*Por Wagner Marques
A volta ao modelo presencial de trabalho, seja em caráter híbrido ou integral, tem se mostrado um dos pontos mais polêmicos na gestão de pessoas no cenário atual. Durante a pandemia, a maior parte das empresas destacou as vantagens do trabalho híbrido, chegando a dizer que ele oferecia maior produtividade do que o modelo presencial. Porém, poucos meses depois das medidas de isolamento terem sido abolidas, começou um grande movimento pelo retorno ao modelo presencial, com grandes empresas falando até mesmo em demitir quem se recusasse a voltar ao escritório. Mesmo que isso implicasse em demissões em massa.
O que acontece para termos uma mudança tão grande em um intervalo tão curto de tempo? A aparente contradição levou gestores, empreendedores e trabalhadores a “tomar lados”, e como tem sido nos últimos anos, as defesas apaixonadas por uma opção ou pela outra estão mais baseadas em convicções que em dados concretos. Por isso é necessário tomar um distanciamento emocional e examinar o cenário de modo mais pragmático.
Boa parte das equipes se mostra contrária a abandonar o teletrabalho: um estudo realizado em parceria pela Infojobs e o Grupo RH com mais de mil entrevistados apontou que 64,4% de funcionários de grandes empresas acreditam que a volta ao escritório impacta negativamente sua qualidade de vida. A geração Z se queixa e se organiza nas redes sociais contra o trabalho presencial, dando força a conceitos como quiet quitting (fazer o mínimo necessário para não ser demitido) e grumpy staying (permanecer no cargo, mas manifestando claramente a insatisfação).
O modelo tem, sim, suas vantagens. Quem mora em grandes cidades sofre o impacto das condições desfavoráveis ao deslocamento – e é compreensível que não queiram retomar essa rotina depois de vivenciar a comodidade de trabalhar de casa. Há também questões relativas ao convívio familiar e a um estilo de vida mais saudável.
Fora isso, todos lidamos com comportamentos questionáveis no trabalho presencial. Já tive que me deslocar ao escritório de clientes para “esperar” pelo momento que determinada pessoa conseguiria falar comigo em algo que poderia ter sido resolvido com uma chamada de vídeo. Em situações como essa, existe um motivo real para que o time esteja presente fisicamente ou é simplesmente uma desorganização sistêmica que não permite que se tenha clareza do que deve ser feito, quando e por quem?
Nem todo trabalho é tangível. Parte do que se faz em um ambiente corporativo é determinado por rotinas e cronogramas, mas há atividades importantes que surgem do contato informal, da pausa para um café, do fortalecimento das relações interpessoais. A convivência cria intimidade entre os membros do time, o que facilita ainda mais esse aspecto. O home office é um obstáculo à construção dessa convivência, mas será que obrigar todos a comparecer no escritório por uma quantidade específica de dias por semana contribui para isso? Ou deixa todos mais estressados e distantes uns dos outros?
Parte da exigência das empresas pela volta do home office pode estar associada justamente à dificuldade de organizar o trabalho para permitir que as pessoas planejem adequadamente suas tarefas. A proximidade do presencial atua como uma forma de compensar o caos da desorganização e da ausência de um modelo de atuação que favoreça a autonomia dos colaboradores.
O melhor aproveitamento do modelo híbrido simplesmente desapareceu da pauta corporativa desde a pandemia. Não se fala mais em escritórios inteligentes, equipados com tecnologia específica para hybrid workplace, tampouco em modelos avançados de colaboração entre times híbridos e presenciais. A discussão sobre como criar e solidificar uma cultura corporativa se esvaziou.
Como desenvolver a cultura organizacional com todos distantes? Dado o caráter intangível, as pessoas absorvem a cultura e valores da empresa muito mais apoiadas nas interações com seus colegas do que por políticas, missões estabelecidas e outros artifícios burocráticos. A armadilha aqui é achar que a única interação possível é a presencial. Como escreveu neste mesmo canal meu colega e sócio Ricardo Stucchi, ainda no início da pandemia: “E se você é daqueles que diz que não pode autorizar home office porque ‘a equipe não funciona sem supervisão’, cuidado. Isso expõe um problema de gestão anterior à necessidade do trabalho remoto. Se a equipe não é autônoma, dificilmente a ‘culpa’ está no trabalho feito em casa.”
Precisamos voltar a discutir formas pragmáticas de construir interações em um ambiente remoto para estimular que os valores da organização sejam mantidos. Outro ponto é a maturidade dos times. Profissionais mais seniores naturalmente estão mais inclinados a perceber e assumir responsabilidades e reagir proativamente aos desafios impostos. Mas é preciso ter meios concretos de integrar os recém-ingressados na empresa, especialmente se eles forem profissionais mais jovens.
Claro, algumas tarefas têm um “jeitão presencial”: quem já passou por uma virada de sistema sabe que é bem mais fácil se todos os envolvidos estiverem próximos. Situações como essa sempre estão sujeitas a um grau maior de imprevisibilidade, exigindo um tempo de resposta mais curto e um entrosamento maior da equipe. É possível realizar tudo isso de forma remota, porém há uma exigência de planejar minuciosamente essas interações quando necessárias, prever eventuais riscos, etc. Só que, às vezes, o molho sai mais caro que o peixe, e é mais fácil voltar ao “antigo normal”.
Essas ponderações são importantes, e algumas delas até chegam a aparecer nas discussões sobre o modelo de trabalho a ser adotado. Porém, sem informações concretas, a discussão vai continuar sendo mais conceitual que pragmática. Ou pior: uma guerra de opiniões, com os fatos sendo sacrificados em prol dos achismos. Ou seja, esse debate carece urgentemente de dados.
Empresas podem estabelecer KPIs que as orientam na decisão pelo melhor modelo, inclusive por um que equilibre o melhor do presencial e do remoto. Esses indicadores podem variar, mas é importante que eles estejam subordinados a essas dimensões:
1) O quanto estou querendo o presencial ou híbrido para compensar tarefas desorganizadas ou dificuldades da gestão?
2) O quanto é possível desenvolver cultura e promover a aproximação dos times para gerar intimidade e disseminar a cultura? E, mais importante, que ações além do regime de trabalho devem contribuir para isso?
3) Qual o grau de maturidade do time? Como ele tem reagido a cada regime?
4) Quais entregáveis podem ser considerados para avaliar se a produtividade e a qualidade aumentaram ou diminuíram em determinado modelo?
5) Quanto da tarefa ou do projeto exige imediatismo de diagnósticos e respostas?
A partir desses questionamentos, a empresa pode desenvolver uma escala de indicadores, quantitativos e qualitativos, e orientar sua decisão a partir não de vaidade ou achismos, e sim de valores reais.