Quem precisa de um marketplace de C-Levels?

Alguns chamam essa movimentação de tendência, mas será o “executivo temporário” uma real demanda das organizações?

O termo “marketplace de C-levels” tem se tornado mais conhecido no mundo do trabalho. Ele se refere à premissa de profissionais experientes que atuam à frente de projetos específicos ou de forma interina, sem configurar um vínculo empregatício com a organização.  Porém, antes de qualificar esse movimento como “tendência”, como alguns defensores do modelo e veículos da mídia setorial têm feito, é preciso examiná-lo um pouco mais de perto e entender o que está por trás do burburinho.

Vamos pensar juntos. Uma tendência só se concretiza quando há busca por aquilo que ela impulsiona. Se não há uma necessidade do mercado, estamos diante da tentativa de criação de demanda: há muito mais interesse de quem oferece o serviço do que de possíveis interessados em contratá-lo. Mas, como seria lógico de se esperar, esse interesse não nasceu do nada: há eventos recentes que colaboraram para que profissionais seniores – e alguns não tão seniores assim – se arriscassem na carreira de “C-level de aluguel”.

O pós-pandemia levou as pessoas a repensarem seu estilo de vida, inclusive profissionais de carreira executiva. Assim, existe uma parcela de executivos e executivas que confiam na experiência que desenvolveram ao longo de suas carreiras e tentam fazer dela um negócio – um que permita mais qualidade de vida, na perspectiva dessas pessoas, possibilitando trabalhar remotamente e sem as grandes pressões impostas sobre uma cadeira de liderança em uma organização.


O papel que esses profissionais almejam é bem parecido com o de um consultor ou mentor, que oferece brainstorming estratégico, aconselhamento, validação, controle de qualidade, entre outras atividades consultivas. Mas, diferentemente desses, os C-levels têm uma responsabilidade maior de execução. Como chief – um líder – esse profissional geralmente lidera uma equipe de gestores, de forma contínua e imersiva.

 

Filhos pródigos

É difícil imaginar um movimento de “C-levels as a service” ganhando força. E vou explicar o motivo. Embora já existam agências que se proponham a agrupar esses profissionais e oferecer seus serviços às empresas, estamos diante da tentativa de criar um mercado, e não de uma demanda sendo atendida. O que observo é que a oferta sequer é tão grande a ponto de ser chamada de tendência.

Não que C-levels não possam ter passagens pontuais por uma organização. Já vi experiências muito bem-sucedidas em que um profissional, após atuar por anos em posição de liderança em uma empresa, foi chamado de volta para contornar algum problema específico – preencher uma cadeira onde houve uma demissão inesperada ou estar à frente de um projeto crítico, por exemplo. Estas são situações em que trazer de volta alguém que já conhece a cultura, a política, os processos e o core business da companhia faz bastante sentido.

Testemunhei experiências desse tipo com executivos de marketing, TI, finanças e outras áreas, e a maioria com ótimos resultados. Mas veja: estou falando de líderes que já tiveram passagens notáveis por aquela organização. Eles não retornaram para exercer um papel de conselheiro, e sim para atuar pesadamente no dia a dia e nas decisões executivas, somando comprometimento e experiência – o que, na verdade, é o mínimo esperado de quem ocupa tal posição.

É possível, mas pouco provável, que um executivo que não possua esse retrospecto com a organização possa vir a desempenhar um papel de caráter semelhante. Até porque liderança, especialmente a dos altos escalões, requer o estabelecimento de uma rede de profissionais de diversas áreas, numa relação de confiança e conhecimento mútuos. Isso é algo que leva tempo para ser alcançado, e não é simples de construir nesse cenário “as a service”.

Por outro lado, um possível foco desses profissionais seja o de empresas de menor porte, com uma gestão que pode ser percebida como imatura. O líder de uma empresa desse tipo entende que precisa complementar a sua visão com o apoio de alguém experiente, talvez até porque não tenha com quem trocar ideias em sua organização, mais dedicada a tarefas operacionais. Mas isso se assemelha bastante ao que uma consultoria faz.

 

Conflitos conceituais

Com alguma frequência, a pressão por resultados gera uma troca de posições executivas em uma velocidade maior do que a ideal. Quem acompanha a “dança das cadeiras” nas organizações pode até mesmo ter dificuldade de rastrear tantas mudanças em tão pouco tempo. Mas essa não é a brecha pela qual o “marketplace de C-levels” vai se estabelecer. E por quê?

Eu lhe pergunto: a quem interessa um executivo temporário? Para responder a essa questão, precisamos, em tese, encontrar um “argumento de venda” que justifique e impulsione esse mercado. Mas é exatamente aí que identifico o principal gargalo dessa movimentação: em geral, esses profissionais não oferecem exatamente o que a empresa precisa, ou ofertam temporalidade quando, na verdade, desejam longevidade. Vou explicar melhor.

No primeiro caso, eu me refiro a profissionais que desejam ter uma certa independência,  construindo seu negócio de uma maneira que lhes é mais confortável e pressupondo que, do outro lado, há um mercado que vai contratar seus serviços em um volume suficiente para mantê-lo. No segundo, estamos falando de executivos que querem se recolocar no mercado como profissionais fixos, mas, de alguma maneira, mascaram essa ideia sob o desejo de autonomia.

Mesmo com intenções diferentes, ambos usam a mesma estratégia, que é a de oferecerem-se como “C-level as a service”. Porém, como falamos, a demanda por algo do tipo é questionável. E, mesmo que fosse uma necessidade real, esbarraria num gargalo estrutural: viabilizar uma atuação desse tipo exigiria do profissional um entendimento aprofundado da empresa e do setor contratantes, numa escala na qual poucos perfis possuem as condições para obter esse entendimento no curto prazo. Seria uma contratação com riscos de não atingir os objetivos, eu diria.

Consultores e conselheiros são profissionais com responsabilidades e conhecimentos diferentes de um C-level.  Um chief precisa usar o conhecimento e fazer parte da transformação que, mesmo após sua saída, resultará em algo perene, de fôlego. Os consultores também atuam diretamente na transformação de seus clientes, mas patrocinados por um chief que acredita e busca essa transformação.

Alta rotatividade em cargos-chave vai na contramão da construção de bons resultados, da associação de um nome, e de toda a transformação cultural que a empresa precisa para sobreviver.

artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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