Sem a presença física no escritório, o aprendizado dos profissionais juniores e a sensação de pertencimento à empresa ficam comprometidos. Cabe ao CIO encontrar novas formas de integração e interação para garantir a estabilidade e o aprimoramento do time
por Sergio Lozinsky
O trabalho remoto mostrou seus benefícios em 2020, mas sua adoção massiva também revelou os desafios e riscos que ele pode trazer. O comprometimento da mentoria e formação de jovens profissionais se mostrou um dos maiores problemas do modelo e, na raiz desse obstáculo, encontramos um segundo fator de atenção: o prejuízo à sensação de pertencimento à empresa.
Além do simples contato diário, o trabalho presencial proporciona situações em que os profissionais mais experientes podem contribuir para a formação dos iniciantes e nas quais eles também podem assimilar mais facilmente a identidade e a cultura da empresa. As reuniões com diferentes equipes e níveis de gestão, as conversas no almoço, a troca de ideias na pausa para o café, os treinamentos in company: tudo isso ajuda a construir pontes entre os colaboradores antigos e os novos, e a criar uma vivência do ambiente organizacional que só é possível in loco.
Diante da necessidade de adotar os modelos remoto ou híbrido de trabalho, é preciso criar maneiras de substituir essa interação de forma eficaz. Porém, não vejo uma “receita de bolo” única e infalível. A criação dessas alternativas vai depender da cultura e do tamanho de cada empresa.
Uma das possibilidades é o caminho formal: designar um gestor ou mesmo um colaborador mais sênior (independentemente do cargo) para acompanhar o progresso do júnior. Dependendo da cultura da empresa, pode-se pensar até mesmo em algum tipo de cruzamento de áreas, sem que essa mentoria seja feita apenas dentro da TI.
Essa formalização é boa até certo ponto. Existe o risco de ela se tornar mais burocrática do que eficaz; ou seja, que tenha mais a ver com a meta de participar de “x” reuniões por mês e entregar relatórios e avaliações, do que realmente transmitir conhecimento e construir experiência. Se adotado, esse modelo requer um gerenciamento para garantir que “a burocratização” da mentoria não aconteça.
Conversas de café
Outro modo possível exige criatividade por parte dos gestores. Trata-se de encontrar equivalências para os momentos informais, trazendo o mesmo espírito das “conversas de cafezinho”. Pode ser o caso de dar mais atenção aos projetos e iniciativas do dia a dia, fazer reuniões (one-to-one e/ou com o time) com uma certa frequência. Além disso, é preciso garantir que o time continue se falando e não apenas se encontrando para tomar decisões ou fazer report de status.
Cito minha experiência: desde o início da pandemia estou acompanhando e fazendo reuniões sobre todos os projetos das minhas equipes, com uma frequência semanal, quinzenal ou mensal, dependendo do projeto. Nelas me certifico de que todo mundo participe, com chance de me contar o que têm feito e também fazer perguntas. De minha parte, aproveito para tentar agregar valor ao trabalho deles. E cuido para que o clima seja tão informal quanto estar em um escritório e sentir-se à vontade para ir até a mesa do colega mais experiente para lhe fazer uma pergunta.
Como enfatizei, esse é o meu modo de estimular a mentoria e a sensação de pertencimento, mas não há receita definida. Cada líder precisa buscar o seu modelo. O importante é lembrar que essa construção é parte indispensável do processo de qualquer gestão. Em alguns casos, se houver orçamento para tanto, pode-se contratar uma assessoria de gestão de mudança, de análise comportamental ou de clima organizacional para auxiliar na construção e aplicação dos processos de mentoria e de percepção de pertencimento.
Esses caminhos podem acontecer tanto no modelo híbrido como no 100% remoto. Na verdade, eles dependem mais do perfil do gestor que do modelo adotado. O que não pode acontecer é esse gestor transformar esse processo em algo tão formal e estratificado que chega a ser assustador para quem está do outro lado.
O fator geográfico
Esse cenário de pandemia traz outro ponto importante: os modelos remoto e híbrido permitem contratar profissionais independentemente de onde residem. Quanto maior o número de profissionais geograficamente distantes, mais fraco o senso de equipe se torna. Afinal, esse profissional nunca esteve na empresa — e talvez nunca esteja. Como consequência, o resto do time pode olhar para ele como um prestador de serviços e não como alguém do grupo.
É preciso reconhecer que, do ponto de vista de negócios, essa prática não é necessariamente ruim. Porém, é preciso olhar de perto suas implicações e entender aonde ela vai dar no longo prazo. Até porque é uma questão nova, sem histórico relevante que permita saber de antemão qual é o melhor caminho.
A demanda por profissionais de TI, hoje, é de centenas de milhares de vagas, literalmente. Como resultado, temos um mercado altamente comprador de talentos, inclusive disposto a pagar caro por eles. Ou seja: é cada vez mais comum uma empresa tirar profissionais da outra. Estamos vendo um turnover muito grande do pessoal de TI, que tende a aumentar se não houver uma relação forte com os colegas e supervisores. A estabilidade do time, que é tão importante para a área, também fica comprometida.
Essa realidade ficou ainda mais latente com a pandemia. Por isso, a sensação de pertencimento precisa ser estimulada e desenvolvida como forma de reter talentos na empresa.
A TI é uma área sob constante pressão. Só os melhores gestores conseguem construir uma equipe de alto desempenho e integrada, equilibrando o convívio entre seus membros e os orientando na realização dos compromissos mais emergenciais. Seja qual for o rumo que 2021 tomará, a TI estará sob uma pressão ainda maior. Acredito que trabalhar melhor essas questões de pertencimento e clima organizacional será imprescindível.
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