“Ao observar o sistema de Saúde moderno pelo outro lado, posso ver claramente que ele não foi feito para o paciente.”
Ross Donaldson, médico e escritor
A Saúde tem por natureza de atividade uma enorme carga de complexidade. À pressão de lidar diariamente com a dualidade vida/morte, soma-se ainda a necessidade de sobrevivência e transformação das instituições como negócio. Na era em que os dados são o novo petróleo da economia, os sistemas de gestão em Saúde ajudam a elevar os níveis de eficiência, governança, qualidade da assistência e segurança do paciente; por outro lado, estão muito distantes do objetivo que, a longo prazo, vai garantir a sustentabilidade e longevidade de todos os agentes dessa cadeia de valor.
Ao revisitar o estudo “ERPs nas mil maiores empresas brasileiras”, com foco nas 63 empresas de Saúde da lista, o colega Leopoldo Barros, consultor associado da Lozinsky Consultoria, identificou mudanças profundas no modelo de adoção de tecnologia e no setor como um todo. A discussão envolve desde a entrada de fundos de investimento na Saúde e a pressão por mudanças nas instituições, até a tendência de construção de redes de informação e assistência.
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Mas o ponto mais crítico, do qual partem as demais discussões, é a necessidade latente de construir um modelo que permita pensar além dos aspectos mercadológicos, sem perder de vista o crescimento econômico-financeiro. Significa olhar para o próprio negócio de forma mais ampla e menos convencional, a longo prazo, possibilitando um salto que dará a devida importância ao indivíduo que busca saúde e qualidade de vida.
A tendência de construção de redes de informação e assistência existe e cresce na Saúde, com o objetivo de alcançar o chamado Triple Aim. Esse conceito foi criado pelo Institute for Healthcare Improvement e descreve as três dimensões necessárias para otimizar o desempenho dos sistemas de Saúde: melhorar a experiência do paciente, reduzir o custo per capita e gerir a saúde populacional por meio de indicadores demográficos, sociais e epidemiológicos. Recentemente o conceito avançou e já se fala em Quadruple Aim, adicionando-se às três dimensões já citadas uma quarta: melhorar a vida profissional dos prestadores de cuidados, conhecida como bem-estar do fornecedor.
O problema é que, na prática, os sistemas de gestão em Saúde utilizados hoje no mercado brasileiro não estão nem minimamente próximos de viabilizar o Triple Aim. A tecnologia, claro, não pode ser a única culpada pela existência de gargalos que impedem esse objetivo. Mas é fundamental que a qualidade dos registros clínicos supere as funcionalidades do modelo de prontuário eletrônico atualmente em uso e inaugure, definitivamente, sua conexão com o Registro Eletrônico de Saúde (RES). E é aí que reside um fator-chave para o sucesso dessa estratégia: a interoperabilidade.
Há ainda um temor geral quando o assunto é o compartilhamento de dados na Saúde. “Meu concorrente não pode conhecer as minhas estratégias, pois corro o risco de não sobreviver”, é o pensamento que predomina. Ele se reflete em todos os aspectos das organizações, incluindo os ERPs em Saúde, mas também nas dificuldades e desconfianças tão conhecidas do relacionamento entre operadoras e prestadores de serviço, apenas para citar um exemplo mais imediato. As consequências para o usuário são profundas: impede-se o acesso a uma assistência de qualidade porque se deixa de usar dados que são fundamentais para melhorá-la.
O gargalo não é exclusividade do Brasil. O relatório “Leadership innovation impact for a healthier future” (“ou “Impacto da inovação de liderança para um futuro mais saudável”), elaborado pela Academia Nacional de Medicina nos Estados Unidos, confirma que diversos foram os avanços no sentido de disseminar os registros eletrônicos de Saúde, nos últimos anos. Porém, há muito trabalho a ser feito para desenvolver interfaces e padrões que permitam o intercâmbio de dados. É preciso iniciar uma nova fase na qual os sistemas sejam interoperáveis e apoiem, de fato, a tomada de decisão clínica.
A qualidade de dados como matéria-prima é imprescindível para inaugurar a Saúde do futuro, com o uso efetivo de telemedicina, machine learning e inteligência artificial. Sem isso, corremos o risco de nos encurralar, presos em um caminho sem saída no qual o custo assistencial é muito maior do que qualquer um de nós – players e pacientes – podemos pagar.
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