Por que as startups mexem com a cabeça (e o coração) dos investidores?
Nunca se viu um processo tão intenso de investimentos, fusões e aquisições quanto nos últimos dois anos – muitos envolvendo startups – e não há indícios de que vá diminuir em curto ou médio prazo. É preciso conhecer os fatores, bem como riscos e limitações, que estão por trás dessa movimentação
por Sergio Lozinsky
O aporte em startups somou um recorde global de US$ 156 bilhões no segundo trimestre, sustentado por fortes investimentos em empresas nos Estados Unidos, mostrou um estudo da CB Insights divulgado em julho. Trata-se de uma recuperação impressionante – o investimento privado cresceu 157% em relação ao mesmo período do ano passado, quando a pandemia da Covid-19 começou a devastar economias. Já um levantamento da plataforma Transactional Track Record mostra que, entre janeiro e maio deste ano, o número de fusões e aquisições avançou 36% na comparação com o mesmo período do ano passado – foram 693 negócios.
Essa tendência não se restringe ao presente: ela deve continuar pelos próximos anos. A competição entre empresas passou a acontecer em nível global, trazendo muito mais ofensores ao crescimento de cada uma. Três fatores influenciam fortemente esse movimento: a necessidade de adquirir novas tecnologias, a busca por uma expansão rápida de mercado e até um desejo de proteção – isto é, “matar” futuro concorrente antes que ele cresça.
Este último motivador foi bastante comum no mercado de software ao longo dos últimos anos, e oferecia a vantagem de trazer para dentro da empresa talentos humanos dos quais ela não dispunha. A compra da PeopleSoft pela Oracle, consolidada em 2004, é umas referências desse período. Ainda que com menos frequência, aquisições orientadas por esses objetivos continuam acontecendo ainda hoje.
Efervescência constante
Um elemento adicional a esse processo são os fundos de investimento. Eles criam ainda mais oportunidades de aquisição para o mercado devido à sua própria natureza: dificilmente um fundo permanecerá à frente de uma empresa por mais de dez anos, já que seu resultado vem justamente da venda daquilo que construiu.
![Segundo Sergio Lozinsky, da Lozinsky Consultoria, nunca se viu um processo tão intenso de investimentos, fusões e aquisições quanto nos últimos dois anos – muitos envolvendo startups – e não há indícios de que vá diminuir em curto ou médio prazo. É preciso conhecer os fatores, bem como riscos e limitações, que estão por trás dessa movimentação](https://lozinskyconsultoria.com.br/wp-content/uploads/2021/08/Sergio-Lozinsky_Lozinsky-Consultoria-200x300.jpg)
Os fundos de private equity compram não uma, mas várias empresas. Eles criam algo maior, mais produtivo e atrativo para a venda. O viés deles é o de consolidação de negócios, e fazem isso de uma maneira muito mais rápida do que o mercado seria capaz de fazer por outros meios ou via Bolsa de Valores.
A verdade é que o mercado de M&A vive um momento especial de “ganha-ganha”: as empresas que têm estratégia de crescimento inorgânico podem comprar soluções e negócios aprimorados pelos fundos de private equity; estes, por sua vez, dispõem de um mercado comprador com investidores ansiosos; e por fim, as empresas candidatas a realizarem seu potencial financeiro através de uma venda encontram mais caminhos e mais recursos para fazê-lo.
Um freio à vista?
Apesar de tantos elementos favoráveis, algo pode ameaçar – ou ao menos impactar – esse cenário: os órgãos encarregados de preservação à concorrência começarem a estabelecer novas regras para aprovar essas aquisições, em razão do tamanho de mercado que resulta dessas ações, tornando-o menos competitivo.
Não se pode negar a necessidade de algum nível de controle. O filósofo e doutor em Sociologia tunisiano Pierre Lévy afirma que empresas gigantes como Apple, Google, Microsoft, Amazon, Facebook e outras se tornaram novas formas de Estado, os quais ele chama de Estado-plataforma, ou de tecnopoder. Eles compõem um elemento especialmente desafiador, uma vez que extrapolam os órgãos reguladores nacionais e passam a requerer a regulamentação de órgãos internacionais.
Estamos em uma espiral de evolução tecnológica que abre espaço para desdobramentos eventualmente sombrios, mas ela também cria possibilidades inimagináveis. O problema, nesse caso, é que muitas vezes o board das grandes empresas não é capaz de compreender o que está diante deles, mesmo com o auxílio dos especialistas. Só o que temos à frente com a evolução dos dispositivos conectados com o 5G é um universo literalmente imenso. Isso acaba favorecendo um clima de “Corrida do Ouro”, com buscas desenfreadas pelo que pode ser a próxima grande transformação e, por isso mesmo, nem sempre fundamentada em bases sólidas.
E isso é muito bom. Vivemos uma época em que muito mais pessoas admitem tentar criar algo de valor – um comportamento que não era constante há alguns anos, quando ainda vicejava a mentalidade de garantir uma carreira estável, mas não necessariamente produtiva. A valorização do potencial das startups, a ação dos investidores-anjos com seu seed money – isso é verdadeiramente revolucionário. Representa uma alavanca poderosa para a evolução de produtos e serviços, e mais um instrumento para distribuição de riqueza.
Mas não podemos nos esquecer de que são sempre operações de risco alto. E as razões para não dar certo costumam ser as mesmas: erro estratégico na decisão de escolher o que comprar (e só perceber depois de efetuar a compra); erro na hora de integrar as empresas (se valendo mais da intuição do que da capacidade de fazer o processo adequado); e a própria capacidade de gestão de um negócio com dimensões ampliadas.
Seja como for, os riscos não são suficientes para desacelerar esse movimento – e o passar dos anos tende a refinar o conhecimento sobre essas operações. Por isso, não basta apenas “seguir o fluxo”: as lideranças precisam mergulhar fundo nos mecanismos desse universo se quiserem tirar verdadeiro proveito dele.
>>> Assista ao vídeo “Como empresas consolidadas lidam com startups”, feito por nosso sócio-consultor Ricardo Stucchi:
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