Para concluir uma prova de resistência, é preciso atravessar todo o percurso com propósito, direção, preparo e disciplina; o mesmo vale para um projeto. O esforço em duas rodas que fiz ao longo de 2020 pode mostrar lições importantíssimas para o universo corporativo
por Ricardo Stucchi
“O desejo de vencer não é nem de perto tão importante quanto o desejo de se preparar para vencer”.
Bobby Knight, técnico de basquete norte-americano
Concluir algo é sempre prazeroso. Porém, com o perdão da obviedade, só é possível chegar ao fim quando passamos por todo o trajeto, superando as dificuldades iniciais (chamo de ganhar tração), vencendo obstáculos, imprevistos e se recuperando de tombos físicos e emocionais.
Em dezembro de 2020, participei, pela 1ª vez, do L’Etape Brasil em Campos do Jordão, uma competição ciclística organizada pela Tour de France. Era algo sonhado, mas, ainda no início de 2020, os 107 km de distância e 2.200m de altimetria acumulada me pareciam inatingíveis. No início da quarentena contratei uma assessoria de ciclismo apenas para poder me manter ativo em casa. A pandemia global fez o evento mudar sua data de setembro para dezembro o que me permitiu acreditar num planejamento viável. Sabia da minha condição de atleta amador e que ela exigiria grande empenho, com treinos diários, mas resolvi assumir esse desafio pessoal.
Imagine encarar mais de 100 km pedalando sem estar preparado! Parece inacreditável, mas muita gente entra em um projeto sem conhecer seu tamanho. Como nunca viveram algo parecido, não quantificam ou nem mesmo imaginam quão duro será. Começar a prova – ou o projeto – sem se dedicar a entender o quanto ele vai exigir de você e da equipe pode obrigá-lo a parar ainda nos preparativos.
Para vencer esse primeiro momento, é uma boa ideia contar com o auxílio de um profissional experiente, que já vivenciou desafios semelhantes no passado. Uma vez cumprida essa primeira tarefa, tem início uma grande escola. Considero impossível passar por uma jornada desse tipo e não aprender nada. Vou além: é impossível não se transformar ao longo de uma jornada dessas. Se nada mudar, ou foi porque você não se envolveu, ou o projeto não era tão complexo assim…
Isso acontece porque um projeto desafiador leva você a se questionar o tempo todo quanto às ações tomadas e mesmo quanto à sua própria capacidade. Se o seu objetivo é implantar e executar um projeto complexo – um PDTI, uma implantação de ERP, transformação digital, apenas para citar alguns –, trata-se de algo que vai mexer nos processos da empresa, na tecnologia, na governança, na cultura e em muitas outras áreas. É altamente improvável que você tenha todas as respostas de antemão, e alguns obstáculos podem ser especialmente difíceis, ao ponto de você se perguntar se vale a pena seguir em frente.
É nessa avaliação que você olha para si, reestabelece metas e consegue crescer.
Esforço incremental
Não fiz nada sozinho. Desde o começo tive o apoio de pessoas incríveis tanto na assessoria de ciclismo, quanto em dezenas de treinos de funcional online; sou muito grato a todos. Mesmo durante a prova, você deve ter parceiros para manter o ritmo num pelotão, motivar-se para as ultrapassagens e até trocar apoio moral em momentos difíceis. Diante do desafio corporativo, raramente se está sozinho. Deve-se aproveitar isso o tempo todo, sempre considerando as diferentes características dos integrantes… Há os empolgados que agem como early adopters, confiando na visão geral e dando o máximo de si e estimulando os demais. Existem aqueles que ficam em dúvida e fazem apenas sua parte, mas precisam entrar no ritmo. Claro, há também os do contra, que devem ser ultrapassados. Porém, há, sobretudo, muitos heróis, aqueles que não titubeiam em fazer sacrifícios para garantir que o projeto aconteça.
Projetos não são provas de velocidade, como os 100 metros rasos. São provas de resistência – como uma competição ciclística de mais de 100 km. É preciso pensar em cada etapa e reconhecer o aspecto incremental do esforço. Ou seja: você não pedala 107 km sem antes ter treinado 100. Ou 90, 80, 50, 30… Conforme você progride no treino, vai descobrindo se foi ou não feito para aquilo.
Em projetos, você também vai percebendo no meio do caminho que há pessoas que não estão à altura do que o projeto exige – seja por falta de conhecimento, vontade ou por falta de maturidade. Essas “provas intermediárias” vão definindo se ajustes precisam ser feitos para garantir um resultado compatível com o esperado. Já concluí projetos que não terminaram como precisavam e a sensação não é nada boa. É triste.
Superado tudo isso, há o momento de cruzar a linha de chegada, de fazer o Go Live. E só posso dizer que a satisfação é muito grande, porque não encontro uma palavra capaz de descrever a sensação com precisão. A foto que abre esse texto talvez seja mais ilustrativa que as palavras. Foi clicada ao fim da prova. Naquele momento, eu queria pôr pra fora tudo que estava dentro. Não foram só as 4 horas e 49 minutos que levei, mas tudo o que veio antes.
Assim é com o Go Live de um projeto. Você comemora todos os meses nos quais se dedicou, as discussões acaloradas, os momentos de decisão. Comemora também a dificuldade vivenciada na reta final, quando o cansaço ameaça a roubar a alegria e o comprometimento, mas você segue firme.
Na verdade, o que nos espera na linha de chegada é um compêndio de tudo que vivemos para poder cruzá-la com sucesso e dignidade. A recompensa e os resultados serão reflexo direto da intensidade e da qualidade da sua preparação.
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