Mudanças no cenário da TI e no papel estratégico da tecnologia nas empresas exigem repensar a estrutura e o desenho das equipes – e essa é uma tarefa que o líder deve priorizar agora
Por Sergio Lozinsky
Montar uma equipe qualificada é um dos maiores desafios de carreira para 41% dos respondentes da edição de 2019 do estudo “Jornada do CIO: da realização pessoal à transformação de negócios”. Trata-se da segunda maior dificuldade destacada por esses líderes, atrás apenas de administrar a pressão e a urgência por inovação – o que diz muito a respeito do quão complexa é a tarefa de construir um bom time na TI.
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Embora a segunda edição do estudo ainda esteja em andamento, é possível deduzir que essa questão se tornou ainda mais sensível com as dificuldades impostas pela pandemia do coronavírus. Nos debates dos quais participo, sempre incentivo a discussão do tema, e o que ouvi nos últimos meses entre os CIOs foi que o período permitiu tanto a descoberta de bons profissionais “escondidos” no time quanto a decepção com aqueles que aparentavam ser mais capazes.
Ambas as situações ajudam na reflexão sobre quais são as habilidades desejadas em um time de primeira linha. E a verdade é que nem todas são novas. Algumas já eram percebidas como importantes, e só tiveram sua relevância acentuada pela pandemia.
A autonomia, sem dúvida, foi a que mais se destacou. Autônomo é aquele que, com uma governança adequada, sabe se antecipar ao que precisa ser resolvido. Ele não espera a reunião ser convocada nem ser chamado para resolver um problema. Ao contrário: está bem inserido no contexto do dia a dia. É verdade que esse tipo de profissional sempre incomodou os líderes de perfil mais centralizador, mas a demanda que a área de TI enfrentou em todos os setores nos últimos meses foi brutal. E quem não tinha colaboradores com essa característica mais independente certamente vivenciou momentos difíceis.
A pandemia exigiu que tanto o colaborador quanto o líder revisassem sua independência, e as equipes devem ser construídas levando em conta ambos os lados. Contar com integrantes que saibam se antecipar aos desafios é tão importante quanto ter um líder que desenhe uma governança que favoreça a autonomia sem comprometer o processo coletivo. Ou seja: cabe ao CIO estar ciente das habilidades que ele administra para garantir que cada um cumpra seu dever. Delegar não é sinônimo de abdicar das próprias responsabilidades
Outra mudança foi na distribuição dos perfis técnicos. Basicamente, em TI você precisa de um especialista e de um profissional de negócios. O primeiro é aquele em quem você pode confiar tecnicamente: que conhece uma aplicação importante, ou tem conhecimentos profundos em segurança, por exemplo. O segundo não é necessariamente um expert em tecnologia, mas alguém que entende os processos, que encontra as melhores formas de trabalhar uma determinada atividade e que faz a conexão entre a arquitetura tecnológica disponível e a demanda do usuário. Esse perfil tem ainda uma subdivisão: o profissional que tem habilidade de liderança e de gestão, e aquele que se aprofunda em temas específicos (logística, comercial, produção, etc).
A TI normalmente se baseia nesses perfis e os complementa contratando serviços externos. Nessa equação, é preciso balancear o que é retenção de conhecimento interno e o que pode ser contratado como serviço. Essa análise deve ser constante, sujeita a revisões pelo menos anuais. Mas atenção: com a TI cada vez mais embrenhada no aspecto estratégico do negócio, é pouco recomendável que os líderes mantenham equipes onde predominam os de perfil técnico. É hora de trazer mais conhecedores do negócio para o time.
Isso nos leva a outra necessidade, que é a de usar bem os terceiros. A pandemia permitiu ver quais deles deram, de fato, prioridade ao cliente, e quais se estruturaram para prosseguir com o trabalho da melhor maneira possível dentro das condições que se apresentaram. Essa experiência deve ser levada em conta na hora de equalizar a participação dos serviços terceirizados na equipe.
Ainda que todos esses aspectos sejam levados em conta, é preciso reconhecer que há casos em que o CIO não pode fazer grandes mudanças no seu time, seja por razões financeiras ou administrativas. Com um pouco mais de folga no orçamento, ele pode recorrer a uma assessoria que o ajude a reorganizar a equipe, mas se não há dinheiro algum, a única opção é fazer um acompanhamento mais intenso – uma espécie de coaching, por assim dizer. Ou seja: o líder terá que descer da hierarquia e se sentar ao lado dos colaboradores para formá-los melhor, repassando, ao mesmo tempo, conhecimento e motivação.
Outra saída é concentrar esforços no que é mais importante para o negócio, para entregar mais qualidade naquilo que é essencial. Nesse caso, o CIO pode até tomar uma atitude mais arriscada: diminuir a equipe, tirando as pessoas que têm menos capacidade ou conhecimento. O objetivo, nesse caso, é que esse corte propicie um funding para contratar uma assessoria – ou mesmo um profissional melhor capacitado – em um futuro próximo.
São decisões difíceis, mas elas fazem parte da realidade de todo gestor. Tomá-las com consciência, segurança e direcionamento estratégico distingue o líder do simples chefe – e o momento exige mais liderança e menos chefia.
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