Plano de gestão de TI e o Board

O plano de gestão da TI não é só para o board ver – mas o que ele, efetivamente, verá?

É bastante comum que exista uma diferença enorme entre o que a TI aconselha e o que o conselho espera alcançar – ou o que está disposto a investir. Como, então, diferenciar expectativa de realidade? É possível dizer “não” para o board ou reverter as negativas do alto comando? 

por Renato Maio

“As discussões sobre os riscos futuros e suas implicações começam pelas mais importantes forças externas capazes de afetar uma vasta gama de iniciativas da empresa. Essas forças podem ser ameaças, mas também oportunidades. Membros da equipe executiva podem começar pelas forças mais aparentes em seu caso. Podem ainda recorrer a recursos internos e externos para identificar forças externas que terão um impacto importante, mas, para o observador casual, não parecem diretamente relevantes. Muitas forças externas se aplicam a uma empresa, que será afetada por (ou se beneficiará de) cada uma delas de maneira diferente”.

Essa é a visão apresentada por George Westerman, cientista na MIT Sloan School, e Richard Hunter, vice-presidente na divisão Gartner inc, em seu livro O Risco de TI – Convertendo ameaças aos negócios em vantagem competitiva (Harvard Business Scholl Press). A obra sustenta a tese de que a TI cumpre papel fundamental de observadora especialista nos negócios. Nessa posição, lhe cabe entender as forças externas e internas e propor soluções que convertam ameaças em vantagens competitivas – de forma sistêmica, estruturada e perene.

Parece inviável? Basta examinar os acontecimentos de 2020 para ficar claro que não só é uma realidade possível como necessária. Ao longo de todo o ano passado, nos deparamos com uma incrível cesta de ameaças e oportunidades nas empresas, e a TI teve relevante papel de mitigar riscos, além de pavimentar caminhos de oportunidades. 

E como estamos nos saindo agora, em 2021?

Nem sempre a formação e o conjunto de conhecimentos e habilidades em TI resolvem tudo. A questão do posicionamento executivo faz total diferença e, para isso, temos que escolher muito bem o momento de usar o “sim” e o “não” como líderes responsáveis que somos, e cientes que as organizações também esperam esse comportamento da TI. O desempenho da área nas organizações nesses últimos tempos elevou bastante o grau de confiança em sua capacidade.

Dentro do ambiente corporativo, há um longo e complexo processo de definição daquilo que é prioritário. São discussões que levam em conta a relação de importância versus urgência, para a escolha adequada do “sim” ou do “não”. Estaria a TI se posicionando apropriadamente nessa balança?

Obviamente, cada caso tem suas particularidades. Em algumas organizações, a TI se reporta ao CEO, com melhor posicionamento e mais atuação estratégica; em outras, reportam-se ao CFO, com posicionamento mais operacional e com preponderância em redução de custos; há ainda as que estão sob um COO, entre outros casos menos comuns. Tudo isso é sabido e tenho certeza que o leitor se vê em um ou outro cenário entre os que apresentei. 

Nenhum desses cenários, porém, diminui a importância do apropriado e esperado “sim” ou “não”. A TI muitas vezes cede à tentação de viver um cenário do tipo “vamos tocando a vida”, priorizando o operacional do dia a dia e aceitando focar no que lhe é mais confortável, não no mais importante para o negócio. E deixa de lado um conjunto de ameaças e oportunidades, como a insegurança cibernética ou a transformação digital. 

Sei que talvez até parte da explicação esteja numa hierarquia cheia de amarras, comum em muitas organizações. Mas conformar-se com o comportamento passivo é um erro. A TI não pode se eximir de um posicionamento executivo, deixando de fazer parte dos assuntos vitais para o Negócio, exercendo insuficientemente seu papel como geradora de vantagens competitivas.  

Por outro lado, e também igualmente importante, o “sim” pode ter um papel tão nobre quanto o “não”. Como ocorre, por exemplo, na resposta rápida àquilo que urge ser feito para que o negócio possa atingir seus objetivos estratégicos. A TI é — e se não é, deve ser — um pilar para a construção dos caminhos que definem o êxito da empresa. 

Vejamos a seguinte hipótese: o Negócio definiu uma estratégia expansionista por aquisições, e chama a TI para avaliar as plataformas instaladas que suportam as operações, bem como os instrumentos necessários para executar processos de M&A. Cabe à área responder “sim” e fazer uma boa avaliação das suas arquiteturas tecnológicas e recursos, combinando próprios e terceiros, e se aprimorar, se for o caso, para não obstar os objetivos do negócio. Do contrário, deve oferecer retaguarda tecnológica e aceleradores para o atingimento dos objetivos

Para trazer a discussão mais próxima do dia a dia da TI, apresento uma experiência interessante na qual eu estive diretamente envolvido. Ali, saber se posicionar apropriadamente com o sim e o não, adicionado a todo um conjunto de conhecimentos e habilidades exigidos para a função, resultou em algo fora do esperado. Era um programa transformacional no setor de varejo, na qual um CIO bastante capaz liderou o assunto que passava por frentes complexas (implantação de nova arquitetura de sistemas, adequação da infraestrutura, revisão dos processos de negócio, maturação dos serviços de TI, governanças, integração, gestão de mudanças, impactos organizacionais, etc.). 

O projeto atingiu o objetivo estabelecido no plano com qualidade e, como subproduto, revelou muitos pontos interessantes que deveriam servir de matéria-prima para a melhoria contínua e evolução tecnológica da TI. Contudo, esse mesmo CIO não atuou apropriadamente nos momentos mais complexos da execução, eximindo-se da nobreza de se posicionar com “sim” ou “não” quando os momentos mais complexos exigiam.  Tal ausência acontecia junto à equipe do programa e, em especial, aos stakeholders.

A conclusão é de que, apesar do resultado positivo do programa, o CIO teve que buscar novos desafios na carreira. Seu sucesso em questões operacionais não serviu como contrapeso para essa deficiência estratégica. A parte satisfatória da história é que esse profissional tem hoje outra grande oportunidade nas mãos para, quem sabe agora, praticar a nobreza do “sim” e do “não”.

Cabe a nós, profissionais de TI, ficarmos atentos e na vanguarda dos conhecimentos e oportunidades aplicáveis em cada caso. Saber e ter a coragem de dizer apropriadamente “sim” ou “não” é um comportamento exigido de cada um de nós, sob a pena de que, caso não nos posicionemos, alguém o fará por nós.

Leia mais:

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artigo assinado por

Renato Maio

Sócio-fundador
Especialista em desenvolver projetos em organizações multiculturais e globais, atuando com gestão de mudanças e impactos organizacionais.
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