home office, trabalho remoto, planejamento estratégico, gestão de TI

A volta ao escritório é inevitável, e isso pode ser bom para todos

O modelo de home office integral não se mostrou sustentável ou maduro o suficiente para trabalharmos com saúde e eficiência. Será, então, a hora de voltar ao escritório?

por Renato Maio

Até quando resistirá o home office? Durante a pandemia, ele foi, inegavelmente, a melhor solução para manter as operações. Porém, agora que as restrições sanitárias diminuem e a segurança imunológica proporcionada pela vacina aumenta, faz sentido continuar com esse modelo?

A pergunta não é mera provocação. A volta aos escritórios está na pauta de quase todas as grandes empresas, e muitas delas já estão colocando-a em prática. Em abril, o Google convocou todas suas equipes dos escritórios nos Estados Unidos, Reino Unido e Ásia para retornarem, ainda que em modelo híbrido. A gigante da tecnologia foi uma das primeiras empresas a adotar o trabalho remoto para a maioria de sua força de trabalho, então a decisão pegou muita gente de surpresa. A maior parte dos grandes bancos já está operando em modelo 100% presencial, prática adotada também por diversos órgãos públicos do Legislativo e do Judiciário. O setor hospitalar abandonou o back office remoto.

A It’sSeg, corretora que está entre as maiores gestoras de benefícios do país, fez um levantamento com 81 empresas de médio e grande porte, e constatou que 62% delas pretendem retomar o trabalho presencial em 2022. A startup de recrutamento Revelo fez um levantamento mais ambicioso: pesquisou mais de 24 mil companhias, a maioria na área de tecnologia, e identificou 61,8% com planos de abandonar definitivamente o home office.

Por outro lado, há um grande número de profissionais que não estão confortáveis com a mudança. Uma pesquisa da Microsoft sobre tendências de trabalho no Brasil identificou que 58% dos profissionais querem permanecer em home office ou adotar o modelo híbrido nos próximos meses. Não é distante da média mundial: a Microsoft realiza essa pesquisa em diversas localidades, e a média aferida foi de 57% de pessoas que preferem não regressar integralmente ao escritório.

Estariam as grandes empresas ignorando as necessidades de suas equipes, correndo o risco de perder profissionais? Ou seria o caso de os trabalhadores estarem alienados da realidade do trabalho? Essas perguntas não têm respostas simples, mas uma coisa é certa: o home office não vai se sustentar como modelo majoritário.

Resultados ilusórios

Na minha visão, as empresas perderam muita eficiência e sinergia dos colaboradores durante estes dois anos de home office.

A percepção geral, de gestores e colaboradores, é que a produtividade aumentou, mas isso é bastante questionável. Primeiro porque não temos indicadores que permitam comparar se efetivamente tivemos maior produtividade durante a pandemia; segundo porque trabalhar mais horas, muitas vezes às custas da saúde mental, não é sinônimo de ser produtivo. 

O cérebro criativo não gosta de ficar o tempo todo na frente de uma tela. Relatos de depressão e burnout se multiplicaram, mas, a partir do que observei em diversas empresas, quem exercia atividades mais operacionais sofreu menos impactos de saúde mental. É óbvio que ambos os perfis são imprescindíveis para qualquer empresa, mas se uma parte significativa – ainda mais aquela responsável por desenvolver ideias e propor inovações – é seriamente afetada, o modelo precisa ser questionado.

O problema é ainda mais profundo, e são muitos os fatores que o agravam. Encontramos, de maneira geral, uma TI que está aquém do ideal. Quando a pandemia bateu à porta, a TI teve que se movimentar para garantir a sobrevivência da rotina operacional. O que aconteceu em seguida foi o esforço na manutenção dessa rotina de forma remota. Salvo alguns exemplos de empresas que tiveram transformações positivas, mas, às vezes, aquém do ideal, a arquitetura tecnológica (sistemas e infraestrutura) e os processos de negócio, em muitos casos, seguiram sem oferecer condições para inovar no esquema de trabalho remoto, conseguindo apenas dar seguimento aos processos já adotados.

Ou seja, enquanto o home office veio, muitas vezes, acompanhado de um represamento de investimentos e de restrições para se trabalhar, uma abordagem atual mais próxima ao presencial sugere a retomada de um novo patamar de eficiência no pós-pandemia, algo que as organizações já tinham idealizado, mas tiveram que esperar.

