A falha essencial das políticas de ESG

As práticas de responsabilidade social, ambiental e de governança se perderam em meio a discurso vazio e burocracia, mas sua essência é estratégica e precisa ser recuperada

*Por Sergio Lozinsky

Desde o final do ano passado, os portais dedicados a negócios e finanças têm falado em “fim do ESG”. As ações tomadas pela atual gestão nos Estados Unidos, que eliminou práticas e financiamentos para iniciativas de diversidade, sustentabilidade e semelhantes, intensificou esse discurso. Na sequência, grandes empresas anunciaram medidas semelhantes em suas políticas corporativas.

Como costuma acontecer com esses arautos do fim, há uma dose de verdade e outro tanto de exagero nessa afirmação. Antes de mais nada, é importante dizer que o ESG já vinha perdendo força na agenda corporativa havia algum tempo e, ainda no final de 2023 e no começo de 2024, já víamos veículos prestigiados, como Forbes e The Wall Street Journal, sinalizando o declínio dos investimentos e das iniciativas atreladas à essa agenda corporativa.

Uma pesquisa conduzida anualmente pela Universidade de Stanford (EUA) deixa evidente que o interesse e o foco nas políticas de meio ambiente, sustentabilidade e governança foram despencando. Em 2022, 44% dos entrevistados diziam ser “extremamente importante” que empresas de investimento usassem sua influência e poder de voto para alavancar políticas ambientais nas empresas favorecidas. Em 2024, esse número não passava de 11%. Nos temas governança e impacto social, a queda foi ainda mais brusca: de 47% em 2022 para 7% no ano passado.

O que aconteceu? O mundo corporativo ficou mais indiferente a questões importantes para a sociedade e para a responsabilidade corporativa? Ou há outras razões para esse declínio?

Muito discurso para pouca prática

A pergunta é retórica, obviamente. Há outras razões para essa queda, e se for necessário um resumo simplista, podemos dizer que o declínio do ESG deve-se ao fato de que suas políticas trouxeram pouquíssimos resultados palpáveis para as organizações.

O ESG encaixa-se na cada vez mais longa série de boas ideias que foram mal executadas. Temos uma longa tradição de tendências que nascem de intenções legítimas e nobres, mas que muito rapidamente são cooptadas para, por exemplo, satisfazer agendas pessoais, gerando oportunidades de ganho individual de prestígio e poder. E não há agenda corporativa que prospere quando a vaidade pessoal reina.

No mundo ideal, o ESG deveria envolver ações transformadoras e responsáveis integradas à cultura e aos processos das empresas. No entanto, da maneira como foi adotado em muitos casos, tornou-se mais um elo na longa corrente de burocracia que atravanca os negócios. Em vez de pensar em estratégias para fazer essa transformação cultural, as gestões engordaram seus organogramas com departamentos mais preocupados com a manutenção de sua agenda e seus privilégios.

Pensemos em uma hipotética entrevista para um cargo executivo responsável por um dos pilares do ESG. Digamos que a primeira pergunta fosse “qual seu maior objetivo caso assuma essa posição?” Apenas uma resposta seria justa: “que meu cargo não seja mais necessário daqui a dois anos”.

A missão de uma liderança de ESG é introduzir essa nova mentalidade de tal maneira que sua área deixará de ser necessária, pois a responsabilidade socioambiental e a governança ética já terão sido incorporados ao DNA das empresas.

Porém, o que vimos como regra foi justamente o contrário: a perpetuação de cargos e departamentos que retiveram sua posição e usufruíram das benesses, sem apresentar resultados concretos. Foram casos em que essas áreas tinham tamanha influência que chegavam a ter poder de veto em ações estratégicas, remando contra a própria natureza do negócio.

Nem tudo é equívoco

Mesmo com poucos resultados tangíveis, as organizações sustentaram o ESG em seus quadros por algum tempo. Enquanto foi algo que entendiam como necessário para manter as aparências, esse status quo se manteve. Mas, quando o tema deixou de ser crítico para a imagem da empresa, e as lideranças viram que os responsáveis deixaram a desejar em suas promessas,  tudo começou a cair por terra. 

Há uma premissa nos negócios: empresas não abandonam iniciativas que são lucrativas ou que lhes trazem benefícios. Só que pouco do “marketing” atrelado ao ESG se comprovou na prática. Isso quer dizer que esse movimento todo foi um furo n’água? Não. Muito pelo contrário.

A disseminação dos conceitos atrelados ao ESG desempenharam um papel de conscientização para temas ambientais, sociais e de governança. O que faltou quase sempre foi atrelar um pragmatismo a elas. Diversidade, por exemplo, é bem-vinda, mas precisa estar vinculada também a mérito e capacitação. Políticas ambientais fundamentadas e bem aplicadas vão representar menos impacto ambiental e menos desperdício, mas não podem estar dependentes de burocracia congelante. Sempre que tais premissas forem apartadas umas das outras, teremos prejuízo para toda a cadeia dos negócios e, o pior, constataremos a nossa incapacidade de fazer vingar ideas e medidas que importam.

Perpetuação e perenidade

Antes que o ESG se tornasse “a bola da vez”, muitas empresas já publicavam em balanço as suas contribuições sociais e ambientais. Era algo que estava naturalmente inserido em suas culturas. Essas empresas certamente não abandonarão o ESG. Igualmente, havia empresas que praticavam uma governança responsável, e não deixarão de fazê-lo porque o tema saiu dos holofotes.

Isso quer dizer que empresas que implementaram e incorporaram uma cultura de responsabilidade social, ambiental e de governança estão imunes a qualquer hype que possa surgir. E uma cultura sólida só é construída a partir de um propósito bem definido. Por essa razão, o ESG depende diretamente do propósito da organização para ser eficaz.

A liderança tem papel fundamental tanto na definição desse propósito como nas construções feitas a partir dele. Quando o objetivo é apenas assegurar o lucro e o bônus no final do ano, não há como qualquer política de ESG funcionar. 

O ESG deve ser entendido como um conjunto de práticas que elevam a perenidade da empresa, garantindo que ela esteja aqui daqui a 100 anos. Já cheguei a discutir isso em um artigo anterior, e até em um podcast. Minha mensagem  sempre foi a de que o ESG contribui diretamente para a evolução estratégica das empresas. Se bem aplicado, pode motivar mais discussões sobre melhorias de processo, gestão estratégica e outros assuntos.

O declínio do ESG, se é que podemos chamar assim, é uma oportunidade propícia para as empresas revisarem seu propósito, suas práticas e até seus organogramas. Aplicado como se deve, o conceito tem potencial de consertar falhas estratégicas graves da empresa, em vez de perpetuá-las. É hora de mudar.

artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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