A utopia da TI que não apaga incêndios

Escapar do imediatismo é um sonho da área da tecnologia, mas mesmo uma área 100% planejada e estruturada vai ter que atender demandas urgentes – ela só tem que fazer isso sem onerar a si mesma

*Por Sergio Lozinsky

Se a TI quer ser estratégica, ela não pode ficar refém da operação. Porém, durante a apuração e análise dos dados da última edição da pesquisa Jornada CIO, realizada pela Lozinsky Consultoria, identificamos que esse é um aspecto ainda conflituoso na mente dos líderes de TI das grandes empresas nacionais. Boa parte deles acreditam estar presos em um ponto intermediário entre uma atuação planejada e uma cultura reativa.

Para 42% dos CIOs respondentes, a TI “tem atuação predominantemente alinhada com o planejamento, mas precisa responder a demandas urgentes”. Outros 38,24% dizem estar “empreendendo esforços para migrar de uma atuação imediatista para uma mais orientada a planejamento”. À primeira vista, orientar-se pelo planejamento e deixar de apagar incêndios o tempo todo parece ser o Santo Graal do líder de TI, tanto que os percentuais foram semelhantes na edição anterior da pesquisa (47,5% e 32%, respectivamente).

Porém, um dos aspectos que faz parte da natureza da gestão de TI é, justamente, ser capaz de resolver desafios inesperados. A maior probabilidade é que a TI sempre tenha algum caso urgente ou demanda não programada exigindo atenção – e não necessariamente por razões de ordem técnica. A própria dinâmica do mercado, quando afeta o negócio, pode ser a causadora de tais circunstâncias.

Por exemplo, a organização pode identificar que está perdendo competitividade devido a preço ou questões de eficiência. Se ela entende que essa é uma questão urgente para o negócio, a TI certamente terá que se envolver, seja produzindo informações que ela não tem à mão em seu cotidiano, seja criando uma funcionalidade adicional nos sistemas para acompanhar o processo de venda como um todo.

Diante disso, é possível afirmar que a TI jamais vai poder viver só de planejamento. Isso não quer dizer, no entanto, que ela precise lidar com “incêndios” perfeitamente evitáveis, muito menos que ela não consiga preveni-los.

A causa do fogo

“Incêndios” são mais frequentes quando a arquitetura tecnológica (sistemas + integrações + infraestrutura + segurança) não está adequada ao negócio. Nesses casos, um dilema se apresenta: quanto mais as demandas não previstas se acumulam, menos tempo sobra para planejar para evitar tantas urgências. Isso instaura um ciclo vicioso, capaz inclusive de criar uma cultura reativa que leva à descrença no planejamento. Afinal, “pra que planejar se sempre vamos ter que resolver as coisas de última hora?”.

Como eu disse antes, não é possível evitar 100% das demandas imprevistas, mas é certamente viável montar uma TI em que o dia a dia onde o “não-planejado” ocorre em um nível aceitável – isto é, sem comprometer seriamente a rotina. Tanto é assim que algumas empresas prevêem em orçamentos de TI uma quantidade de horas no ano para justamente lidar com o imponderável. 

Nem sempre isso é fácil, porque planejar as eventualidades que podem acontecer significa, muitas vezes, ter um headcount um pouco maior do que o estritamente necessário, ou acordos específicos com fornecedores para assegurar a disponibilidade e o pronto atendimento em casos de necessidade. Isso pode prejudicar em alguma medida o volume de investimentos que a TI será autorizada a executar no ano, já que a área terá de reservar parte do orçamento para lidar com situações que talvez não venham a se concretizar.

Além disso, mesmo o melhor planejamento não consegue antever com exatidão a complexidade do desafio que pode vir a se apresentar. Cinco anos atrás, havia empresas que apresentavam bons planos de continuidade de negócios, e mesmo elas foram surpreendidas pela pandemia da Covid-19. Claro, algo dessa natureza não tinha precedentes na história recente, e seria, realmente, difícil de imaginar naquele momento.

Como algum grau de imprevisibilidade sempre estará presente, a experiência do líder da área é decisiva na hora de definir a estrutura e as ações preventivas.

Essa bagagem contribui para a definição de ideias mais realistas sobre o tipo de situação que pode comprometer o dia a dia, considerando a natureza do negócio, os movimentos do mercado e a arquitetura tecnológica vigente.

Missão conjunta

Ao conhecimento acumulado pelo CIO soma-se outro fator, igualmente essencial, para se antecipar aos riscos: a governança. Ela é o melhor atenuante para lidar com surpresas, determinando os investimentos e os custos de tecnologia na organização, de maneira a corresponsabilizar cada área usuária.

Muitas TIs acabam absorvendo esse custo adicional sozinhas, como se lidar com as intempéries do mercado ou do negócio fosse exclusivamente de sua responsabilidade. Se houver algum tipo de alocação de custos e responsabilidades nas áreas de negócio, será muito mais factível lidar com problemas inesperados que afetam o core business.

Evidentemente, estamos falando de áreas de tecnologia com elevado grau de maturidade, que estão posicionadas de forma estratégica na organização e já estabeleceram parcerias com as demais áreas da empresa. Esse é um reconhecimento pelo qual a TI não deve esperar, e sim trabalhar por ele, mostrando iniciativa nas ações que contribuem para o negócio. Sem fazer essa lição de casa, ela continuará a ser percebida como mero suporte para as operações essenciais.

Essa construção não é feita aos saltos, e sim com consistência, às custas de um trabalho diário onde a governança pauta a eficiência e a excelência das entregas.

Sem medo da responsabilidade

A maior dependência da tecnologia, que aconteceu nos últimos anos, elevou o grau de exigência das outras áreas da empresa para com a TI. Se por um lado isso colaborou para maior visibilidade e relevância da área, por outro reforçou a ideia de que a tecnologia conseguiria responder a “todos” os problemas de modo imediato. 

A adoção da inteligência artificial tem sido um bom exemplo dessa mudança de percepção. É muito difícil encontrar uma TI que não esteja sendo cobrada para trazer algum plano de IA para a empresa em pouquíssimo tempo. A maioria está preparando uma lista de oportunidades, mas não é isso necessariamente que vai trazer resultados para o negócio.

O que vai trazer resultados é uma análise detalhada e realista de quais oportunidades são pertinentes, considerando tudo o que seria necessário em termos de investimentos e processos para executá-las. E isso é algo que não pode ser feito com caráter imediatista.

Esse momento é mais uma evidência de que a discussão entre pressões do negócio e realidade da tecnologia ainda vai perdurar por um bom tempo. Mas uma coisa é certa: a maturidade vem antes do planejamento. E isso começa com o CIO: ele precisa desenvolver autocrítica e autoconhecimento para lidar com suas restrições e explorar seu potencial e o de sua equipe.

Gosto muito de citar um caso que presenciei em uma grande empresa de varejo. Faltando três semanas para o Natal, a equipe de marketing apresentou uma ideia que, no entender deles, seria um grande alavancador de vendas. O CIO respondeu: “sim – para o Natal do ano que vem”.  Era algo absolutamente impossível de ser realizado naquele prazo. Ser, portanto, consciente das limitações – técnicas ou de negócio – e saber defendê-las diante de pressões irrealistas é um grande sinal de maturidade. Assim como o é negociar as condições para que uma ideia hoje inatingível se torne realizável no futuro.

Se há um “santo Graal” a ser buscado, é esse: a combinação de planejamento, maturidade e governança.

artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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