“Nós não começamos com a engenharia e ficamos admirando a incrível tecnologia que temos na mão e como vamos comercializá-la (…) O caminho é começar com a experiência do usuário e só depois reverter para tecnologia.”
Steve Jobs, fundador da Apple
O mundo dos negócios descobriu o mindset ágil, tal e qual os portugueses “descobriram” um Brasil que já existia. De repente, todo CEO se sentiu na obrigação de mostrar que a empresa, a TI e as pessoas lideradas precisam ser ágeis. Mas tem uma lacuna de pensamento aí que a inquietude de consultor não deixa ignorar: a agilidade não é, antes de uma metodologia, o objetivo de qualquer organização no mercado de hoje?
Nos últimos anos, uma série de técnicas e metodologias já utilizadas e provadas por bons resultados foram embaladas com um grande laço vermelho por gurus de TI e negócios. Passaram a ser vendidas como a descoberta das fórmulas de sucesso dos negócios, pressionando as organizações a aderirem a ideias que, de tão bem empacotadas, convenceram o mercado. E eu não estou reduzindo a importância do pensamento ágil.
Vamos à prática: há duas principais referências de mentalidade ágil que permeiam as rodas de conversas corporativas. A primeira é a de startup enxuta, criada pelo escritor e empreendedor Eric Ries e baseada na filosofia japonesa de administração Lean Manufacturing, que deu origem à metodologia Lean. O objetivo aqui é aumentar o valor da criação e eliminar o desperdício. A segunda referência vem da bem-sucedida estratégia de desenvolvimento do Spotify, que adaptou algumas práticas do conhecido método Scrum para sua própria realidade, renomeando o conceito para Agile Coach – em um claro exemplo do tal do laço bonito.
Embora esses dois modelos sejam disseminados como solução decisiva para uma empresa ágil, é possível desenvolver a mentalidade que os define sem necessariamente aplicá-los nos processos da organização. A metodologia ágil tem como foco as pessoas – como elas agem interagem, pensam e se engajam no desenvolvimento de produtos e serviços, buscando resultados satisfatórios para os profissionais envolvidos e, principalmente, para os clientes. Ou seja: tudo aquilo que uma empresa séria e comprometida pretende alcançar, com ou sem metodologia.
Vou além: há uma pressão tão grande nas organizações para a adoção do mindset ágil que, muitas vezes, o que acaba acontecendo é o que eu chamo de ‘cascágil’ – em especial na gestão de TI. O conceito de cascata ainda predomina nas empresas porque traz uma postura defensiva Afinal, só posso começar meu trabalho quando o do próximo termina e, se ele atrasa, o problema não é meu. O modelo também preza pela manutenção do status quo. Se um lado muda o projeto de alguma maneira, o outro diz que não pode continuar porque não tem planejamento.
O comportamento reativo é justamente o contrário do que as organizações precisam – pessoas dispostas a fazer diferente. Por isso, aí está um ponto crucial: devemos mudar a mentalidade de que só é possível executar o passo seguinte de um projeto quando o anterior está finalizado.
O discurso ágil também não pode ficar só na TI, embora ela tenha a característica de entregar produtos que nem sempre estão totalmente finalizados. Pegue o exemplo do Google: a maioria das versões de aplicativos que a empresa lança são beta, sinalizando o estágio de uso e, o mais importante, a abertura a captar a experiência do usuário e, se preciso, mudar o produto original.
A mesma mentalidade deve ser exportada para o restante da empresa, permeando todo o negócio. Afinal, no fim das contas, o objetivo é um só: pensar, juntos, em como garantir a melhor experiência do cliente. Mas nem sempre é fácil para uma empresa em que, diferentemente do Spotify, o core não é a tecnologia.
O mercado pede agilidade. Mas como colocar esse mindset em prática em organizações que, em geral, têm um orçamento nada ágil? Em primeiro lugar, vamos considerar que o método nem sempre é a resposta para tudo. Não tem problema funcionar no modo “cascágil” se um projeto, tem um escopo inicial muito bem conhecido, como por exemplo a implantação de um ERP, desde que a atuação do time e os resultados obtidos estejam dentro do mindset esperado.
No final do dia, com o perdão do clichê, empresas são feitas de pessoas e para pessoas. Portanto, é fundamental ter um time forte e preparado para atender as demandas do cliente e usar a TI para transformar o negócio de dentro para fora – sem rótulos e laços apertados, e sim com pensamento aberto para a mudança.
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