por Sergio Lozinsky
“Nós planejamos, Deus ri” é um provérbio iídiche que ficou mais conhecido em sua versão modificada por Woody Allen: “se você quer fazer Deus rir, conte a ele seus planos”. A diferença entre expectativa e vida real pode ser tão abissal que, às vezes, o único jeito de encarar a situação é com humor. Mas quando falamos de planejamento estratégico, raramente os resultados são engraçados.
Sempre gosto de lembrar do exemplo de Pierre Wack, o executivo da Shell responsável por planejamentos a partir de exercícios exaustivos sobre as piores coisas que poderiam acontecer no setor de combustíveis fósseis. Graças a essa postura, Wack se antecipou não a uma, mas a três crises do petróleo. E quando digo “se antecipou”, quero dizer “desenvolveu planos de ação para enfrentar os cenários mais catastróficos antes que eles acontecessem”.
O trabalho e as ideias de Wack foram, em certa medida, replicados em algumas grandes organizações. Mesmo assim, na hora de fazer planejamento estratégico, as mesmas empresas parecem deixar de lado os cenários mais sombrios ou pessimistas. Como se, tomados por um pensamento supersticioso, achassem melhor nem cogitar calamidades para que elas não venham a se concretizar.
Mas – quem diria! – a vida acontece, e se tem uma lição que ficou dolorosamente clara durante os dois últimos anos é que ela não aceita planos. Pelo menos, não os planos “perfeitos” nos quais tudo transcorre sem grandes abalos.
A maioria das pessoas deseja que aconteça o melhor. Isso é natural. O ser humano busca a esperança especialmente em momentos turbulentos. Isso pode ser bom para nosso universo íntimo e pessoal, mas pode ter consequências duras para uma organização.
Quem iria supor uma guerra na Europa em pleno 2022? Bem, alguns analistas políticos e econômicos acreditavam que era possível. Mas os artigos, entrevistas e palestras desses profissionais não foram suficientes para colocar um conflito no radar das grandes empresas. E eis que a guerra acontece hoje, sem sinais de cessar rapidamente.
Desde o ano passado, qualquer conversa de negócios vem com o lembrete de que “2022 vai ser um ano conturbado” por causa das eleições e do panorama macropolítico. Mas quem, nos conselhos administrativos, se sentou e parou para pensar em todas as implicações dessa conturbação? Que riscos ela pode trazer? E como seu negócio vai responder a eles?
Mesmo com a lição de Pierre Wack e toda a literatura acadêmica sobre planejamento, insistimos em não dar atenção e peso ao que de realmente nocivo pode nos acontecer. Desenhamos planos que sempre visam o crescimento, e isso é esperado, pois ninguém faz um planejamento para encolher. Mas esses planos precisam, obrigatoriamente, levar em consideração tudo que pode freá-los, sabotá-los ou colocá-los à prova.
Certa vez, vi a palestra de um economista internacional, cujo nome infelizmente me escapa, na qual ele contava que, após concluir a elaboração do planejamento para as empresas que o contratavam, sentava-se com o board e propunha: “imaginem que, passados os cinco anos previstos para esses planos se concretizarem, nada deu certo. Me digam, então: o que deu errado?”. A partir dessa provocação, levantavam-se todas as hipóteses que pareciam ser capazes de derrubar aquele plano já aprovado e tido como “perfeito”.
Na resposta a perguntas como essa, podem entrar estes grandes eventos nos quais procuramos nem pensar: guerras, golpes de estado, conflitos diplomáticos e tragédias naturais. Mas também podem aparecer questões mais pragmáticas, como falta de matéria-prima, crise de mão de obra qualificada, concorrência desleal, mudanças na legislação, e tantos outros.
Ter todas as possibilidades em mente e se preparar para elas é imprescindível.
O filósofo francês André Comte-Sponville define a esperança como “enganadora”, pois ela sempre precisa da ação de terceiros ou do imponderável para se concretizar. Por isso, ela não deve fazer parte das virtudes de uma empresa, ainda mais de seus líderes. Condicionar a concretização dos planos de negócio ao melhor cenário coloca em risco não só a empresa, mas toda a cadeia de fornecedores, parceiros e clientes.
Outro fator que propicia esse “otimismo” é um grande erro conceitual que vem se tornando frequente: a confusão entre metas e planos.
Meta é algo mensurável; pode ser tangibilizada quando atingida. Ela não necessariamente reflete um crescimento sustentável do negócio. O plano de negócios, por sua vez, mostra o que a organização quer ser, como ela quer atuar e quais recursos precisa viabilizar para isso. Ou seja, a meta deveria ser o desdobramento lógico e factível dos planos.
Não é isso que temos testemunhado. A velocidade dos negócios, a ambição motivada pelo grande número de fusões e aquisições, a influência dos fundos de investimento – e mesmo o despreparo das lideranças – têm levado empresas a desenhar metas agressivas, que não dialogam com a realidade da organização, e que são percebidas como um plano a ser cumprido. Mas triplicar um faturamento – para ficar em apenas um exemplo financeiro e não específico – não pode ser um plano. Por que a empresa quer faturar três vezes mais? Que tipo de negócio ela será com esse faturamento maior? O que ela deve ter e o que ela deve ser para chegar a tanto?
Essas perguntas nunca são feitas. Colocam-se metas como a proverbial cenoura à frente do burro, mas nunca se pensa por que o animal precisa caminhar tanto. O resultado dessa mentalidade é o aumento dos riscos e, como temos visto, também das frustrações.
No ano passado, havia expectativa de número recorde de IPOs na Bolsa. O período até julho foi realmente aquecido, com 41 lançamentos, mas depois disso, nada menos que 76 lançamentos foram interrompidos, e apenas outros oito foram realizados. Em 2022, já são 13 as empresas que desistiram de fazer ofertas públicas de suas ações, segundo levantamento da Comissão de Valores Mobiliários.
E não é só: ainda segundo a CVM, as ações lançadas no ano passado perderam valor, em média, três meses após seu IPO. O desempenho médio que veio a público em 2021 foi de -26,1%. O que aconteceu com as metas elevadas que essas empresas tinham e que as impulsionaram a se arriscar na Bolsa? Difícil dar uma resposta geral, mas acho bastante plausível que as questões macroeconômicas não tiveram peso tão grande. O mais provável é que a maioria tivesse metas absolutamente fictícias, desvinculadas de planos de negócios concretos e de planejamento estratégico solo. Havia apenas… otimismo. E talvez outros sentimentos menos nobres, mas não nos cabe especular.
Estamos diante de um futuro bastante incerto e volátil, mas é preciso lembrar que o futuro é exatamente onde vamos viver. Precisamos olhar para essa incertidão sem medo de antever o pior, pois só assim conseguiremos estruturar condições para realizarmos algo bom – para nossas empresas e para nós mesmos.
É hora de olhar para nossos planejamentos, e fazer de tudo para derrubá-los. Ou seja, procurar todos os flancos e fraquezas que podem existir neles. Isso não é pessimismo. É tão somente um aprimoramento do que já foi feito. E, para isso, as empresas precisam trazer para dentro de casa um pouco mais de cultura, de história e de debate. Na hora de planejar, não cabem radicalismos nem dogmatismos: é essencial estar aberto para estudar e aprender, para entender como os movimentos sociais, culturais, econômicos e políticos podem impactar o negócio.
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