que, no nosso caso, deve conduzir a uma inteligência de negócios. Com isso em mente, temos o esquema do “quadrúpede”:
bit -> byte -> dados -> informação -> observação -> conhecimento = SABEDORIA ATUALIZADA
Dois pontos merecem destaque aí: o primeiro é lembrar que a base de tudo é o bit. Sem ele, não há informação, conhecimento e, muito menos, inteligência de negócios – essa informação será relevante logo adiante. O outro é que a observação é essencial, porque, a depender da maneira como a informação é percebida, o conhecimento gerado será totalmente diferente. Em outras palavras, a observação é contínua e dinâmica.
Por essa razão, eu não chamaria esse novo modelo de “quadripé”, como pediria a semântica, e sim “quadrúpede”. Um quadripé é algo estático, mas nesse novo cenário, estamos diante de algo que se move. Afinal, temos atualmente mais de 27 bilhões de dispositivos conectados e “conversando” entre si no mundo todo, segundo a pesquisa “Internet of Things”, da ISG Provider Lens. Diante de um volume dessa grandeza, é preciso reconhecer que o “apoio” para os negócios precisa ser algo de grande motricidade.
Para transitar nesse universo diversificado e dinâmico, esse “quadrúpede” não pode apenas caminhar, mas também correr e saltar. De que outra forma ele seria capaz de dar conta dos dados gerados por esses bilhões de dispositivos?
O data driven sobre o qual falamos há tanto tempo nada mais é que esse novo ponto de apoio dos negócios, Porém, “dados” dizem respeito tanto aos elementos fiscais e tributários quanto aos aspectos comportamentais de empresas e de consumidores. São quantificáveis e subjetivos convivendo e interagindo no mesmo ambiente. Por isso, antes de se usar o modelo “direcionado a dados”, é preciso direcionar os próprios dados, e boa parte das arquiteturas de sistemas não está preparada para tanto.
Sem hierarquizar e separar os dados, não há como usá-los bem. E é nessa tarefa que a observação se mostra essencial, pois é a aplicação dela que vai dar o conhecimento e sabedoria necessários para a tomada de decisões estratégicas. A maturidade para desempenhar bem essa tarefa ainda precisa ser construída. Os dados já estão na pauta das lideranças, bem como outros assuntos tecnológicos, mas as discussões avançam pouco em termos práticos.
O que vemos hoje, na melhor das hipóteses, é uma ou outra área tratando desse tema dentro de seus limites. Falta uma gestão do conhecimento que garanta que essa discussão ocorra de forma coordenada, progressiva e integrada. Para concretizá-la, é preciso começar da base, ou seja, do bit. Afinal, com bilhões de dispositivos gerando informações, fica fácil se deixar levar e acabar caindo em leituras falsas, que induzem ao erro. É assim que começam muitas das falácias corporativas.
Como está esse bit? Qual é o tratamento que ele recebe na arquitetura de sistemas? Como ele é traduzido? Somente ao responder essas perguntas saberemos qual vai ser o produto do dado. Inteligência artificial e quaisquer outras tecnologias que entrarem em pauta vêm depois do bit: elas são apenas a ponta final de um sistema.
A verdade é que o bit está sendo muito maltratado. Como eles não são encarados com a devida atenção, o terreno fica propício ao surgimento de dados duplicados ou triplicados, gerando uma enorme fragilidade. As arquiteturas ainda são ineficientes, com erros nas transações de dados e na geração de informações, sejam elas transacionais ou analíticas.
E a situação não vai melhorar enquanto as empresas insistirem em manter planilhas eletrônicas fazendo o papel que caberia a sistemas. A dependência dessas planilhas chega às raias do surreal, pois tecnologicamente temos instrumentos muito mais eficientes e com potencial muito mais amplo. Porém, um misto de apego à cultura, preguiça de raciocínio e personalização de processos permite que elas continuem existindo e sendo priorizadas.
Se elas têm um caráter personalista, como fica a empresa quando o responsável por elas deixa a companhia? Há organizações grandes que acabam confiando a gestão de dados essenciais não a processos, mas a pessoas específicas. Além de isso dar um poder muito grande a poucos profissionais, gera ineficiência e vulnerabilidade que podem ser muito onerosas no futuro.
Os dados são uma ferramenta poderosa, mas ainda são uma ferramenta. Isso quer dizer que depende muito de quem a usa, e como, para que tenha máxima eficiência. Se você acompanhava competições automobilísticas no começo dos anos 2000, deve se lembrar que a Ferrari dominava a Fórmula 1… com apenas um de seus pilotos. Por melhor que fosse o carro – e era excelente – ele não era garantia de bons resultados. Quem estava atrás do volante fazia toda a diferença.
O novo “quadrúpede” consegue se movimentar com força, graça e velocidade, Mais que um modelo de sustentação dos negócios, ele pode ser usado como verdadeira força motriz do crescimento, da inovação e da lucratividade. Mas para isso, ele precisa ser bem conduzido, seguindo uma direção clara. Essa é uma tarefa da qual a alta liderança não pode se esquivar.