por Renato Maio
Nos últimos anos, vimos diversas empresas globais abandonarem o Brasil. Em proporção menor, mas expressiva, também encontramos aquelas que vingam. É tentador dizer que o ambiente macroeconômico, a pesada carga tributária e a burocracia kafkiana sejam os responsáveis. Mas, como quase tudo que envolve o universo de negócios e finanças, a resposta não é tão simples assim. A bem da verdade, esse movimento de saída do território brasileiro tem muito mais a ver com questões internas que externas à companhia.
O foco deste artigo são os dois primeiros itens que compõem uma análise do tipo SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats — ou Forças, Fraquezas, Oportunidades e Ameaças). É óbvio que oportunidades e ameaças, como as já citadas no primeiro parágrafo, desempenham um papel importante na permanência de organizações em território estrangeiro, mas a capacidade gerencial delas tem um efeito direto maior.
Pensando nisso, existem três grandes fatores que explicam o insucesso de uma grande empresa em um mercado exterior, ou mesmo em uma vertical nova. Vamos examinar cada um deles mais de perto:
Já se falava em planejamento de negócios antes de qualquer um de nós nascermos. A importância do planejamento não é novidade — mas continuamos vendo esse processo ser negligenciado ou mesmo ignorado em muitos casos. E a razão para isso é a própria cultura empresarial.
Mesmo multinacionais não escapam de, em muitos casos, terem uma gestão mais centralizada, em que o CEO ou a alta direção executiva assumem a postura de que “a empresa sou eu” (aqueles gestores cuja experiência eles entendem como soberana, não aceitando visões contrárias mesmo quando elas estão embasadas em estudos e fatos).
Essa postura contamina outros níveis decisores. Afinal, ao iniciar uma operação em outro país, esse líder vai delegar o comando da execução a um grupo de pessoas com experiências e mentalidades semelhantes. Um dos fatores que explicam esse fenômeno é a seleção de novos profissionais, que acontece em um processo no qual, naturalmente, os selecionados são os que se assemelham ao perfil do líder contratante, gerando certa miopia no perfil empresarial.
Na imensa maioria dos casos, a postura centralizadora leva a uma cegueira no que diz respeito à identificação da cadeia de valor, dos macroprocessos do negócio e do perfil gerencial necessário para a condução dos negócios — quando não do próprio negócio!
Vamos imaginar um cenário hipotético praticamente ideal: a organização realizou uma análise, identificou as condições ideais, fez um planejamento baseado nelas, contratou uma consultoria com domínio dos assuntos locais, enfim, construiu a base perfeita. Passados alguns meses, ou mesmo um ano, os resultados são sofríveis. Qual parte do processo falhou?
A resposta, dura mas honesta: falhou na contratação dos gestores locais. Estamos falando da realidade brasileira, e é preciso reconhecer que a capacidade gerencial de parte dos nossos executivos é questionável. É óbvio que temos, também, gestores muito bons: profissionais de cabeça aberta, com visão de equipe, que sabem o que querem, e entendem a distância entre o ideal e o possível. Mas esses não compõem a parte mais substancial do caldo da liderança no Brasil.
De forma geral, temos gestores tomados pelo complexo de invencibilidade, que vem acompanhada de uma visão míope do negócio e estilo autoritário na tomada de decisões e na condução das equipes. Se um executivo dessa natureza já é nocivo, o que dizer de vários deles atuando na mesma organização? Forma-se ali um universo competitivo interno, apontado por alguns analistas como um conflito positivo, mas que efetivamente acaba resultando na criação de feudos internos, desentendimento entre as áreas e perda de produtividade. Essa soma prejudica seriamente os resultados.
Há estudos que apontam que 90% de uma função executiva é de natureza política, e não técnico-operacional. Assim, se as relações entre as áreas ficam comprometidas, bem como o relacionamento entre os departamentos e seus líderes, não há eficiência ou sucesso possíveis.
A gestão de mudança organizacional (GMO) é imprescindível quando há o contato com culturas novas. Infelizmente, muitas empresas não fazem um exercício real de awareness e, com isso, podem até enxergar algumas das dificuldades que se apresentarão no horizonte, mas não conseguem ver que as soluções propostas são insuficientes.
Nesses casos, o executivo acha que tem a resposta certa para a nova operação — mas não entende que sua pergunta está errada! Ou, em termos mais diretos: as soluções que funcionaram no mercado de origem da empresa dificilmente serão efetivas se aplicadas no país onde ela está se instalando. E graças a uma GMO parcial e mal-feita, isso não é levado em consideração. Eis um fato incontestável: em negócios, não se pode subestimar a cultura local.
Some a tudo isso o modelo especulativo que domina muitos negócios atuais. Há empresas que, controladas por investidores agressivos, investem o mínimo necessário para tirar o máximo possível a curto prazo, delegando deficiências e uma carga enorme de trabalho para o próximo “dono”. É um cenário caracterizado pela presença de gestores de perfil imediatista, típicos de private equity, cuja única missão é elevar o valor de mercado da empresa e garantir seu bônus ao fim da operação — e aqui não faço um juízo de valor, apenas apresento um fato. As consequências para a saúde futura da empresa e o propósito do negócio ficam em planos não tão prioritários, em relação ao seu valor de mercado.
Ao longo das décadas, a essência da gestão mudou pouco. A tecnologia evoluiu radicalmente, mas os preceitos de administração não sofreram transformações tão profundas. Apenas recentemente começamos a testemunhar modelos verdadeiramente disruptivos, ainda restritos a poucas organizações. Serão necessárias algumas gerações para modificar esse panorama, até que gestões ciosas da própria governança — capazes de olhar e lidar com o todo (inclusive os aspectos subjetivos) e comprometidas com a longevidade da empresa — sejam maioria.
Este artigo foi originalmente publicado na TI Inside.
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