por Ricardo Stucchi
Muitos anos atrás, grandes corporações não tinham ideia de como olhar para startups. Foi assim que a IBM deixou passar, na década de 1980, a compra do sistema operacional DOS para seus computadores. A Microsoft, sabendo da negociação entre a “big blue” e o desenvolvedor, se antecipou e adquiriu o código. A partir de então, seria fornecedora do sistema, sem exclusividade. O resto é história. A Microsoft tem hoje valor de mercado de US$ 2,2 trilhões, enquanto a IBM vale US$ 123 bilhões.
Isso foi em 1981. Hoje, os executivos sabem que não podem subestimar startups. Elas são capazes de iniciar uma revolução. Mas também podem complementar o negócio, apontar novos rumos de um segmento de mercado ou levar a uma significativa transformação interna, se adquiridas ou mantidas próximas.
Quando o Google pagou US$ 1,6 bilhão em 2006 pelo YouTube, poucos imaginavam que dez anos depois a plataforma de vídeo seria tão importante (nos 12 meses anteriores, o Google já havia adquirido diversas startups, inclusive uma que desenvolvia o sistema Android, pela irrisória quantia de US$ 50 milhões). Em 2012, o Facebook comprou o Instagram por US$ 1 bilhão, hoje fundamental na expansão das receitas do grupo.
A lição da década de 1980 foi aprendida pelas corporações dos anos 2000.
No mercado brasileiro também grandes empresas estão de olho no potencial das startups. Vimos a varejista Magazine Luiza ir às compras nos últimos meses e o grupo Ânima, de educação, arrematar a Gama Academy, para citar dois exemplos.
Não faltam rótulos para startups que podem redefinir mercados: healthtechs, edtechs, fintechs, martechs. Se há um ramo tradicional, pode apostar, há alguém pensando em como lucrar de forma inédita ali. Mas isso não é simples.
Sou ciclista. Uma vez, fazendo uma trilha de mountain bike, em que a troca de marchas é intensa, vinha a uma certa velocidade e entrei numa subida. Demorei para aliviar a carga e, quando consegui, a corrente sofreu muita pressão. Resultado? A corrente arrebentou. Parei para consertar, perdi um tempão e fiquei no prejuízo.
A aquisição de uma startup é a ladeira que se aproxima. A pequena empresa inovadora pode trazer uma abordagem diferente e se chocar com a realidade e a cultura corporativa imposta. Para o grupo, é vital dimensionar quanto do seu modelo de negócio será influenciado e o tamanho da carga que as áreas responsáveis pela integração vão sofrer, para a corrente não arrebentar.
Fazer um bom trabalho de due diligence além do financeiro é fundamental para descobrir o que está por vir. O tema tecnologia muitas vezes é ignorado neste momento, mas pode ser chave fundamental do sucesso depois da aquisição. Inclusive, trato das fases da aquisição de uma empresa neste artigo aqui.
A aquisição de startups pode antecipar um negócio rentável e multiplicador. Mas esse não deve ser o único objetivo. As compradoras sabem que estão adquirindo empresas com dinâmica interna e DNA diferentes. Terão de lidar com isso. Já não compram somente pensando em integrar ou liquidar, mas para ter a startup como um exemplo, um guia numa trilha sinuosa.
Além disso, é natural comprar uma, duas, três, uma dezena de startups a fim de integrar ao grupo um ecossistema inovador. Não é preciso ter como objetivo consolidar todas essas aquisições. Elas podem continuar com seu trabalho e, assim, complementar o do grupo.
Já testemunhei, também, casos de aquisições defensivas, em que um grupo compra uma startup porque o concorrente fez movimento semelhante. A estratégia deixa a holding pronta para um próximo passo, sem correr o risco de perder a marcha.
Outro ponto fundamental na compra da startup vem do intangível: marca, tecnologia, potencial revolucionário, recursos humanos. É bem diferente do M&A clássico, que resulta em redução de custos, incorporação da carteira, entrada em um ramo complementar ou integração vertical.
Há ainda alternativas à compra. Tem empresa especializada em montar startups para grandes grupos a fim de testar teses e mercados, sem o peso do DNA da holding. Outra possibilidade é montar um hub de inovação e trazer para perto várias startups, oferecendo infraestrutura e mentoria após um processo seletivo que demonstre a viabilidade e o potencial transformador das participante
A compra não é foco exclusivo do CEO. CTO ou CIO devem participar da estruturação do negócio e precisam ter o olhar expansionista, a fim de mitigar resistências dos colaboradores da área de tecnologia dentro do grupo.
As investidas tendem a quebrar paradigmas de TI. Tendem a desafiar processos arraigados – lembra da corrente tensionada da bike? Algumas vêm com arquitetura de tecnologia muito diferente, que no primeiro momento parece não funcionar, mas na prática têm resultado positivo. É o caso do nível de terceirização, uso de serviços externos ou da proximidade que o time tem com o negócio.
Em resumo, trabalhar com grandes times ou big companies continuará existindo, mas devemos trabalhar cada vez mais com ecossistemas. O paradigma de que a TI tem controle de 100% do que está sob seu guarda-chuva mudou. Mas o importante é não ter pressa. A integração deve ser planejada, se é que precisa acontecer. O grande grupo não precisa pensar ou agir como uma startup, tampouco se tornar uma. Mas sim se adaptar com base nos exemplos dessas pequenas.
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