*Por Renato Maio
Quando as pessoas ainda compravam aparelhos de som, muitas substituíam seus modelos antigos por outros mais novos. Mesmo assim, se limitavam a usar apenas o botão “On/off” e o seletor de volume. Gastavam muito para ter as máquinas mais avançadas, mas a forma de utilizá-las ainda era baseada nas experiências do passado, desperdiçando o potencial da nova aquisição. Pois é exatamente isso que a maioria das empresas faz com o uso de dados.
Em meu texto anterior, falei sobre empresas que, mesmo com sistemas sofisticados, dependem ainda de planilhas eletrônicas para fazer observação e análise de seus dados. Atualmente, não faltam recursos para termos uma arquitetura de sistemas que desempenhe essa tarefa de forma mais completa e eficiente, mas isso não impede de sustentarmos um apego a práticas obsoletas. Por essa e outras razões que a gestão de mudança organizacional (GMO) é importante.
Em linhas gerais, a GMO é uma orquestração de práticas, processos e ferramentas que preparam um ambiente corporativo para uma grande transformação. Empregada em projetos complexos, ela é uma metodologia de gestão que tem grande potencial de sucesso quando o objetivo é realizar uma mudança de cultura.
Quando ela não é adotada, vemos o resultado em pequenos e grandes insucessos, os quais resultam em incoerências, ineficiências e prejuízos. É quando temos arquiteturas de sistemas que, mesmo refinadas, sustentam processos frágeis; quando temos mais “desintegração” que integração de sistemas; quando há uma demanda por projetos de grande complexidade mas o parque tecnológico não cumpre com requisitos funcionais básicos.
As raízes para passar ao largo da GMO são tanto técnicas (ausência dos conhecimentos necessários) quanto culturais. A própria expressão “gestão de mudança” remete a “planejamento”, uma tarefa muitas vezes tratada de forma superficial e burocrática, quando deveria sempre ser estratégica.
Você consegue ver sentido em alguém usar um drone para levar uma mensagem rabiscada em um papel de pão? Pois é algo desse tipo que as empresas fazem quando se negam a entender todo o potencial e todas as implicações de uma tecnologia ou uma metodologia. Parece tolice adotar uma postura dessas, e de fato é. Porém, basta lembrar que a pressão por resultados, a ansiedade e o despreparo criam um cenário propício para que situações dessa natureza se tornem comuns.
Estruturar mudanças organizacionais já era difícil em tempos de maior estabilidade, mas essa dificuldade aumenta exponencialmente com a pluralidade de ferramentas e cenários que as empresas têm diante de si. E como novos cenários e ferramentas continuaram surgindo, a gestão não pode se limitar a viver em eterna reatividade. É preciso ter ações metódicas e sistêmicas, entranhadas na cultura organizacional, que sejam capazes de lidar com os desafios presentes e futuros.
Em outras palavras: a arquitetura de sistemas precisa ser sólida, mas não engessada. Ela precisa ter portas que possam se conectar com o novo, independente de qual seja o “novo” da vez. Sem isso, as arquiteturas se tornam suporte para vários “penduricalhos”, que é como chamo as tentativas improvisadas de conectar novas ferramentas, feitas “na base do susto” e sem levar em conta as implicações futuras que essas medidas podem ter.
Mas a gestão de mudança organizacional não diz respeito apenas à arquitetura de sistemas. Claro, se a tecnologia é crítica para o negócios, é essencial investir tempo e dinheiro na sua infraestrutura, mas a GMO vai muito além disso. Na verdade, a GMO é a responsável por fazer a empresa perceber e adotar uma nova arquitetura de negócios ou de sistemas. Ela atua para que essa tomada de consciência e a mudança de atitude ocorram tanto em nível individual quanto coletivo.
Sabe quando um novo sistema é implantado e, não muito tempo depois, o consenso é de que ele falhou? Em muitos casos, não foi o sistema em si que fracassou: faltou justamente uma gestão de mudança organizacional para que ele fosse antes entendido e valorizando antes de ser adotado.
Quando, também em meu artigo anterior, eu propus um modelo “quadrúpede” (formado por pessoas, processos, sistemas e dados) como um novo eixo de sustentação dos negócios, a proposição já implicava na aplicação da gestão de mudança organizacional. Afinal, se a intenção é que os dados sejam entendidos como parte essencial de um sistema, observados de múltiplos pontos de vista e entendidos em sua integralidade, é necessário preparar os times e a mentalidade da empresa para tanto.
Uma das frentes mais importantes da GMO se chama gestão de dados. Ele propõe tratar a qualidade do dado a partir de sua essência, que é o bit – ou seja, propõe entender esse dado desde sua origem antes de chegar em sua interpretação e começar a construir conhecimento. Não custa reforçar que, para uma mentalidade realmente data driven, esse entendimento é imprescindível.
Assegurar a qualidade dos dados que os sistemas irão gerar e/ou coletar é um processo contínuo dentro da GMO. Dados produzem conhecimento, e este é essencial para criar novas culturas e novas atitudes. Mas o processo para obtê-los não é simples. Identificar, qualificar e explorar esses dados requer uma inteligência de negócios, e essa, por sua vez, orienta e retroalimenta a estratégia de negócios.
A GMO, portanto, é uma gestão que atua de ponta a ponta, apresentando-se como uma solução para um problema que o universo corporativo enfrenta há anos, que é a resistência a mudanças somada à uma pressão por inovação e crescimento. Ela é uma ferramenta bastante capaz de dissolver essa contradição. Mas para isso, ela precisa ser colocada em uso, e não ficar restrita à literatura acadêmica.