Se o passado é um legado, o futuro é a matéria-prima do presente

É difícil moldar o futuro no presente, mas não faltam exemplos de pessoas e empresas que foram capazes de fazê-lo, capazes de aprender as lições do passado e de distinguir visão de ilusão. Essa não é uma tarefa simples, porque a fronteira que separa o iludido do visionário costuma ser tênue.

por Sergio Lozinsky

 

Como se antecipar ao futuro quando até o presente parece incerto? A tarefa é difícil, mas pode ser realizada. A história é cheia de exemplos de grandes empresas (e pessoas) que foram capazes desse feito e, justamente por isso, tornaram-se grandes. Amazon, Netflix e Apple são algumas das gigantes que se viram imersas em crises significativas ao longo de sua história, algumas delas a ponto de ruir, mas conseguiram reverter sua situação e encontrar o crescimento justamente quando entenderam como sua expertise poderia ser usada em prol de um futuro mais sólido e próspero.

O olhar para o futuro pode ser treinado. Mas, para isso, é preciso observar as lições que as construções do passado recente ensinam, mesmo que de forma subliminar. Quando fundei a Lozinsky Consultoria em 2008, estava orientado por duas motivações: a primeira era continuar trabalhando mesmo depois de ter me aposentado “oficialmente”. A segunda dizia respeito a uma janela de oportunidade que eu percebi ainda no ano de fundação da empresa.

O país vivera anos excelentes na economia entre 2000 e 2008. Vários negócios prosperaram, especialmente de empresas brasileiras – muitas familiares. E, como seria de se esperar, o crescimento foi um tanto ao gosto da cultura empresarial nacional, na qual se aproveitam os bons momentos para crescer, sem que se dedique muito esforço a fazê-lo de forma organizada.. As empresas deram saltos importantes em suas receitas, mas a governança, os processos e os sistemas eram, via de regra, inadequados para o nível de crescimento que haviam atingido. 

Esse cenário não era um problema em 2008 – mas viria a ser. Era bastante claro, para mim, que dali em diante aqueles que quisessem manter sua liderança precisariam repensar seus modelos de negócio e a relação com a tecnologia. Verifiquei que o mercado de consultoria daquele período não estava preparado para atender essa demanda, e que eu tinha condições de criar uma empresa que resolvesse problemas complexos (como, por exemplo, crescer com produtividade e lucratividade) e lidasse bem com a cultura empresarial brasileira. 

O que não imaginei é que a demanda seria tão grande e a minha empresa de consultoria chegaria ao porte que tem hoje. Eu quero crer que essa “surpresa” é a recompensa a que temos direito quando, de alguma forma, somos capazes de enxergar o futuro como matéria-prima do trabalho. Essa capacidade, a meu ver, é atributo indispensável para um empreendedor.

Mas o empreendedorismo é mais que isso. Ao ter o futuro como matéria-prima de seu trabalho, o empreendedor o molda. Quando você cria um negócio baseado numa ideia em que acredita e que pode mudar a vida das pessoas, você causa um impacto no mercado em que está inserido – como foi o caso das empresas que citei no início deste texto. Como posso alavancar o que eu faço? Como eu posso multiplicar minha capacidade de entrega, gerar negócios, abrir oportunidades que eu ainda nem sei quais são? Essas são as perguntas que um empreendedor se faz. 

Eu tenho a impressão de que existe um futuro que já está naturalmente reservado para nós, em função de nossa formação, família, local onde se vive, por exemplo. Mas há outro futuro que só com empreendedorismo seremos capazes de criar. Esse me encanta. Posso dizer que não se trata de um futuro exclusivo aos que constroem uma empresa. Há o que chamo de intraempreendedorismo, realizado por pessoas que não criarão necessariamente um novo negócio, mas contribuirão para melhorar a visão e para a expansão da empresa da qual fazem parte. 

Seja como for, é importante não se deslumbrar jamais. A ideia de moldar o futuro é inebriante. Por isso, nem todos que se consideram empreendedores são, de fato, visionários. Às vezes, podem estar apenas iludidos. Mas, enquanto o iludido acredita conhecer o certo, ao medir o mundo com seu próprio metro, o visionário percebe nuances na sociedade, nas pessoas e se move pelo desejo irrefreável de resolver um problema que conseguiu identificar. As histórias dos visionários são claramente de altos e baixos, mas algo grande e concreto é sempre alcançado por eles. Já a dos iludidos revela a persistência em perseguir um modelo para o qual não há pragmatismo e flexibilidade para adaptações ao longo do tempo e reconhecimento de enganos.

Se há uma lição que o passado me legou, é que, quando nos iludimos, toda a motivação que nos move acabará por revelar nossa incompetência. A missão do empreendedor é árdua, porque é difícil moldar o futuro no presente e, em contrapartida, é fácil se iludir quanto ao próprio futuro. 

Conhecimento, construção de equipe, muita dedicação e observação atenta: essas ferramentas — que nada têm de simples — são essenciais para integrar o futuro à estratégia da empresa e garantir a construção das bases para novas “edificações”. 

Encerro com uma frase que ouvi há muitos anos, mas que resume bem a questão: “visão sem ação é apenas um sonho, ação sem visão, apenas consome o tempo, mas visão e ação combinadas podem mudar o mundo”.

 

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Águas passadas movem moinhos: as lições de 2020 para planejar 2021

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artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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