*Por Ricardo Stucchi
“Resolver problemas” é uma expressão frequente na gestão de negócios. “Antecipar-se aos problemas” já não é tão comum. Agora, “instituir uma cultura de gestão do conhecimento” … hum… talvez você nunca tenha escutado essa ou, se escutou, provavelmente achou que é só para empresas muito grandes.
A prática da gestão do conhecimento permite que tudo que diga respeito a algum tema corporativo seja não só arquivado e registrado com segurança, mas também disponibilizado de forma amigável ao usuário para os times que precisarem daquela informação no futuro.
Gestão do conhecimento não é um assunto “sexy”, reconheço. A literatura de negócios privilegia manobras arriscadas, investimentos ousados, otimização de custos, mas raramente aborda a documentação em toda a sua complexidade. É compreensível, pois trata-se de algo trabalhoso – e muitos executivos olham para essa atividade como horas improdutivas. Porém, quanto melhor essa gestão é realizada, mais otimizados serão os custos e recursos, mais tempo será ganho no desenvolvimento de soluções, e menos a empresa ficará refém de profissionais que são os “únicos” detentores do conhecimento.
Nas empresas que têm algum desenvolvimento de tecnologia incorporado aos seus negócios, a gestão de conhecimento é imprescindível para garantir agilidade e segurança nas atualizações, bem como para manter a documentação da evolução tecnológica da empresa. Mesmo assim, os organogramas corporativos relegam essa função a uma área burocrática ou a deixam “para quando a equipe tiver tempo” – ou seja, nunca.
Houve um tempo –até o início dos anos 2000 – em que existia uma preocupação de se documentar tudo que fosse possível antes, durante e depois do desenvolvimento de um software. Esse comportamento excessivo resultava em uma burocracia gigante, onde nem tudo o que era gerado tinha razão de ser.
As metodologias ágeis mudaram esse panorama para o bem. E se por um lado houve, sim, ganho de tempo, por outro a documentação foi sacrificada – sendo, muitas vezes, eliminada e erroneamente criminalizada. Em linguagem coloquial, é como se a metodologia ágil assumisse uma postura de “vamos fazendo, não precisamos documentar”. O resultado é a perda do conhecimento ao ponto de, muitas vezes, a única forma de entender e expandir/rever um software é por engenharia reversa de códigos confusos e sem nenhuma lógica sobre o porquê dos comportamentos executados.
Outra consequência é ainda pior: é quando as organizações ficam profundamente dependentes de poucos funcionários com muito tempo de casa, que “não podem” ser demitidos ou promovidos, mesmo que sejam ineficientes ou brilhantes, porque são os únicos que dominam o histórico e o conhecimento daquele produto.
Já estive em empresas onde eram necessárias várias reuniões entre os times de uma área de TI até que se localizasse “o dono” de uma informação para avançar na elaboração ou atualização de um produto. Será realmente necessário explicar o quanto situações desse tipo implicam em ineficiência, desperdício de recursos e afins?
A organização precisa entender o valor do knowledge management – termo também usado pelo mercado. A questão não é ferramental – o mercado está cheio de soluções que podem ajudar a desempenhar um bom trabalho nessa área –, mas de relevância e prioridade. Se for tratada como burocracia, é assim que será percebida, e não trará benefício algum. É preciso ter claro que a informação é um recurso tão valioso quanto os ativos de uma empresa – e precisa ser tratada como tal.
Claro que essa situação não precisa ser permanente: ela se resolve a partir da criação de uma cultura, e para isso, é preciso sensibilizar os times e, principalmente, os executivos.
Como? A primeira maneira é pela dor: basta perder aquele colaborador que conhecia profundamente o sistema e perceber, no dia seguinte, que as operações estão comprometidas. Já vivi muitos casos de ex-funcionários voltando como freelancers, mesmo que temporários, para resolver problemas dessa natureza.
A segunda é menos sofrida: passa por entender a premissa de que, quando se trata de conhecimento, o que é tácito precisa ficar explícito. Quem age por esse viés pode conseguir se antecipar aos problemas decorrentes da falta dessa gestão e tem mais condições de criar uma cultura que sustente isso a longo prazo.
Tão presos ao imediatismo estamos, de modo geral, que propor uma mudança dessas soa revolucionário. E é mesmo. Revolução, vale lembrar, não é jargão de marketing: é a chegada de algo novo que abala, ou mesmo destrói, a estrutura vigente. É uma palavra empregada, muitas vezes, fora de seu contexto real. Mas aqui ela se faz necessária. Só transformando radicalmente a cultura para instituir uma gestão do conhecimento real.
Para isso, é necessário que essa transformação tenha patrocinadores de peso dentro da companhia – essa tarefa não pode ficar nas mãos de um “lobo solitário”, por mais bem intencionado que ele seja. Muito menos pode ficar na mão de pessoas despreparadas para a função, sob pena de termos apenas uma área que gera burocracia sem entregar resultados.
No fim, esse é um trabalho que tem muito mais a ver com qualidade do que quantidade: não é “empilhar” informações, e sim dar uma gestão inteligente a elas, com ferramentas corretas, priorização do que é mais crítico para o negócio, com qual nível de detalhe será necessário e criando um sistema que seja amigável ao usuário. Tudo acompanhado de conscientização, treinamento e cobrança, claro.
Gestão do conhecimento é um desafio, e esse artigo não se propõe a resolvê-lo na íntegra. Mas é preciso pensar nos caminhos para deixarmos esse atraso para trás. É fato: em culturas que valorizam o resultado imediato, a gestão de conhecimento nunca será valorizada. Não seja essa empresa. A pressa passa, mas o mau resultado e os estragos permanecem.