*Por Aldir Rocha
No mundo corporativo, poucas coisas são mais sedutoras do que velhas ideias renovadas por uma nova embalagem. Os precursores da metodologia ágil que o digam. Esse conceito surgiu a partir da adaptação do Manifesto for Agile Software Development, um documento concebido por um grupo de 17 desenvolvedores, em 2001, e que recebeu influência, por sua vez, dos conceitos de manufatura ágil que haviam se popularizado na década anterior. Então, será que antes disso tudo acontecer, nós não éramos ágeis?
Claro que éramos. Desde seus primórdios, a administração de empresas vem estudando maneiras de aproveitar ao máximo seus recursos técnicos e humanos. Evidentemente, a mudança dos meios de produção e dos mecanismos de trabalho provocou revisões de
conceitos. Assim, o ágil chegou com força no começo deste século e viralizou gradualmente, tomando conta da maior parte das filosofias de gestão operacional das empresas, de pequenas a grandes. Mas, como outros modismos do mundo empresarial, a adoção veio quase sem grandes questionamentos. A adaptação de preceitos aplicáveis ao desenvolvimento de software foi estendida a práticas que muitas vezes não se beneficiam do modelo fragmentado e escalonável proposto pelo manifesto citado anteriormente.
O agile veio com a proposta de ser “a metodologia para acabar com as outras metodologias”. Era uma perspectiva voltada à criação de microentregas conectadas a uma entrega maior. Porém, sem uma governança robusta, ela resulta em uma espécie de “linha de produção de processos”, os quais podem muito facilmente se transformar em células desconectadas da estratégia da organização.
Enquanto ferramenta, tem seus méritos – ela permite identificar falhas no processo de desenvolvimento com maior facilidade e favorece o escalonamento da operação. Porém, como metodologia, deixa a desejar, especialmente por ter um foco tão exclusivo na produção que acaba ignorando o cliente final.
O agile também tinha uma falha essencial: a “urgência” de realizar essas microentregas induzia a um abandono do básico bem-feito. Ainda hoje, muitas empresas sequer conseguem mapear a sua cadeia de valor, como escrevi em outro artigo, ou garantir aos seus funcionários um acesso rápido e estruturado às ferramentas de tecnologia de que necessitam.
Portanto, se eu tivesse que defender um modelo para a “era pós-ágil”, seria o back to basics, o “feijão com arroz”, como dizemos no Brasil, preparado com consciência e conhecimento de causa. Em outras palavras, um mapeamento adequado das necessidades do negócio e da capacidade operacional da TI, para então desenhar uma integração dos processos que aproxime esses dois mundos. Porém, se eu tivesse que apostar em um novo modelo, a minha posição seria outra. E tenho boas razões para isso.
A cada dia que passa, fica mais evidente que a área de tecnologia também é vítima do modelo comercial que produz uma necessidade para, só então, vender a ferramenta que a atende. O que estamos vivendo hoje com a IA é apenas uma nova versão desse movimento, da ideia de obter ganhos imediatos sem se preocupar com a construção de uma obra, com a perenidade da empresa, ou com os impactos dessas novidades na cultura e na identidade da organização.
O “canto da sereia” encontra ouvidos atentos quando vem bem embalado, e o papel da liderança, especialmente da TI, deveria ser o de Ulisses, o herói da mitologia grega: ter uma estratégia confiável para não se deixar atrair, podendo seguir com sua rota sem ser seduzido por distrações enganosas.
É preciso admitir que essa não é uma tarefa fácil. No mundo atual, a comunicação está tão comprometida que precisamos recorrer a agências de checagem para garantir alguma noção da veracidade das informações. Se isso já afetou o jornalismo – que, em tese, dispõe de mais recursos e maior expertise para apurar informações – o que dizer da literatura empresarial e do segmento noticioso dos negócios. Para usar novamente o exemplo da IA: quantos arautos da inteligência artificial você já viu defender a importância de se ter dados estruturados antes de adotar uma solução desse tipo?
Não existe ferramenta suprema. Sempre haverá problemas que ela não soluciona, mas boa parte dos líderes de TI estão aderindo às pressões do mercado ou às do board. E dentro dos ditames corporativos, às vezes a demanda top-down vem com contornos de decreto imperial, o que deixa o CIO em uma posição delicada caso se recuse a atender a agenda. Porém, o líder de TI precisa estabelecer expectativas realistas, o que inclui deixar claro que o uso da ferramenta não pode ser garantia de entrega de resultados.
Força e capacidade argumentativa ainda são requisitos indispensáveis para o exercício da boa liderança. São elas que, junto aos bons resultados, garantem a construção de legitimidade, e esse é um ativo importante na hora de lidar com parceiros que se inebriam com a novidade da vez.