Por Sergio Lozinsky
Laércio Albuquerque comanda as operações da Cisco na América Latina. Executivo com trajetória brilhante, entrou ainda estagiário na empresa, passou por todos os cargos possíveis até chegar à liderança. Em outubro de 2020, pouco antes de ser chamado a responder pela região latino-americana, quando ocupava o cargo de CEO no Brasil, publicou no LinkedIn um texto intimista no qual explicava como estava à beira do burnout.
“Tudo começou com um alerta do meu próprio corpo. Em uma semana de trabalho excepcionalmente exigente, tive um episódio de mal-estar como poucas vezes vivenciei, senti forte tontura e tive um pico de arritmia incontrolável, que elevou minha pressão arterial a níveis não conhecidos pelo meu corpo até então. Após uma indesejável noite em observação no hospital e muita medicação, recebi o diagnóstico: era o estresse que, se mal cuidado, me levaria ao conhecido burnout”, escreveu naquele dia. A solução foi tirar 30 dias de descanso, totalmente desconectado, para se recuperar.
O caso de Laércio não é único. Nesta pandemia, burnout se tornou palavra da moda. Todos levaram para casa a sobrecarga profissional, que somou-se às preocupações da ocasião (adoecer) e à administração de uma rotina familiar virada de ponta-cabeça.
Existe uma cultura muito forte nas empresas de que o líder é um super-herói. Não está expresso literalmente nas atribuições de cargos de comando, mas nas entrelinhas da aceitação do posto.
Este é um traço da cultura corporativa que traz uma pressão psicológica muito grande sobre os profissionais e pode levá-los ao colapso. Do herói espera-se não apenas resiliência, mas também a visão clara do que deve ser feito para o time superar uma grave crise.
Em momentos instáveis, como o atual, todos os olhos se voltam ao líder na expectativa de que ele diga: “Calma, eu sei o que fazer”. É outra pressão importante sobre aquela pessoa, que por mais preparada que seja, nem sempre está pronta para um acontecimento nunca visto.
Existem casos de liderança fora da curva, que beiram o heroísmo e sem dúvida demonstram uma visão diferenciada de futuro. Um exemplo recente é do presidente da Pfizer, Albert Boula. Quando a Organização Mundial da Saúde declarou que vivíamos uma pandemia, no começo de 2020, Boula reuniu os engenheiros e pesquisadores da empresa. Fez um discurso de incentivo no qual dizia que a farmacêutica era uma das poucas, se não a única, capaz de produzir uma vacina para a Covid-19 em apenas seis meses. Na ocasião, ele deixou claro que era o momento de se arriscar pelo bem comum e se algo desse errado, ele, Boula, seria o responsável. No pior dos cenários, ressaltou, a Pfizer perderia US$ 2 bilhões – um baque administrável para uma das maiores indústrias farmacêuticas do planeta.
O que ele demonstrou foi coragem e confiança na equipe, e se colocou como escudo protetor das pessoas que lhe são subordinadas. No momento de grande pressão, todo mundo olhou para ele, e ele foi capaz de responder com um plano que rendeu frutos.
Mas é importante, como os casos de burnout nos mostram, reconhecer que todo líder é um ser humano. Não é imune a doenças, dúvidas ou quaisquer dificuldades.
O que há de traço comum na personalidade do líder é sua coragem. Ele não foge. Entende o papel que tem que desempenhar. Justamente por isso, ele está suscetível a se esgotar.
Pela minha experiência como fundador de duas empresas, tendo passado por posições executivas em outras, a chave do equilíbrio do líder está em sua capacidade de montar a equipe que lidera – e de confiar nela.
Imagino que Boula, da Pfizer, fez o que fez por ter consciência das qualidades e limitações do time que montou. Ele não agiria como agiu se não confiasse na equipe.
O líder é capaz de tirar o máximo da equipe que possui. Vai tomar decisões difíceis e executá-las da melhor maneira possível, dando seu sangue, com o perdão do clichê, mas sempre amparado.
Chegar ao burnout pode ter a ver com o time. Com uma equipe qualificada, é possível distribuir adequadamente as pressões. Se você, ao contrário, descobre que não tem para quem delegar ou que a coisa vem “quadrada” e você tem que refazer o trabalho, abre-se a trilha rumo à sobrecarga.
Em resumo, o líder é humano, tem problemas pessoais e pode falhar. Mas tem coragem, obstinação e conhece a capacidade da própria equipe. Se você quer abraçar tudo para si, não tem plena confiança no time e é incapaz de ter momentos seus de abstração, fique atento. Nem sempre haverá alguém por perto para lembrar que líderes também colapsam.
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