A retomada de negócios exige que as lições do mundo pós-Covid sejam colocadas em prática e que a TI examine retrospectivamente seus próprios aprendizados e falhas em 2020
por Ricardo Stucchi
“Se você não sabe aonde quer ir, qualquer caminho vai te levar lá”
Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll
O ano de 2021 será de transição para os negócios e para nossa própria vida em sociedade. Ainda não temos uma vacina, mas, de certa forma, aprendemos a conviver com as consequências da pandemia. Afinal, passamos quase um ano lidando com esse mundo novo. O planejamento de TI precisa examinar esse passado recente para se preparar para o futuro imediato e também para as ações de longo prazo.
Já não é mais o caso de falar em contingência para a questão sanitária. É preciso entender como a empresa vai trabalhar nesse novo cenário de home office — que envolve colaboradores e clientes —, de mudança do comportamento de compras e de como lidar com possíveis novas contingências, em caso de impactos maiores na economia.
O plano de TI é feito de fora para dentro. Ao menos, deveria ser. Quando não é assim, você acaba com um plano técnico, que permite que você aperte o parafuso mais rapidamente e com uma ferramenta moderna, mas que nunca troca a peça defeituosa. Há a percepção de que o papel da TI nas empresas mudou; em alguns casos, fortemente, em outros, ao menos se busca compreender seu real valor. Mas esses movimentos estão gerando alguma mudança concreta?
Se pouco ou nada foi feito, não dá para esperar mais. E, se houve, de fato, uma mudança, é hora de acreditar e colocar os investimentos adequados para que a TI possa cumprir seu papel. Em ambos os cenários, é certo que tal transformação é uma decisão executiva que vai demandar tempo e dinheiro. Por isso, há de se examinar o quanto a TI está preparada para ser o que a empresa precisa que ela seja — e o quanto a empresa tem consciência e condições para conviver com essa nova área de tecnologia.
Faço questão de frisar essa última parte. Se a empresa não muda sua mentalidade, há pouco espaço para o plano de TI dar certo. É triste dizer, mas, em algumas empresas, ainda não vejo a consciência da necessidade de uma TI proativa. Elas estão mais adaptadas a uma área “tiradora de pedidos”, subserviente, que apaga os incêndios — e que apenas precisa apagá-los cada vez mais rapidamente —, mas não elimina a origem do fogo. Só que em muitos casos, a tecnologia é quem vai mudar o negócio. Manter a separação entre tecnologia e negócio não é apenas ineficiente, é absolutamente insensato. Ambos são uma coisa só.
Outro aspecto que o plano deve contemplar é a cibersegurança. Aliás, ela deveria ser prioridade desde sempre. Em junho, os ataques a empresas já haviam aumentado 333% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo a Kaspersky. A equipe de TI precisa saber apresentar esse perigo de forma clara e com foco no risco ao negócio, não de maneira técnica, mas de modo a convencer outros decisores da empresa sobre a importância de não baratear os investimentos na área.
Abro um breve parênteses para fazer uma analogia: desde 2003, o Torneio de Tênis de Wimbledon pagava 2 milhões de dólares por uma apólice de seguro contra pandemias. Em 2020, a pandemia veio, o torneio foi cancelado e a organização recebeu da seguradora uma compensação de 141 milhões de dólares, bem mais do que os 34 milhões de dólares investidos ao longo de quase duas décadas. Ainda que estejamos falando de outro tipo de risco, o raciocínio é o mesmo.
Reconfigurando o desempenho da área
Outro ponto importante é reexaminar os investimentos que foram feitos de forma reativa quando do impacto inicial da pandemia. Agora todos temos condições de avaliar quão sustentável é aquilo que foi feito, o que pode ser perene e o que foi uma solução paliativa que hoje oferece riscos. É compreensível que, por restrições financeiras ou por dificuldade de entendimento dos problemas, tenha se investido em soluções insuficientes ou de risco, mas isso não é motivo para sustentá-las.
As empresas que tinham um plano de TI antes da pandemia perceberam os benefícios de tê-lo, mesmo que tenha sido alterado substancialmente. Elas puderam se basear no plano para saber o que despriorizar e o que podia ser mantido com adaptações e isso traz agilidade e sustenta as decisões. Quem não tem o plano vive no caos e perde tempo, mas, por incrível que pareça, há quem se “acostume” com esse caos. É difícil dizer para quem vive no escuro como é a vida com luz acesa. Mas mesmo para esses, só há uma coisa a dizer: é preciso acender a luz.
Quem diz que não tem tempo para planejar mais tarde vai precisar arrumar tempo para refazer. E esse custo vai além do tempo, envolve dinheiro e, num cenário mais dramático — mas não impossível —, a sobrevivência da empresa.
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