Shakespeare nos ensinou, há mais de quatro séculos, que “a transformação é uma porta que se abre por dentro”. E quem se arrisca a atravessar os corredores internos em busca da maçaneta, geralmente, tem dificuldade em acessar passagens essenciais para conclusão do percurso. Extrapolando a metáfora para o universo corporativo e aproveitando o ímpeto pela mudança diante da transformação digital, esses percalços costumeiramente tomam forma de processos mal desenhados, inexistentes ou ignorados; e absoluta ou parcial falta de comunicação intradepartamental. A não correção desses problemas tem dois possíveis cenários: estagnação ou extinção.
Em primeiro lugar, é importante lembrar que as características negativas citadas acima são consequência do crescimento desorganizado – algo que pode acontecer com empresas de qualquer porte ou segmento de atuação. Nos últimos anos, uma quantidade imensurável de organizações, incluindo algumas em posições privilegiadas, cresceram sem delimitações claras e estruturadas de gestão e metodologia. Os resultados dessa falta de referência começam a aparecer agora, enquanto diversas delas enfrentam dificuldades que não as incomodavam até pouco tempo atrás. O fato é simples: as novas exigências que acompanham a evolução tecnológica afetam o modo como as companhias atuam.
Esse cenário não é ruim, mas exige trabalho e coragem para mudar. É preciso se debruçar sobre o panorama organizacional atual e tratá-lo da mesma forma que qualquer diagnóstico: entender onde se está e pavimentar um caminho factível para esse novo posicionamento. E é nesse ponto que a estratégia de tecnologia da informação tem papel essencial e pode ser a grande mola de transformação do negócio.
Aqui vale um alerta: a TI ainda trata as áreas de negócio, em diversas situações, como simples clientes, ao passo em que, na situação inversa, o departamento de tecnologia da informação é visto apenas como um fornecedor, o que impede a integração estratégica total. Essa configuração, apesar de ter funcionado no passado, é inviável para os desafios atuais.
Analisando e entendendo o momento atual da empresa, é possível identificar as amarras para o crescimento. Com base nesse estudo, a TI transita entre as áreas, oferecendo soluções que, combinadas a conhecimento de negócios, desfazem os nós de processos e de comunicação internos. Por outro lado, se isso não for feito, corre-se o risco de os erros serem repetidos.
Além desse engenhoso viés, a TI deve, acima de tudo, respeitar a cultura da organização. Quando falo de cultura, me refiro àquilo a que a companhia acredita: seus valores, sua missão e sua visão – independentemente do que o mercado identifica como sendo melhor. É como o DNA de um ser vivo: impossível que essa combinação seja diferente. Se uma companhia possui uma cultura hierárquica, na qual as decisões partem de cima para baixo, é preciso que a TI ajude a identificar se a estratégia desenhada pelos executivos chega à operação. Do mesmo modo, caso a cultura seja a de uma estratégia excessivamente prática, na qual os departamentos têm autonomia para realizar ações em prol da agilidade, é preciso que a TI ajude a alinhavar a praticidade à estratégia global de crescimento. O desafio é encontrar um ponto de equilíbrio – mas sem prejuízos à essência do negócio.
Qualquer transformação deve seguir, portanto, três passos, sendo que o seguinte sempre depende do predecessor: estratégico, tático e operacional. Quando a TI consegue trafegar entre os três, por meio de todos os departamentos, ela pode, enfim, ser chamada de estratégica, construindo ciclos transformacionais. De ciclos em ciclos, a empresa cresce de uma forma absolutamente sustentada e a transformação entra no DNA organizacional. E com esse papel, a TI ajuda a destravar a tão almejada porta de transformação. Basta, ao negócio, girar a maçaneta.