Por Wagner Marques
No universo corporativo, sempre vai surgir o momento de alguém defender a necessidade de os executivos em geral entenderem mais de TI. A justificativa é a de que a tecnologia já faz, indissociavelmente, parte do negócio. Assim, um CEO não pode simplesmente delegar todas as questões da área para um CIO ou CTO e, com isso, achar que tudo vai ficar bem. Mas, em termos práticos, o que quer dizer “entender mais de TI”? Mais importante, como esse entendimento maior vai ser aplicado ao universo estratégico da empresa?
A primeira parte dessa formulação é simples: a simbiose entre TI e negócio se intensificou a tal ponto que é inviável tratar dos dois aspectos separadamente. Devido à grande velocidade da inovação tecnológica, tudo ficou mais dinâmico, o que eliminou a possibilidade de recorrer a respostas prontas ou fórmulas que deram certo no passado.
Até algum tempo atrás, uma empresa conseguia desenhar um caminho a ser percorrido que já antevisse boa parte das situações que se apresentariam pelo caminho. O executivo e os times preparavam, assim, sua “bagagem” de acordo com essas previsões. Hoje, o caminho, no melhor dos mundos, mostra-se apenas parcialmente claro, exigindo mais capacidade de reação. O ambiente é tão mutável que é mais relevante a capacidade de reagir do que de conhecer cada detalhe em profundidade.
Ter uma visão 360 graus, elaborando uma boa leitura do ambiente e desenvolvendo análises pertinentes a cada momento da jornada, tornou-se a competência mais valiosa. Isso inclui buscar respostas para os problemas não apenas no setor em que a empresa atua, mas em todo o mercado. Inclui, ainda, a habilidade de romper com vícios do negócio e não se apegar ao que já foi seguro no passado.
Essa não é uma competência inata. Ela se desenvolve conforme o executivo vive situações que o colocam à prova. Evidentemente, mercados sujeitos à alta pressão por mudanças trazem esse aprendizado com mais rapidez, uma vez que não faltam situações que exigem respostas rápidas. Mas não há ramo de atuação que não ofereça essa “escola prática”.
Quando falo dessa escola prática, faço-o por experiência própria. Atuo hoje como sócio em uma consultoria que tem a transformação de negócios pela tecnologia como atividade essencial, mesmo sendo um profissional com formação em administração. O primeiro grande projeto de transformação do qual participei foi um grande aprendizado para mim, tanto pelas decisões certas que tomamos quanto pelas erradas. Sim, porque é impossível excluir o papel do erro na formação desse conhecimento. Se você está aberto para entender o que não deu certo, consegue se desapegar de ideias pré-concebidas e fazer uma leitura menos enviesada. E isso certamente leva a diagnósticos melhores.
Há um texto famoso do escritor Kurt Vonnegut (1922 – 2007) sobre como escrever um conto, no qual ele diz que você precisa fazer coisas horríveis acontecerem aos seus personagens, por mais queridos que sejam, pois isso é o que vai mostrar do que eles são feitos. De forma semelhante, você não pode temer o erro, tampouco se apegar aos acertos do passado. Eles são lições, não tábuas de salvação.
Por que isso é importante na discussão sobre o entendimento do executivo sobre TI? Porque, se ele acredita que consegue pegar o template de um projeto anterior e copiar, está automaticamente matando suas chances de fazer um bom trabalho. Cada projeto é uma nova experiência, que vai permitir novas imersões e novos aprendizados – continuamente.
Dedicar-se a fazer novas e acertadas perguntas é muito mais importante que carregar um monte de respostas na bagagem, porque os projetos podem sofrer mudanças em seu próprio escopo conforme ele se desenrola. Ou, em termos mais diretos, a vida está mais complexa, e não digo apenas no ambiente corporativo. Essa complexidade fatalmente vai derrubar quem pensa de maneira simplista.
Em meio a tudo isso, há uma ressalva que deve ser sempre levada em conta: dinamismo não implica em perda de coerência. Os grandes marcos e objetivos não mudam: mudam os caminhos mais promissores para que eles aconteçam. Há a necessidade de mais ajustes de rota, sim, mas o alinhamento estratégico e seu consequente desdobramento em planos continuam essenciais. Por isso vemos roadmaps cada vez mais curtos.
Vivenciar muitas mudanças não exime a necessidade de um plano. Pelo contrário, pede um plano melhor estruturado, para poder repensar e reagir com embasamento e direção. As decisões precisam ser tomadas por um colegiado, que agrega o conhecimento (e não as vontades) dos líderes para criar uma soma de competências que acaba por se tornar a cabeça da empresa.
Ainda respondendo diretamente à provocação inicial desta conversa, a tecnologia tem que estar na pauta diária desses líderes. Não é preciso conhecer em profundidade o funcionamento de determinada inovação, mas sim acompanhar os movimentos do mercado. O executivo não precisa entender como se constroem blocos de códigos ou como criar uma rede de confiança no mercado de criptomoedas, por exemplo. Para isso, ele terá um time técnico. Mas precisa entender que existem negócios inteiros baseados em confiança e troca de informação que podem se beneficiar desse tipo de tecnologia.
Essas são algumas ideias que quis compartilhar com você neste meu artigo de estreia como sócio-consultor da Lozinsky Consultoria. E vamos conversar.
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