Seremos capazes de corrigir o crescente déficit de profissionais de TI no Brasil?

Se antes da pandemia já havia uma falta notável de colaboradores qualificados de tecnologia, o cenário atual mostra-se ainda mais preocupante. As empresas precisam assumir sua parcela de responsabilidade para mudar esse cenário, e o CIO deve estar à frente disso

 

por Sergio Lozinsky

O déficit de profissionais de TI é um problema que vem de anos e cresce exponencialmente. Em janeiro de 2020, um levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) já alertava: o mercado nacional precisaria de mais 24 mil profissionais de TI para suprir sua própria demanda. Ainda não foram publicados estudos que comprovem com maior precisão quanto esse número aumentou ao longo do ano passado, mas há consultorias que chegam a falar em até 70 mil. Tais estimativas se baseiam nas transformações digitais experienciadas a toque de caixa por conta da crise sanitária que estamos vivendo.  Mesmo que a cifra final não seja tão alta, uma coisa é certa: o país está longe de conseguir fornecer ao mercado de tecnologia os profissionais que necessita.

Esse déficit não diz respeito apenas a desenvolvedores. Tente encontrar um bom gerente de projetos para TI – será um processo seletivo longo, difícil e possivelmente frustrante. A falta de profissionais está presente em todo o ecossistema da tecnologia. A verdade é que o Brasil não se preparou para um cenário de crescimento tecnológico.

Não é que não soubéssemos que haveria essa demanda. Os investimentos em tecnologia já apontavam para um crescimento no setor e a transformação de negócios já se apresentava no horizonte. Porém, de modo geral, não houve preparo para isso – tanto as empresas como as instituições de formação não fizeram sua parte na estruturação de cursos ou na divulgação de oportunidades. 

É verdade que, de modo geral, ainda vivemos sob certa herança da mentalidade que orientou os primeiros anos da TI no Brasil. Na década de 1980, havia poucos cursos e a maior parte dessa pequena oferta pecava em qualidade. Com isso, o profissional que queria se sobressair tinha que recorrer a cursos técnicos oferecidos por fabricantes e ao aprendizado por conta própria. Isso ajudou a criar uma ideia de que esse profissional se desenvolvia melhor do que aqueles que tiveram uma educação formal na área.

O perfil autodidata é uma característica do bom profissional de TI: a área é dinâmica, novas tecnologias surgem constantemente e quem tem constante disposição e curiosidade para conhecer a fundo as inovações tende a destacar-se. Mas não é a única característica louvável, nem mesmo a principal. Até porque, como já mencionado antes, o ecossistema de TI não é composto apenas por desenvolvedores. É preciso encontrar profissionais que tenham capacidade de liderança, visão de negócio, conhecimento de áreas como marketing, matemática e estatística. Não adianta ter um caminhão de desenvolvedores e não ter bons gestores de projetos. 

 

Responsabilidade corporativa

Muito recentemente, começamos a melhorar nossa formação em TI. Ainda que insuficientes, temos mais graduações que antes, com formação de cientistas de dados e outros profissionais que, num passado recente, eram peças raras no mercado. Mas essa melhoria pode ser alavancada pelas empresas. A bem da verdade, deve ser.

Em primeiro lugar, é preciso começar a atribuir o devido valor ao que o profissional constrói em sua trajetória, incluindo os tempos de estudante. Nossa cultura valoriza o diploma e não o que foi feito para conquistá-lo. Esse problema não é exclusivo da TI, mas podemos iniciar essa mudança de mentalidade justamente pela área. Os unicórnios do universo de startups já têm essa visão e sua ascensão no cenário corporativo pode inspirar e estimular outras empresas a adotarem visão semelhante.

As grandes empresas podem fazer ainda muito mais. Se elas querem uma mão de obra qualificada, precisam oferecer oportunidades capazes de atrair bons profissionais. De nada adianta se queixar de um déficit de colaboradores se a companhia não tem nada de bom para oferecer a eles. Nos planos de ação que tenho desenvolvido, venho colocando uma recomendação específica para que a TI faça um trabalho com o RH para, juntos, capacitarem e reterem talentos de tecnologia. Isso é fundamental, dado o grau de sofisticação que os projetos de tecnologia estão alcançando.  

Também é importante lembrar que são justamente os bons projetos que ajudam a manter o colaborador qualificado na casa. Se ele sente que o desafio é constante e que deixa atrás de si uma história de construção e conquistas, tende a querer permanecer.

O CIO tem que ser protagonista em todas essas ações. Ele precisa articular as relações com os executivos de todas as áreas e deixar claro que esse investimento na captação e retenção é estratégico. Realizar a mentoria de jovens com potencial de crescimento também deve estar entre as atribuições do líder de TI. Se o CIO almeja uma equipe bem preparada, cabe a ele não apenas buscar os recursos necessários, mas orientar seus subordinados quanto ao que devem priorizar em seu desenvolvimento.

Claro, não é só isso… O ensino superior e o técnico precisa ter um plano de aprimoramento. Em mais de cem anos de República, nunca vimos um plano de ensino ser aplicado de forma consistente – as trocas de poder tendem a pôr os melhores esforços a perder. Ainda assim, é preciso insistir na importância de pensar a longo prazo, para que tenhamos uma melhoria efetiva na qualidade da formação oferecida. E uma ação que pode ser bem-vinda é a de importar talentos, atraindo pesquisadores e professores estrangeiros. 

Essa mentalidade, aliás, pode fazer muito bem às empresas também. Foi assim com os primeiros ERPs e mesmo com a engenharia industrial: a presença de estrangeiros qualificados influenciou tanto os centros de formação como alavancou projetos diversos e melhorou a qualidade do plantel no mercado. 

A empresa que não toma para si a responsabilidade de melhorar a formação de uma área crucial, como a TI, muito provavelmente vai colher os frutos da própria negligência no futuro.

 

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artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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