por Sergio Lozinsky
“Tudo deve ser feito do modo mais simples possível, mas não mais simples que isso”
Roger Sessions, musicólogo
Se os projetos estão mais complexos, a maneira de conduzi-los não pode ser simplista. Parece óbvio, mas a pressão por resultados leva a uma busca por soluções mais imediatistas, nem sempre avaliando os impactos que essa simplificaçāo pode causar. Com isso, a gestão se torna um conflito de tempo versus qualidade, com a balança pendendo com frequência para o primeiro. Mas é preciso reajustar esse equilíbrio.
A complexidade vem aumentando porque os projetos de negócios estão cada vez mais entranhados no core business. Isso ocasiona uma mudança no papel da TI: historicamente, ela era responsável por desenvolver softwares de apoio às operações do negócio – mas a operação em si ainda tinha um significativo componente “manual”.
O grau de eficiência esperado atualmente pede mais que apoiar: a tecnologia agora é inerente aos processos, o que fica ainda mais evidente em atividades como e-commerce, logística e nos pontos de contato do cliente com a empresa, na jornada do cliente.
Nesses casos, além da dificuldade normal de desenvolver e implantar uma solução de tecnologia, existe a própria discussão de como essa operação de core business deverá acontecer (dos dados à disponibilidade de novas ferramentas), o desejo de melhorar a experiência do cliente, e a preocupação com eficiência e custos. Há a necessidade de um olhar atento e especializado a aspectos muito próprios das operações, exigindo mais multidisciplinaridade que nunca. Junte-se a isso a sofisticação da própria tecnologia, que entrou em uma espiral de inovação e adoção muito mais veloz do que em qualquer outro período da história.
Essa soma de fatores leva as empresas a repensarem a forma que operam em relação às ferramentas que dispõem, à concorrência que enfrentam, às disrupções que acontecem no mercado, à necessidade de ter preços competitivos etc. Tudo converge para que a operação seja não apenas o mais automatizada possível, mas também capaz de entregar um resultado notável, tanto financeiro como de informações e de experiência.
A complexidade aumenta, ainda, à medida que o ponto de partida não é tão bom quanto deveria ser. Empresas que não fizeram bem o dever de casa no que diz respeito às concepções de arquiteturas de dados e de sistemas, ou que carecem de maior grau de maturidade para gerenciar projetos complexos, têm uma dificuldade adicional em adequar sua gestão a essa crescente necessidade de sofisticação das soluções.
Como as empresas vão adequar a gestão dos projetos aos desafios trazidos por tanta complexidade? Um dos primeiros passos é ter cada vez mais a participação de quem conhece o negócio por dentro profundamente. E isso não quer dizer necessariamente o profissional com muitos anos de casa, pois esse pode ser justamente aquele que não consegue atuar de maneira diferente e que, quando desafiado, mostra resistência a ponto de prejudicar o bom andamento da estratégia.
O conhecimento do negócio não se restringe apenas à empresa em questão. É onde temos o especialista de fato, que conhece os meandros da cadeia de valores e está intimamente familiarizado aos processos que dela fazem parte. Esse não é o “superespecialista”, uma figura controversa e questionável que adquiriu força nas redes sociais por vender panaceias que dificilmente se sustentam. O especialista de fato é alguém cujos conhecimento e experiência de mercado podem trazer ideias que reestruturam ou revolucionam o que está sendo feito na empresa, mesmo que ele nunca tenha atuado nessa organização antes.
É alguém que sabe mais do que a sequência “correta” dos acontecimentos. Ele entende o que está por trás dos processos: os porquês, os gargalos, as possíveis falhas, a composição dos custos, os potenciais ganhos nos processos. É um profissional capaz de adaptar o seu conhecimento àquela empresa específica. E, em tese, ele não precisa necessariamente ser da TI. Porém, quando ela dispõe de alguém com essas características, é um grande diferencial. Naturalmente, esse é um “espécime” raro. Na eventual falta de alguém com esse perfil, o “patrocinador” da mudança deve promover discussões com o time envolvido para buscar – na troca de ideias e no desafio ao status quo – as soluções que farão a diferença.
Seja como for, a TI precisa estar preparada para encarar a crescente complexidade dos projetos. Afinal, ela não pode jogar toda a responsabilidade pelas especificações e decisões de tecnologia nas mãos do negócio. Se não houver condições de fazê-lo com o que tem dentro de casa, é preciso buscar alguma assessoria ou outras alternativas, mas ela não pode se furtar a desempenhar esse papel de orientador e facilitador.
Há um sofisma no mundo corporativo que pressupõe que, se o assunto envolve tecnologia, alguém da TI deveria saber orientá-lo. Isso nunca foi totalmente verdadeiro, e é menos ainda nessa era de grandes complexidades. Ainda assim, o mito persiste.
Se por um lado não é aconselhável que a TI alimente essa lenda corporativa, por outro é preciso lembrar que a área pode ser responsável por puxar mudanças essenciais na empresa. Deveria ser claro que o assunto “transformação” é uma responsabilidade da liderança como um todo, mas quando isso não acontece, cabe à TI orientar essa movimentação, por ser a área “mais próxima” dos avanços tecnológicos.
Esse é um tremendo desafio, e também é um peso em uma área já naturalmente sobrecarregada. Por isso, esse é um movimento que a TI precisa planejar com cuidado. Os líderes de TI devem conhecer bem sua audiência, levando em consideração o grau de maturidade, a cultura e outras variantes para propor algo adequado à realidade da sua organização. Como o aumento da complexidade passa, obrigatoriamente, por questões tecnológicas, a TI não pode se manter alheia a ele, mesmo que as demais lideranças não estejam fomentando a mudança.
Como quase todo ônus, esse traz um bônus: adotar essa postura de maior iniciativa pode deixar mais claro o papel estratégico da TI, fortalecendo-a na estrutura da organização.
O negócio tem um timing e objetivos que não são convergentes com o que a tecnologia pode oferecer. Como disse no início do texto, há uma grande tendência de o negócio tentar resolver as coisas rapidamente, sem considerar os impactos que essas soluções podem trazer. Porém, é importante que a TI não alimente essa cultura do “gritar para receber”. Esse paradigma precisa ser quebrado.
Na prática, se existe um bom planejamento de longo prazo na área de tecnologia, fica mais fácil e prático negociar o que será feito “logo”, ainda que de forma não ideal e temporária, e o que necessariamente deveria encaixar-se na construção de algo mais perene, que contribua para uma arquitetura de dados e de sistemas eficaz para o negócio.
Quando a complexidade das soluções e dos projetos aumenta, os riscos associados são maiores e, por conta disso, elementos fundamentais como patrocínio e governança, perfil da equipe, entendimento dos impactos nos processos, estratégia de implantação, faseamento dos trabalhos e contratação do apoio requerido farão toda a diferença na obtenção de grandes resultados.
Artigo originalmente publicado na coluna Transformação Digital sem Travas, no The Shift
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