Implantar soluções de ERP é um processo trabalhoso, mas não se envolver profundamente com ele dá muito mais trabalho – e custará muito mais caro. Por isso, é imprescindível se atentar para os fatores críticos do insucesso
por Renato Maio
Por ser uma operação complexa, a implantação de soluções de ERP (sistema de gestão empresarial) está sujeita a vários tipos de problemas. Não é incomum vermos notícias de insucessos nessa seara no Brasil, que resultam em processos judiciais de alto valor contra o fabricante e o implementador da solução. Este ano já trouxe alguns exemplos ruidosos do tipo e esses litígios costumam surgir por diversos fatores, alguns deles combinados. Por exemplo:
Em alguns casos, observamos que mesmo empresas sólidas e experientes sofrem com ERPs que são implementados em condições muito abaixo das esperadas. Elas selecionam fornecedores respeitados e integradores experientes, todos com várias certificações, e ainda assim não conseguem os resultados que foram buscar. Por que a escolha de uma marca de primeira linha de ERP e a contratação de uma consultoria de implementação experiente não garantem, por si, o sucesso do programa transformacional?
Uma forma de abordar o assunto, da qual gosto, é a avaliação do que chamo “Tríade do Sucesso Transformacional”. Os três fatores nela envolvidos são:
1 – Seleção acertada do ERP, implementador e escopo:
Os processos de escolha tanto do ERP quanto da consultoria de implantação exigem uma abordagem experiente e agnóstica, essa última de destacada relevância. É preciso envolver um grupo de pessoas que represente muito bem as áreas operacionais do negócio, para então construir uma lista de requisitos funcionais e técnicos a ser desafiada junto aos concorrentes durante os trabalhos. Se feita com diligência, essa etapa permite chegar a um short list mais assertivo de potenciais escolhidos.
Mas veja bem: a “diligência” citada acima precisa ser levada muito a sério, e nem sempre é isso que acontece. Pela minha experiência em vários projetos desta natureza, destaco um evento que sempre está presente como um dos fatores críticos do insucesso: o “sim para tudo”.
Com a intenção de vencer o processo de seleção, os fornecedores e implementadores têm uma certa prática de, na reta final dos trabalhos, aceitar todos os pedidos que são realizados pelo cliente, inclusive aqueles que são considerados tecnicamente inapropriados e financeiramente inexequíveis. Além disso, diminuem as entregas por conta própria, deteriorando o escopo realmente necessário para a organização realizar a sua transformação.
Os resultados negativos derivados dessa prática podem ser justamente o não atingimento de ganhos esperados de eficiência. Como se fosse pouco, ainda podem surgir o que chamamos de change requests (pedidos de mudança) para temas não previstos ou retirados do escopo original – o que, na prática, significa pagar mais caro pelo projeto durante sua implementação, corroendo o valor do desconto que foi conseguido ilusoriamente na fase de seleção. Não raramente, isso chega até a comprometer a data de go-live original do projeto devido a adição de novas atividades.
2 – Definição de um cronograma unificado, com todas as frentes críticas
O Programa Transformacional não se restringe somente à frente de implantação do ERP, apesar de ser ela a espinha dorsal. Temas como gestão de mudança, impactos organizacionais, processos de negócio, sistemas complementares, infraestrutura de TI, saneamento e cadastramento de dados, integração entre sistemas e segurança da informação e LGPD fazem parte do programa transformacional, de forma a suprir tudo o que é necessário para que o projeto e o go-live aconteçam de acordo com o planejamento.
Um exemplo de fator crítico do insucesso, nesse caso, pode estar na falta de atenção apropriada às frentes críticas relevantes, prejudicando a eficiência do programa. Obviamente, as frentes também têm seus custos. Para não extrapolar orçamentos idealizados e aprovar projetos, as empresas podem falhar ao descartar algumas das frentes críticas do programa.
O erro também pode ocorrer quando essas frentes são levadas em consideração, porém sem a devida robustez na definição, orquestração e gestão unificada. O resultado negativo pela desatenção às frentes poderá vir em adição de atividades, esforços não previstos, adição de prazos, potenciais atrasos, diminuição da eficiência idealizada e estouro no orçamento.
3 – Organização para executar o programa
As empresas não necessariamente estão estruturadas para projetos complexos que exigem esforços específicos por tempo determinado. E não há problema algum nisso. A saída pode estar em compor uma equipe específica para esse fim, adicionando musculatura e conhecimento externo, além de gestão e qualificação agnóstica ao programa, de forma a combinar apropriadamente a multidisciplinariedade requerida e atuar como elo entre as expectativas do negócio e o programa de trabalho em todas as suas etapas.
Outro risco costuma ser a aposta na realização de um programa complexo somente através de conhecimentos internos da empresa, muitas vezes com experiências insuficientes e sem um elemento agnóstico qualificador dos trabalhos realizados pelo fornecedor do ERP e seu implementador. Contar com especialistas pode fazer toda a diferença. Eles podem agir como interlocutores entre o conselho, a alta direção da empresa, os membros do projeto, o fornecedor do ERP, o implementador, os colaboradores da TI e outros.
É verdade que a Justiça pode abrandar as desilusões, bem como os prejuízos corporativos, que acontecem em consequência da implantação fracassada de um ERP. Contudo, o dissabor é um efeito colateral que certamente impacta a todos.
Ou seja: como na enorme maioria dos casos, remediar custa caro (e, em alguns casos, muito caro, tanto financeira, quanto motivacionalmente). Por isso, convido à reflexão sobre os pontos listados até aqui. É preciso estar atento para lidar de forma adequada com os fatores críticos do insucesso e, mais do que isso, dedicar-se intensamente à orquestração geral, gestão e qualificação sistemática durante a execução da implantação. Isso fará toda a diferença.
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