Aliás, eficiência é um processo diário. Evidentemente, há aqueles momentos em que grandes investimentos são feitos para favorecer um salto evolutivo nesse processo, mas uma cultura de eficiência se constrói diária e gradativamente. A pandemia forçou uma pausa nesse processo, e também nos planos estratégicos. O que está acontecendo agora, neste aspecto, é que as empresas estão retomando tudo isso de onde haviam parado quando o coronavírus chegou.

O que estava imaturo, ou ainda em desenvolvimento, assim permaneceu pelos últimos dois anos. Por isso também que vimos tantos problemas de gestão de pessoas: se a liderança não funcionava presencialmente, como iria dar certo de forma remota? Líderes com a mentalidade “você só está produzindo se eu estiver vendo” não souberam lidar com suas equipes, ou as submeteram a grande pressão, ou simplesmente não foram capazes de geri-las. Da mesma forma, os colaboradores que não sabem trabalhar a não ser sob supervisão constante sentiram-se à deriva.

Pode-se argumentar que esses perfis não poderiam mais existir, e que todos deveriam ser completamente autônomos e saber agir conforme suas responsabilidades e deveres. Porém, o comportamento humano tem complexidades e sutilezas demais.

As teorias X e Y, desenvolvidas por Douglas McGregor na década de 1960, não são guias de comportamento, mas sim importantes pressupostos sobre a natureza das pessoas no ambiente profissional. A teoria X sugere que os funcionários não trabalhariam, se assim pudessem, e só o fazem pela obrigação de ganhar seu sustento. Dentro dessa lógica, tanto punições como premiações são essenciais. Ela parte do princípio de que as pessoas desejam ser dirigidas, pois assim sentem que têm estabilidade e segurança.

Já a teoria Y preconiza o trabalho como algo natural, prazeroso. Os funcionários teriam, nesse caso, interesse genuíno na área que atuam, e o fazem com disposição. Nesse caso, caberia à empresa dar condições a essas pessoas para que elas possam desenvolver seu talento. A responsabilidade e a autonomia viriam em consequência disso.

Ambos os perfis se fazem presentes em todas as organizações, e não cabe aqui juízo de valor sobre um ou outro. O que realmente importa é que a liderança precisa desenhar e promover o ambiente organizacional adequado para utilizar o potencial humano disponível da melhor forma possível. 

Agora, pare e pense: se já não sabíamos equacionar a gestão para identificar e gerir os talentos X e Y no ambiente corporativo presencial, será que aprendemos a fazê-lo no remoto? Minha resposta é “não”. Da mesma forma, perdemos de vista o processo de aculturamento e mentoria dos novos colaboradores, e também perdemos muito do senso de pertencimento, mesmo com muitas empresas se desdobrando para oferecer alternativas online de socialização e integração das equipes.

Houve uma perda de sinergia notável entre os colaboradores, e também uma perda da “leitura fina” dos elementos não-verbais nas conversas, restritas a uma troca entre telas que nem mesmo pode ser chamada de “olho no olho”. No modelo presencial, não se negociam apenas contratos, mas ideias.

Por isso, insisto: o modelo presencial vai retornar. As empresas que defenderam radicalmente o teletrabalho integral podem relutar mais, mas elas deram um “tiro no pé” ao proferir discursos inflamados. O que vai determinar a velocidade desse retorno é o perfil do negócio e o perfil da alta liderança

Outro fator que vai acelerar esse retorno é o quão distantes essas empresas estão dos objetivos que tinham antes da pandemia. E por mais que muitos queiram permanecer em casa, chegará o momento em que não terão muitas opções a não ser regressar ao escritório, mesmo que no modelo híbrido (que também merece uma discussão aprofundada, mas em um futuro artigo).

O trabalho 100% remoto ficará restrito a atividades profissionais muito específicas e, ainda assim, dentro de determinados setores.  Está provado que esse modelo, se adotado como regra geral, tem impactos sérios em saúde mental e produtividade. 

O “novo normal” não se sustentou e virou uma anormalidade. É hora de começar a pensar o que deve ser o normal – mas, para isso, precisamos negociar ideias dentro de casa.

Leia mais:

O que eu vou fazer quando a pandemia acabar?

Saúde mental: o trabalho está nos deixando doentes?

artigo assinado por

Renato Maio

Sócio-fundador
Especialista em desenvolver projetos em organizações multiculturais e globais, atuando com gestão de mudanças e impactos organizacionais.
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