A pandemia de Covid-19 acelerou a digitalização do emprego e disseminou o home office. Mas trabalhar de casa não é sinônimo de qualidade de vida, aponta Jemima Freitas, vice-presidente de Gente e Gestão do Futuro do Trabalho da Associação Brasileira dos Profissionais de RH e head de Gente e Gestão da rede de clínicas especializadas em saúde mental eCare. Jemima tem, ainda, passagem pelo RH de empresas do porte de Porto Seguro e Itaú.
No último ano e meio, todos os profissionais que podiam exercer o trabalho híbrido se dividiram entre a lida doméstica e profissional. Faltou rotina e, com isso, as jornadas se alongaram. Os índices preocupantes de diagnósticos relacionados à saúde mental, além de vários relatos sobre estafa, acenderam um sinal de alerta e levaram muitos a questionar a viabilidade do modelo. Agora é hora de traçar o futuro do trabalho, trazer rotina para o modelo híbrido e colocar o ser humano no foco para segurar na empresa os profissionais qualificados. Confira.
No último ano estivemos em pandemia, não em home office. Passamos por um transtorno de adaptação, e hoje falamos muito de burnout. Só agora estamos começando a colher os frutos de um trabalho remoto de verdade. As aulas voltaram, então conseguimos trabalhar em casa, já que o filho está na escola. Conseguimos participar direito das reuniões, parar para almoçar. Ao longo desse período intenso, as pessoas passaram a valorizar trabalhos mais flexíveis.
Que ao falar de trabalho do futuro, passo a falar de design para o wellbeing. Isso é mais do que bem-estar; é uma compreensão do ser humano como um todo. A mesma Jemima que trabalha na eCare é mãe, quer sair de casa de vez em quando, ter outros compromissos. O trabalho está mais flexível, mas o escritório continua a existir. A jornada se tornará híbrida para quem precisa ou deseja, e quem não precisa poderá inclusive não ir nunca para o escritório.
Porque todos produzimos melhor se estivermos em um ambiente que nos traz conforto. Precisamos voltar para um lugar em que o natural é ter o profissional como ser humano no centro. Deixar de fazer a pessoa trabalhar pelo processo, para fazer o processo trabalhar pela pessoa.
O grande desafio é como promover um espaço com menor exposição ao estresse. Estamos em uma sociedade em que se trabalha muito. O brasileiro tem um traço de comando e controle muito arraigado. Temos de mudar essa mentalidade para adotar uma relação de mais confiança entre as partes.
Não dá pra colocar a responsabilidade do adoecimento mental durante a pandemia nas empresas. Neste período, o líder foi muito desafiado. Ele tinha que lidar com funcionários com problemas pessoais, todos com algum parente doente. É muita coisa para impactar a saúde mental do ser humano.
Chegou o momento de a organização se rever como cultura e colocar o ser humano no centro. O líder tem de entender que suas ações vão impactar a saúde mental do time. Sempre em uma relação, tem um terço que é meu, um terço que é do outro, e um terço que é de ambos. Então, como profissional, tenho que pensar qual é a parte que me cabe. Tem coisa que é do líder e coisa que é da organização.
A maioria das reclamações dos empregados remete à falta de liberdade para tomada de decisão, falta de autonomia ou de clareza nas atribuições. Se eu sei que é assim que funciona, como posso me planejar? Em qual momento e como vou abordar o líder sobre isso? Há situações que não poderemos mudar, e aí teremos de pensar se vale continuar por outros motivos, como o salário. Isso não é fácil, mas não adianta delegar aos outros a minha saúde mental. Ter consciência do que cabe a mim resolver é algo libertador numa relação de trabalho.
Outro ponto: reconhecer as próprias vulnerabilidades é fundamental para desmistificar problemas ou receber ajuda. Quando faço isso, paro de me colocar em um ambiente de alto estresse que vai impactar minha saúde mental e minha felicidade.
Isso é muito individual. Tem gente que trabalha para pagar boleto, e tudo bem. Tem gente que busca propósito, objetivo de vida. Tem gente workaholic, que vê no trabalho a razão de ser. Então a questão é encontrar o equilíbrio entre o que traz satisfação e o que paga as contas.
Precisamos ter uma relação adulta com nós mesmos, que passa pelo autoconhecimento do que é importante para nossas vidas. Ter uma visão de sustentabilidade emocional daquilo que abro mão ou não. Isso vai dizer se minha relação será mais leve ou mais intensa com o trabalho.
Já as organizações têm o desafio de criar um ambiente mais leve, de menos comando e controle, de fazer um design voltado para o wellbeing. A organização que não se adequar vai perder profissionais.
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