*Por Fabio Ferreira
O varejo foi um dos primeiros setores a experimentar a inteligência artificial generativa – e também um dos primeiros a lidar com as limitações dela. Anunciada como uma solução para potencializar vendas e para resolver praticamente todos os problemas operacionais do varejo, a tecnologia não correspondeu às expectativas, e hoje tem sido tratada com menos entusiasmo.
As razões para o desânimo são muitas, mas elas têm um denominador comum: o baixo conhecimento sobre a tecnologia. O grande diferencial da IA no varejo é a possibilidade de prever e influenciar o comportamento do cliente. Mais especificamente, ela é capaz de computar dados dos mais variados – o momento em que o usuário fez a compra, o período do ano, os itens que ele pesquisou e qual efetivamente adquiriu – para então gerar a campanha o mais individualizada possível. A realidade, porém, não chegou nem perto disso.
A pesquisa FlashBlack, feita pela R/GA a pedido do Google Cloud, analisou 31 e-commerces brasileiros e mostrou que 18 deles falham ao interpretar erros de digitação, e 20 não retornam resultados para buscas semânticas (quando a pesquisa feita pelo usuário não é específica, como quando ele digita “produtos para pele seca” em vez de “hidratante”). Ou seja: mais da metade das empresas que adotaram a IA em suas lojas digitais ofereceram uma experiência insatisfatória ao cliente final.
Além disso, indisponibilidade de recursos e bugs foram constantes: 20 empreendimentos apresentaram falha durante o processo de compra, 11 não foram capazes de carregar o conteúdo principal do site em 2,5 segundos (considerado o tempo máximo ideal de espera) e 10 lidaram com erros de timeout em plena Black Friday.
Por outro lado, de acordo com a mesma pesquisa, metade das empresas mostrou-se capaz de adotar linguagem natural em seus chatbots. Só que esse é um avanço muito pequeno para o tamanho investimento que a tecnologia demanda.
É seguro dizer que o setor não se beneficiou de tudo que a IA poderia lhe proporcionar. Afinal, inteligência artificial é muito mais que um bom atendimento automatizado.
Assim como boa parte dos outros setores, o varejo ainda não sabe do que a inteligência artificial é capaz. Esse foi o primeiro erro na “corrida” para adoção da nova tecnologia, mas não o único: o varejo, especificamente, acreditou que a IA poderia executar todas, ou quase todas, as funções inerentes ao setor.
A pressão por uma adoção rápida se somou ao desconhecimento, criando um terreno acidentado para obtenção de resultados. Não adianta seguir uma tendência se não há um direcionamento específico e objetivo para sua aplicação na empresa. Claro que é louvável testar novas soluções, mas isso não pode ser feito com parâmetros imprecisos, ou apenas com um desejo de aumentar as vendas.
E verdade seja dita, o varejo é um setor desafiador do ponto de vista da inteligência de dados. As buscas são feitas de forma imprecisa, há falta de padronização das informações e outros vícios. Outros aspectos, como o tipo de grade adotada (smart, palito ou outra), também podem representar complicadores. A busca por precisão nas informações é uma luta constante, que inclusive se beneficiaria de práticas de gestão de conhecimento.
E não para por aí. Imagine que cada compra representa um código dentro do ERP da rede. Agora pense que esse item, depois de adquirido, encontrou desistência por parte do cliente e foi trocado. É difícil mapear e cruzar os dados nesse processo: o que foi comprado, o que foi trocado e por quê isso aconteceu. No entanto, sem o devido cruzamento, os dados se tornam poluídos. Digamos que, ao trocar uma camiseta, o cliente preferiu usar o reembolso em um par de chinelos. O que isso diz para a IA aplicada no sistema?
O varejo sempre tende a investir nas tecnologias que podem trazer mais vendas. Sem esse resultado em vista, qualquer investimento é alto demais. Por isso, a inteligência artificial é algo realmente custoso para o momento atual. Isso não significa que os investimentos em novas tecnologias, ou mesmo em ferramentas de IA, serão interrompidos. É preciso lembrar que, dependendo de qual player estamos considerando, um aumento de 1% já é de grande valia – e pode até compensar os altos valores desembolsados.
O momento, portanto, não é de parar de investir, mas de selecionar o investimento. Ou melhor: definir a forma como a IA será usada de modo a agregar valor ao negócio.
A hora de aderir “porque é a tendência” já passou (se é que isso já foi, em algum momento, razão suficiente), e fica mais fácil a empresa estudar melhor como aplicar a tecnologia de acordo com a sua realidade. O setor já está enfrentando uma estagnação (ou mesmo retrocesso) nas vendas e isso pede ação – não inatividade. É hora de ajustar o olhar, reformatar as expectativas e redesenhar os projetos. A chance de que isso traga resultados melhores é grande – e quem ganha com a maturidade da tecnologia é o setor como um todo.