Embora “data driven” tenha sido palavra de ordem nos últimos anos, a cultura de dados ainda é recente, e precisa responder a algumas perguntas-chave para evoluir
*Por Sergio Lozinsky
A percepção dos dados como um dos elementos mais valiosos para uma organização é recente. Por isso, é compreensível que eles ainda não estejam sendo plenamente aproveitados. Ainda vivemos sob a influência de um modelo no qual a busca da TI era por bons sistemas para automatizar os processos corporativos. Ou seja: as arquiteturas eram construídas privilegiando os processos e tratando os dados como elementos dos processos. Esse é o modelo ainda vigente na maioria das empresas contemporâneas.
Em 2006, o matemático inglês Clive Humby declarou que “os dados são o novo petróleo”. Quando essa frase foi reapresentada na edição de 2017 da feira global da National Retail Federation (NRF), o maior evento varejista do mundo, ela se tornou praticamente um mantra para todo o mundo dos negócios. Porém, as organizações foram descobrindo o quanto era difícil acessar os dados que coletavam e transformá-los em informações úteis. Isso acontecia porque as arquiteturas eram árvores que começavam em processos e terminavam em dados. Em outras palavras, os dados eram um componente, um elemento transacionado pelos processos.
Isso não quer dizer que esse era um modelo equivocado. Pelo contrário: naquele momento, as empresas entendiam que precisavam se tornar mais eficientes e competitivas. Para tanto, precisavam de mais automação e maior controle em seus processos. Só que nos anos recentes, o mercado se tornou ainda mais dinâmico, global e concorrencial, tornando crítica a questão do tratamento inteligente dos dados. Em alguns casos, ela se configura um gargalo, impedindo a empresa de avançar no ritmo desejado.
Uma arquitetura de sistemas baseada em dados requer inteligência, tanto no sentido ferramental quanto estratégico. Isso depende do tipo de informação que a empresa necessita e da criação de meios fáceis de acessá-la. Não é mais possível apostar no modelo que trata o dado como uma espécie de “consequência natural” dos processos, sem contemplar a extração e análise.
Contudo, antes de adotar um modelo que priorize os dados, a TI e o negócio devem responder a uma pergunta essencial: que tipo de informação meu negócio precisa para tomar melhores decisões? A resposta é menos óbvia do que se imagina, pois é preciso não apenas listar as possíveis informações necessárias, mas também verificar como cada uma se correlaciona, que tipo de mosaico essas interligações vão desenhar.
Tomemos uma grande rede de varejo como exemplo. Se ela está em todo o território nacional, é preciso saber o perfil do consumidor de cada loja, considerando que as regiões têm diferentes variáveis: poder aquisitivo desse consumidor, seu interesse ou desinteresse por produtos específicos, sazonalidades locais que podem influenciar os hábitos de consumo, entre outros. Além disso, há dados sobre o próprio negócio que precisam entrar na equação, como custo logístico, tempo entre a compra do fornecedor e sua chegada até as prateleiras de cada loja, entre outros pontos.
A leitura analítica e cruzada dessas informações vai orientar essa rede sobre o que comprar, onde e como. Vai também direcionar seus esforços de marketing, atendimento ao cliente e gestão de pessoas.
Demorou até que o mercado dispusesse de ferramentas adequadas para facilitar essas leituras, mas hoje já são encontradas boas soluções, algumas de eficácia longamente comprovada. Elas são capazes de varrer e identificar os dados, estejam onde estiverem. A partir dessa varredura, é possível gerar um dashboard com as informações verdadeiramente relevantes para a tomada de decisão.
É muito fácil dizer que dados são fundamentais para tomar uma decisão. Mas é preciso frisar que, mesmo com todo o hype que se formou em torno deles, a cultura de dados é recente e não foi suficientemente testada. Tanto que as empresas continuam fazendo experimentações, buscando uma cultura mais sólida e uma inteligência mais madura.
Vemos empresas que estão criando áreas de BI (business intelligence) com pessoas responsáveis por minerar dados, entrevistando áreas de negócios e propondo soluções. Todavia, na minha experiência, a maioria dessas iniciativas acaba por ser percebida como uma aventura cara e de pouca eficácia, causando conflitos com outras partes do negócio e sendo extinta como consequência.
Outras companhias optam por colocar um profissional de dados em cada área, esperando que traduza os processos em informações importantes. É uma solução interessante, mas que perde por não oferecer uma visão global da inter-relação entre as áreas.
Há, por fim, empresas que até conseguiram encontrar uma ferramenta de exploração de dados adequada às suas necessidades e são capazes de extraí-los de forma eficaz. Apesar desse ótimo começo, muitas se perdem ao longo do processo, criando uma espécie de “Frankenstein de dados”, composto por diversos relatórios que chegam a ser inconsistentes entre si, por conta de que também é preciso estabelecer uma boa governança dos dados como parte dessa iniciativa.
Na prática, confia-se mais na experiência de alguns gestores do que em uma estrutura formal, o que acaba gerando uma proliferação de planilhas redundantes criadas a pedidos desses profissionais. Esse personalismo se vê até mesmo nas empresas que investem em bons sistemas.
Todos esses cenários são exemplos do quão pouco estabelecida está a cultura de dados, apesar de sua evolução e progresso real nos últimos anos. Falta uma estrutura formal que organize não só a extração dos dados, mas a análise e o compartilhamento deles com as partes envolvidas. Mas apesar de persistir uma valorização do intuitivo sobre o pragmático, há uma mudança em curso. Os passos serão suficientemente firmes quando o real valor de uma arquitetura de dados para tomada de decisões for totalmente compreendida pelos escalões mais altos – esse patrocínio é um dos elementos que faltam para acelerar o uso dos dados como ferramenta estratégica para formulação de planos e para decisões.