Migração para o trabalho remoto ressaltou a relevância do papel do líder de TI, mas também evidenciou as possíveis deficiências de sua gestão. Saber se reposicionar diante desse cenário é uma necessidade urgente, cujos resultados serão decisivos para a carreira de CIO
Por Sergio Lozinsky
Uma grande dança das cadeiras se faz presente hoje na área de tecnologia, atingindo do nível mais junior ao executivo, por iniciativa tanto da empresa quanto do profissional. Seria lógico supor que as necessidades impostas pela pandemia criariam uma certa estabilidade, mas não é o que está acontecendo – uma prova clara do impacto deste momento para a carreira dos CIOs.
Parte dessa movimentação é efeito da migração para o trabalho remoto – e do quanto essa emergência escancarou o departamento de TI -, mas as ameaças à trajetória do CIO não são exatamente uma novidade. São poucos os que atuam de forma “despreocupada” em relação ao seu futuro. Sabem que ocupam uma posição volátil, pelas próprias características da função. Porém, momentos de estresse vividos pela TI podem antecipar decisões de desligamento ou realocação. Isso acontece, na maioria das vezes, ao se somar uma avaliação que já não era tão favorável antes da crise aos eventuais problemas de gestão percebidos durante a crise.
A transição para o home office, bem como a gestão desse modelo, descortinou tanto as fragilidades quanto o potencial da TI, como comentei em outros artigos. Consequentemente, o CIO ganhou de um lado, mas também perdeu de outro. E a maior perda, possivelmente, está no relacionamento com seus pares.
O trabalho presencial permite uma relação mais próxima e mais influente com outros líderes da empresa. Embora as pessoas estejam se acostumando a trabalhar de suas casas, a reunião remota reduz a intimidade e a cumplicidade que uma conversa com café pode criar, inclusive com o próprio time. Leve em conta, ainda, que uma videoconferência pode ser gravada ou registrada de alguma forma, o que requer muito cuidado com o que e como falar. Na melhor das hipóteses, isso leva a uma relação mais formal e distante; na pior, a uma troca “engessada” e menos transparente. Para quem tem uma função estratégica, esse não é um impacto trivial.
Outra consequência sensível da pandemia e que se apresentou de forma mais generalizada foi o maior comedimento financeiro. O controle de orçamento e custos se tornou mais rígido, exigindo constantes prestações de contas, cortes abruptos de budget, e, novamente, mais cuidado com as próprias decisões.
Nessa realidade forçada, o líder de TI muito centralizador perdeu o controle de sua equipe – justamente porque o trabalho remoto exige mais autonomia. Para quem já sabia gerir favorecendo essa característica, foi ótimo: o time ganhou eficiência, e o gestor foi valorizado. Para aqueles que não sabiam, o caos se instalou: os fluxos de trabalho ficaram confusos, as demandas se acumularam e os papéis de cada integrante se perderam. A pressão – que já era grande – aumentou exponencialmente e, o que é muito provável, acelerou a dança das cadeiras a que me referi no início do texto.
Porém, nem todas as consequências do home office são negativas. Ao conversar com alguns líderes durante o IT Forum 2020 (edição digital), observei praticamente um consenso de que o CIO tem agora a oportunidade de avaliar o desempenho da sua equipe de forma mais concreta, com uma profundidade que ele não tinha antes.
Com o trabalho remoto, ele pode perceber mais claramente quem participa e contribui nas reuniões, quem são os verdadeiros especialistas que suportam a arquitetura tecnológica e a quem são dirigidas as demandas. Essa visão ampliada traz, inclusive, a oportunidade de identificar um sucessor em potencial – uma preocupação que ainda não é comum entre os gestores executivos de TI. Ele também ganhou maior visibilidade sobre os serviços contratados de terceiros e o grau de dependência da área em relação a eles.
A mudança para o home office exigiu estabelecer novos indicadores de performance, novas ferramentas de colaboração e de gestão. O papel da TI na arquitetura do negócio ficou evidente como nunca. As demais lideranças das empresas viram, na prática, que um líder de tecnologia precisa ter um nível amplo de decisão em termos de investimentos e de gestão da operação. Com isso, a relevância do CIO foi evidenciada e fortalecida.
E, de uma forma geral, as pessoas estão gostando de trabalhar de casa, embora reconheçam que estão fazendo mais do que antes, e praticamente sem descanso. Essa não é uma situação exclusiva das equipes de tecnologia: todas as áreas ainda estão aprendendo a se adaptar a essa nova realidade. É preciso lembrar que essa migração ainda não completou seis meses: ou seja, é muito recente, ainda que o cansaço das equipes leve à impressão de que passou um tempo mais longo. O líder que descobrir como aliar essa satisfação em atuar remotamente com um modo de aliviar a pressão sobre a equipe terá em suas mãos um time grato, leal e ainda mais comprometido.
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Além de entender os ganhos e perdas no momento, é preciso repensar o papel do CIO para o futuro próximo. E isso não tem tanto a ver com a TI em si, mas com o próprio negócio. Cada setor tem suas necessidades particulares: o varejo precisa consolidar seus canais digitais, enquanto, na indústria, a prioridade talvez seja mais estrutural, relativa ao aumento da eficiência dos processos internos e ao favorecimento da automação.
Em outras palavras, o CIO deve estar muito bem informado sobre a prioridade do negócio nos próximos seis meses, para saber o que ele próprio deve fazer. Ficará claro o quanto ele está inserido no processo decisório, se faz parte do board ou tem influência junto a ele.
Mesmo com a notória memória curta de nossa cultura, que não assimila muitos ensinamentos legados em momentos de crise, acredito que esse período de predomínio do trabalho remoto deixará algumas lições duradouras sobre o papel do CIO. Sua capacidade de lidar com a segurança da informação certamente será melhor apreciada. A contingência, que era apenas um item padrão de auditorias, ganhou grande valor. E o poder de escolher e proporcionar o equipamento adequado definitivamente ingressa nos itens de necessidade básica que a empresa precisa oferecer.
O maior impacto, contudo, será visto lá na frente, com os novos CIOs. Os jovens profissionais que percorrem esse caminho nunca tinham vivido uma situação onde toda a operação de TI foi posta em xeque, na qual todas as garantias foram ameaçadas. Esses profissionais podem, sim, ter aprendido lições mais profundas. E se as usarem para aumentar sua influência estratégica nas organizações, podem ser o embrião de um novo tipo de líder de tecnologia.
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