A cara da TI está mudando. Após alguns anos em que profissionais foram muitas vezes contratados a peso de ouro, e os times de tecnologia desfrutaram de headcounts generosos, vemos a queda desse padrão. A mudança está em linha com um modelo no qual a área de TI da empresa agora atua como uma grande orquestradora desse ecossistema, o que altera radicalmente o perfil das contratações.
As razões para essa mudança remetem a movimentos iniciados no começo deste século. Nesses pouco mais de 20 anos, tivemos muitos investimentos que miravam principalmente a sistematização e a automatização dos processos. Porém, o mercado não dispunha de soluções maduras para atender a grande maioria dos setores, o que levou à necessidade de desenvolver essas ferramentas dentro de casa.
Pouco depois, em meados da década de 2010, vivenciamos o boom dos modelos de agilidade, que exigiram maior capacidade de entrega de sistemas próprios. Foi a “era de ouro” para os squads, criados em resposta à pressão por desenvolvimento de soluções próprias em um período de tempo relativamente curto. Porém, esse movimento não tardou a perder-se em si próprio, gerando, muitas vezes, mais desperdício de recursos que bons resultados.
Ao mesmo tempo, os fornecedores de soluções evoluíram ou criaram produtos que atualmente são capazes de entregar soluções robustas e maduras para diversos setores antes não atendidos, resolvendo seus principais problemas de negócio.
Essa mudança de contexto vai demandar outro tipo de gestão, organização e pessoas. Entretanto, a mudança nunca acontece do dia para a noite.
Arejando a casa
A transição entre modelos é quase sempre inevitável, e não acontecerá sem atritos. Na verdade, a resistência a mudanças não é sequer uma possibilidade, e sim uma certeza. Por isso, não há dúvidas de que existirão caras fechadas e demonstrações de má vontade.
Maus humores à parte, o modelo precisa mesmo mudar. Muitos executivos de TI estão perguntando se precisam de tantas pessoas em seus times, e a resposta, na maioria dos casos, é “não”. São empresas em que os sistemas próprios chegaram a um limite tecnológico, que já não têm mais a escalabilidade desejada, ou simplesmente chegaram a custo insustentável.
Como já foi dito, quase sempre o mercado oferece uma solução para os problemas do negócio. É verdade que alguns setores estão mais maduros que outros nesse sentido, mas já é possível minimamente compor sua arquitetura com uma mescla de soluções próprias e outras de fornecedores, gerando uma combinação que não só reduz custos, mas também entrega melhores resultados.
Como migrar?
Mudar para um modelo novo não implica em dispensar tudo que remete ao seu antecessor. Pelo contrário, há um aspecto bastante positivo nas empresas que tiveram grandes equipes: muito provavelmente, criou-se um capital intelectual bastante valioso dentro de casa, no qual se formaram pessoas que dominam o negócio e não apenas sistemas. São profissionais que sabem muito bem o que foi feito do ponto de vista sistêmico e estratégico, e se não foram perdidos para a concorrência ou o mercado, é possível otimizar a arquitetura sem perdê-los – mesmo que se trate de uma mudança radical.
No entanto, é preciso ter em mente que as novas soluções vindas de fora são desenvolvidas considerando um processo que não é tão particularizado quanto aquele no qual sua empresa trabalha, e o risco aqui é querer customizar as soluções adquiridas. Quanto mais customização for solicitada, a empresa acaba se vendo tanto sem uma solução própria, quanto sem a solução padrão.
Se estamos falando de uma mudança de arquitetura, automaticamente estamos falando em mudança de processos. Soa óbvio, mas é uma constatação facilmente esquecida e que, infelizmente, vi muitas vezes acontecer. Por isso, as equipes de projeto precisarão ser lembradas, ou mesmo educadas, para o fato de que já não é mais sobre fazer do jeito “que sempre foi feito” ou como cada um acha melhor, e sim se deixar guiar pelo que essa solução recém-incorporada oferece.
Evidentemente, esse é um movimento que traz grandes impactos, até mesmo a ponto de redesenhar o papel de algumas áreas. Por isso, é imprescindível analisar e discutir esses impactos. A TI tem um papel fundamental nesse debate, pois pode agir como facilitadora e levar uma visão transversal e orientada a solução de negócio, em vez uma baseada em mero organograma.
Ao longo dessa discussão, é preciso contemplar formas de aproveitar ao máximo a capacidade intelectual das pessoas que já estão no time, e deixar claro para elas que a migração não vai implicar necessariamente em layoffs. O que deve acontecer é a empresa deixar de ter um grande backlog de melhorias para influenciar mais diretamente o desenvolvimento de um produto e gerenciar os fornecedores.
A análise de como os processos serão impactados traz, ainda, uma provocação para olhar mais a fundo qual é, de fato, o diferencial de sua empresa – ou seja, aquilo que não pode ser substituído, porque aí, sim, você conseguirá defender o que não pode se perder na troca de um sistema. Porém, isso requer uma investigação profunda. “Porque a gente fez assim” não é uma resposta boa o suficiente para justificar a permanência de uma prática. É preciso ir até as raízes do comportamento em questão,
Ou seja: o enxugamento das equipes não é “tendência” por causa de fatores imponderáveis. É uma movimentação estratégica, que deve ser feita de forma transparente e gradativa. O olhar deve estar lá na frente, observando como os colaboradores serão trazidos para dentro dessa movimentação, quais competências a serem desenvolvidas – sim, porque não basta acreditar que a equipe vai identificar e correr atrás por conta própria – e, principalmente, como isso tudo contribuirá para consolidar os resultados da estratégia corporativa.