“Quem não compreende um olhar tampouco entenderá uma longa explicação.”
Provérbio árabe
Discutir o percurso do cliente dentro das organizações em prol de sua longevidade e do incremento das vendas tem adquirido relevância nos últimos anos. Mas o tema não é novo. Em 1924, William W. Towsend, em seu livro “Bond Salesmanship”, classificou consciência, opinião, consideração e preferência como questões relevantes nas relações comerciais. No entanto, foi em 2009 – quando do registro da expressão ‘jornada do cliente’ pela consultoria americana McKinsey – que o tema adquiriu proporções até então pouco exploradas nas empresas – em especial nas organizações de Saúde.
Nos dias de hoje, em meio a democratização do acesso à informação e canais de comunicação cada vez mais independentes, consumidores engajados estão no centro dos negócios. Para os profissionais de marketing, mapear e decifrar a qualidade das interações de seus públicos com suas marcas tem sido uma prática e um desafio permanentes. Estruturas e orçamentos com projetos específicos estão voltados para a compreensão das nuances dessa relação, basicamente como introduzi-la em processos de melhoria contínua e análises preditivas que decifrem comportamentos e tendências de mercado, sempre em busca do aumento da satisfação e garantia da sustentabilidade. A regra é viver a experiência dos clientes, demonstrar responsabilidade e compromisso com essa relação e, acima de tudo, estabelecer laços emocionais com seus desejos e desconfortos.
A consciência, opinião, consideração e preferência vaticinadas por Townsend no início do século XX se incorporaram ao dia a dia das pessoas e suas jornadas, e hoje reverberam na estratégia das organizações. Mas afinal, como se dá o protagonismo do cliente quando submetido ao mundo da Saúde? Quais limites determinam a expectativa de um indivíduo que não está à espera de um produto ou serviço de prateleira, mas do cuidado com a sua própria vida ou de um familiar?
Diferentemente do consumidor que adentra um estabelecimento comercial, o cliente da Saúde faz com que os profissionais da área lidem com particularidades exclusivas do setor. A experiência do cliente de uma instituição de Saúde muitas vezes se dá em condições que significam o bem-estar de familiares, e como compreendem a percepção da instituição ao tê-los nessas condições. Muitas empresas sequer possuem uma compreensão clara do significado dessa experiência. Elas praticam o cuidado segundo sua cultura e estrutura organizacionais, valendo-se de profissionais aguerridos apoiados por processos – frequentemente, empíricos – e protocolos clínicos.
Segundo Jason Wolf, CEO do Beryl Institute, apenas 45% dos hospitais norte-americanos e 35% dos localizados fora dos Estados Unidos possuem uma definição formal de experiência do paciente. Conceituar internamente essa condição e estabelecer suas fronteiras de atuação permanecem sob discussão e não há nada conclusivo sobre o melhor modelo. Para o Beryl Institute, “é a soma de todas interações desenvolvidas por uma cultura organizacional que influencia a percepção do paciente através de toda a sua linha de cuidado”.
Em tempos de busca da máxima eficiência e redução dos custos da Saúde, introduzir na equação a complexidade da odisseia do humano quando defrontado com sua fragilidade, finitude e valores resguarda a essência da prática do cuidado e fortalece a sua própria eficácia. O tom filosófico se converte em uma interrogação pragmática: como antecipar ou mediar conflitos oriundos da decisão de pacientes que contrapõem protocolos clínicos ou terapias baseadas em evidências, e que ocasionalmente incorrem em custos desnecessários ou até abreviação da vida?
O Institute for Healthcare Improvement (IHI), ao abordar o tema em seu website, destaca “a importância de corações e mentes da equipe voltados para uma parceria respeitosa em cuidados confiáveis, que a experiência de cuidado do paciente inclui respeito, parceria, tomada de decisão compartilhada, transições bem coordenadas e eficiência”. Ou seja, a eficiência aliada ao cuidado e valores, e não a despeito deles.
Para o bem da Saúde, a constatação do espírito da assistência deve ser feita não em oposição ao número frio da redução dos custos, mas como um aliado e pêndulo importante se considerada a essência da eficácia em sua aplicação. Como a Beyond Philosophy explicita, também em seu website, “a mistura do desempenho racional de uma organização, os sentidos estimulados e as emoções evocadas e medidas intuitivamente de acordo com as expectativas do paciente em todos os momentos de contato”.
A pergunta que serve de título para este artigo transcende a experiência do paciente e arrebata todos os profissionais da Saúde. A tripla meta, transformada em quádrupla, desloca para a estratégia todos os pontos neste texto abordados, mas também a importância de um time de profissionais valorizado, engajado e consciente, cuja experiência do exercício da assistência de fato convirja para o alívio do sofrimento humano.
A jornada do paciente de fato se inicia nas interações que antecedem uma atividade multidisciplinar, e revela-se também em como o acesso é ofertado e o quanto os profissionais estão preparados para a acolhida. “É a percepção a respeito da qualidade e do valor de todas as interações, desde a busca por um plano, sua apresentação, atendimento, instalações, contatos diretos e indiretos, clínicos e não clínicos, antes e após o seu cuidado”, enfatiza a Delloite.
Mas como transformar em pauta de reunião de Conselho de Administração um tema um tanto etéreo com o pragmatismo necessário? Talvez, para algumas instituições assentadas em rígidos controles sobre os custos, a melhor resposta seja “começando”.
Para outras, cuja cultura esteja nativamente orientada para o cuidado – entidades filantrópicas, por exemplo –, o gatilho seja contemplá-la em planos diretores de transformação, pois nem sempre uma cultura assistencial aderente significa prontidão para mudanças que potencializem o melhor de sua identidade organizacional. Em ambos os casos, trata-se de um novo mindset que requer ajuda profissional em gestão de mudanças e impactos organizacionais, uma frente que capture o conhecimento tácito e transforme-o em explícito. Portanto, gerenciável.
A perspectiva das linhas de cuidado sob o olhar horizontal e o exercício da passagem de bastão entre todos os atores da cadeia – pacientes e familiares, inclusive – estabelecem pontos de avaliação não só para o tangível da eficiência, mas também para o intangível representado pelo zelo dos cuidadores. A promoção estruturada desse debate requer uma dose de compreensão estratégica e desdobramento tático-operacional, que transcende as atividades técnicas e profissionais, pois prioriza o respeito às crenças e valores do paciente, além dos que encarnam os da própria companhia. Permite, inclusive, promover a criação do papel do CPE (Chief of Patience Experience), combinado com a atuação de um comitê que integre representantes dos pacientes, segurança, fornecedores, médicos, jurídico, compliance e outros, todos ouvindo e medindo indicadores que retratem a empatia como estratégia, e que se traduzam em projetos de melhoria contínua.
*Aldir Rocha é sócio-consultor da Lozinsky Consultoria
Texto originalmente escrito para a disciplina de Qualidade e Experiência do Paciente do mestrado em Saúde da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP-FGV)