Futuro do profissional de TI, trabalho

A profissão do futuro é pensar

Com as novas tecnologias, ficamos mais próximos de atividades de inteligência que da execução operacional de tarefas. Com isso, a entrega de resultados é mais importante que a duração da jornada 

por Ricardo Stucchi

O mundo do trabalho está em transformação acelerada, na medida em que se aprofunda a digitalização das empresas e de seus serviços. Em um cenário com mais automação, sobrará espaço para o ser humano?

Futuro do profissional de TI, trabalho, profissão
Ricardo Stucchi – Sócio-consultor
Mais de 20 anos de atuação na área de TI. Trabalha intensamente para dar respostas a problemas complexos dos clientes.

Na entrevista abaixo, Ricardo Stucchi, sócio-consultor da Lozinsky Consultoria, analisa a era do pós-emprego, conceito em que o trabalhador deixa de ser remunerado pelo tempo cedido à contratante, para ser reconhecido pelo impacto que gera no negócio.

Para Stucchi, essa transformação já começou, ganhou força com a pandemia de Covid-19, mas ainda levará anos para se tornar predominante. Confira.

O que é a era do pós-emprego?

O modelo de trabalho mudou mais nos últimos meses do que na última década. Impulsionados pela pandemia, as empresas e os profissionais desenvolveram a capacidade de identificar quando podem prestar um excelente trabalho estando em home office. Perceberam que podem entregar um resultado diferente daquele obtido com a presença física em um escritório, todo dia, das 9h às 18h.

Com isso, nos aproximamos do pós-emprego, um modelo em que o profissional passa a ser remunerado por aquilo que entrega, pelo impacto nos negócios de quem o contratou.

Neste cenário de pós-emprego, as empresas entendem que tipo de inteligência devem manter dentro de casa e que tipo podem contratar de fora. Acredito que o objetivo deva ser sempre manter em casa quem traz um diferencial, e buscar fora o que pode ser mais commodity.

Onde isso é mais evidente?

Nos ambientes de tecnologia das empresas. Muitas áreas de TI trabalham orientadas a projetos ou produtos. Precisam montar times de dois meses, seis meses, dois anos. Esse modelo de contrato já é diferente do habitual, da carteira assinada sem tempo determinado.

Mas tem ainda mais diferenças. Às vezes a área precisa de um apoio específico, e recorre a quem? Às consultorias, que têm como função justamente agregar inteligência e estratégia ao negócio de quem as contrata, a partir de projetos com começo, meio e fim ou em situações de crise na qual a atuação de um especialista de forma pontual é a melhor solução.

Isso vale para empresas de qualquer tamanho?

Sim, mas com diferenças quanto à capacidade de remuneração, claro. Muitas empresas de pequeno e médio porte têm revisto seus modelos de sociedade, adotando a remuneração variável para as pessoas se sentirem donas de seu emprego e serem recompensadas com o crescimento do negócio.

É o caso de startups, nas quais muita gente trabalha em troca de participação, diante da expectativa de que a empresa seja vendida ou faça um IPO e quem sabe se torne o tão sonhado unicórnio.

E o que os profissionais querem?

Tem gente que está ligada e interessada nessa tendência; e tem quem prefira o emprego tradicional. 

Os que anseiam por um modelo flexível costumam ser mais afeitos a desafios. São pessoas inquietas e questionadoras, que pensam em fazer algo criativo, com forte viés de eficiência e eficácia. Quem não se pergunta a razão de fazer alguma coisa já está fora desse cenário.

São profissionais que desejam entregar algo que não é trivial. Não basta trabalhar 10 horas para ganhar 10 vezes mais. A meta é ser extremamente assertivo. Se o trabalho foi de apenas 2 horas, mas a entrega foi genial e deu um resultado explosivo, excelente. O que importa é o resultado.

Quem deseja um trabalho assim coloca o futuro em risco?

Meu ponto de vista é que o modelo tradicional, baseado em acompanhar a rotina diária do profissional, reduz o ser humano a máquina.

Tem uma história muito interessante na biografia de Leonardo da Vinci. Ele já era famoso quando foi chamado para pintar A Última Ceia. Quem o contratou resolveu capitalizar e cobrar ingresso de quem quisesse assistir ao gênio trabalhando. Mas aí percebeu que o trabalho dele não seria nada linear. Tiveram que avisar os interessados que não havia garantia que o Da Vinci apareceria. Se aparecesse, não podiam garantir que pintaria. O trabalho, afinal, era criativo, e ele poderia ficar a maior parte do tempo imaginando o que fazer, e executar no ritmo que considerasse adequado.

Hoje em dia isso se massificou. Para muitos trabalhos, a produção não é linear, e essa cobrança de produtividade não faz sentido com base em horários.

Significa que o modelo tradicional de trabalho vai acabar? Não. O emprego tradicional ainda está numa curva ascendente, e não sei se o Brasil vai mudar para o outro lado tão cedo, por diversos fatores econômicos e sociais.

Na área de tecnologia, o pós-emprego é mais viável. O trabalhador que fica olhando o painel vai desaparecer para a automação. Os cargos ocupados dessa forma só existem porque ainda é mais barato preenchê-los com seres humanos do que com sistemas de inteligência. É isso o que ainda segura a eliminação de empregos repetitivos.

À medida que a tecnologia vai encampando as tarefas previsíveis, aos poucos libera as pessoas para pensar. A profissão do futuro é a profissão do pensar.

Leia mais:

Saúde mental: o trabalho está nos deixando doentes?

Quem quer liberdade e autogestão?

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